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Corações Sujos (2011): Filme retrata a cultura e os conflitos entre imigrantes japoneses no Brasil após a 2ª Guerra Mundial




Em 1945, a notícia da Rendição do Japão foi recebida com amplo ceticismo pela maioria dos imigrantes japoneses no Brasil, que assumiram tratar-se de mera propaganda aliada. Um grupo de nacionalistas, liderados por um antigo oficial do exército imperial japonês, o Coronel Watanabe, se recusa a acreditar na derrota. O fotógrafo Takahashi é influenciado pelo grupo a matar alguns japoneses que aceitaram a derrota, referidos como "coração sujo". Um filme brasileiro-japonês de drama e suspense dirigido por Vicente Amorim, baseado no livro de mesmo nome de Fernando Morais. A história verídica é baseada na organização terrorista Shindo Renmei, uma organização composta por imigrantes japoneses no Brasil da década de 1940



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Um verdadeiro filme de tese. O roteiro é baseado no livro-reportagem de Fernando Morais, que conta uma história verídica e pouco conhecida da história brasileira. O roteiro é bem estruturado e desenvolve os personagens principais com complexidade e profundidade, abordando temas como fanatismo, negacionismo, identidade, lealdade e violência.


Nesse livro vemos a história real de uma comunidade nipônica na cidade de Bastos, capital nacional do ovo, e seus arredores no interior de São Paulo. A história se passa entre 1946 e 1947 e é baseada em uma série de reportagens da época feitas pelos principais jornais da grande imprensa, que retratavam um suposto grupo terrorista japoneses no Brasil que estavam disseminando o terror nas comunidades japonesas do interior de São Paulo. O motivo? A Segunda Guerra Mundial. 


É que segundo a cultura japonesa da época, o imperador do Japão era filho direto do deus do Sol, ou seja, a política está diretamente ligada com a religião. Por isso, era impossível acreditar na capitulação do Japão e sua derrota na guerra, pois isso acabava com toda a cosmogonia do pensamento político japonês. E com o fim da Segunda Guerra Mundial, o governo da época (transição de Getúlio interventor para o militar Eurico Gaspar Dutra), passou a reprimir símbolos de outras nações, como bandeiras, nomes, o ensino de outros idiomas e cultura. 



Exemplo clássico vem do futebol, onde o Palmeiras na época se chamava Palestra Itália, e mudou seu nome para o atual para remover o nome “Itália”. Com as comunidades nipônicas essa repressão foi mais ampla e violenta, pois para eles simplesmente era impossível entender tal censura. 



Por isso um grupo de japoneses começou a tentar confrontar as autoridades locais, pichar a casa de traidores, punir qualquer japonês que aceitasse a informação de que o Japão perdeu e a disseminar, o que chamamos hoje, de fake news; com reportagens e montagens fotográficas que indiciavam a vitória do Japão. 


No capítulo 8 de Corações Sujos, chamado Na tribuna, Prestes, Capanema e Gilberto Freyre: a “Camorra Amarela” Racha a Constituinte ao Meio. Nele podemos ver que tal conflito japonês no Brasil acabou sendo discutido pela Assembleia Nacional Constituinte que passou a discutir a imigração japonesa para o Brasil. Miguel Couto chamava a situação de “problema japonês”, propondo a proibição da entrada de qualquer imigrante japonês para o Brasil. Apesar do incidente ufanista desta fala, o secretário-geral do PCB e deputado da época, Luiz Carlos Prestes endossou dizendo que “é indispensável, nos dias de hoje, proibir a entrada de imigrantes japoneses no Brasil”(MORAIS, 2000). E, contra todas as nossas expectativas, Gilberto Freyre então deputado pela UDN de Pernambuco, foi um dos maiores defensores das causas japonesas, por entender que se tratava antes de tudo de um conflito étnico, e que se os japoneses tomavam medidas radicais é por se sentirem ultrajados e desrespeitados em seus costumes.



A direção de Vicente Amorim é competente e consegue criar uma atmosfera de tensão e suspense nas cenas de ação e de drama. A direção também valoriza as atuações dos atores, especialmente dos japoneses, que falam em sua língua nativa. A direção também explora bem os cenários e a reconstituição histórica de época.


A produção do filme é bem cuidada e conta com o apoio da Globo Filmes, Telecine Productions, Downtown Filmes e RioFilme. A produção teve um duro trabalho de pesquisa histórica e cultural para retratar a realidade dos imigrantes japoneses no Brasil na década de 19401.


A fotografia do filme é bem feita e usa cores frias e sombrias para contrastar com o clima quente e ensolarado do Brasil, usando planos fechados e angulados para transmitir a sensação de claustrofobia e paranoia dos personagens.



A moral do filme é que o fanatismo e o negacionismo podem levar a situações trágicas e irracionais, que afetam não só os indivíduos, mas também a coletividade. O filme também mostra que a identidade é algo complexo e dinâmico, que pode ser influenciado por diversos fatores, como a cultura, a política, a religião e a história.


A história é original e instigante, baseada em fatos reais e pouco divulgados. As atuações são convincentes e emocionantes, especialmente dos atores japoneses. A direção é segura e envolvente, criando um clima de tensão e suspense. A produção é caprichada e cuidadosa, recriando a época e a cultura dos imigrantes japoneses no Brasil.



Entretanto, filme pode ser confuso para quem não conhece o contexto histórico e cultural da história. Também, pode ser violento e chocante para quem não está acostumado com cenas de assassinato e tortura. O filme pode ser parcial e tendencioso, retratando os nacionalistas japoneses como vilões e os derrotistas como vítimas. Também um pouco lento e arrastado em alguns momentos, perdendo o ritmo. Também não aprofunda nas motivações e os conflitos dos personagens secundários. 


O final em si tem um aspecto de tese, uma vez que como um filme de diretor, ele critica o "profissional da imagem". O filme dúvida que aquele cara do 3x4, em termos de profissão, é um extremista assassino, questionando aquele profissional que consegue trabalhar com a imagem sem criar, apenas de maneira técnica e reprodutiva, reduzido a um minimalismo utilitário. Ou seja, o cara do 3x4 seria um radical em relação ao cineasta, onde a possibilidade criação do novo é impossível perante uma técnica que deve ser útil ao "público".


É um filme importante, complexo mas não tão elaborado na conclusão. Merece ser assistido por todo o seu teor histórico e uma certa qualidade incomum ao cinema nacional, que com certeza o tornam único e original.



Historia por trás do filme


O diretor Vicente Amorim comprou o livro “Corações Sujos”, de Fernando Morais, após concluir as filmagens de O Caminho das Nuvens. Ele começou a lê-lo sem ter por objetivo adaptá-lo para o cinema mas, após concluí-lo, resolveu que era esta a história que procurava para um novo filme.


Fernando Morais, autor do livro



Vicente Amorim e o roteirista David França Mendes pesquisaram durante dois anos, antes da conclusão do roteiro de Corações Sujos. Cerca de 70% do filme é falado em japonês. Foi contratada uma tradutora para adaptar os diálogos para o japonês dos anos 40, época em que se passa a história do filme.



As filmagens ocorreram durante 34 dias nas cidades de Paulínia e Campinas, entre abril e maio de 20101. O filme foi ovacionado no Festival Internacional de Cinema de Montreal e bem recebido pela crítica japonesa. O filme teve um orçamento de R$ 6 milhões e foi financiado pela Globo Filmes, Telecine Productions, Downtown Filmes e RioFilme. O filme arrecadou cerca de R$ 1 milhão nas bilheterias brasileiras, sendo visto por cerca de 100 mil espectadores.



O filme teve um cuidado com a reconstituição de época, usando objetos, roupas e cenários que remetem aos anos 40 no Brasil. Foram usados efeitos de maquiagem para simular as feridas e os sangramentos das vítimas dos ataques da Shindo Renmei.



O filme também usou efeitos de som e iluminação para criar uma atmosfera de tensão e suspense nas cenas de perseguição e assassinato. Há alguns problemas de cenografia e direção, deixando passar paredes falsas e erros de continuidade em algumas cenas.



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