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A Cabeça de Joaquín Murrieta (2023): Inspiração de "Zorro", o conhecido "Robin Hood" mexicano é o tema de nova série da Amazon que se passa na corrida do ouro e tem pegada spaghetti western




A série de gênero faroeste é uma coprodução da Amazon entre Estados Unidos e México. Em uma versão realista, acompanhamos a trajetória de Joaquin Murrieta, figura histórica que inspirou o herói popular conhecido como "Zorro"


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Crítica da série 


Pelo menos duas cidades disputam o título de ter sido a "casa" de Murrietta. Quillota perto de Valparaíso, Chile e Alamos no estado de Sonora, México. Víctor Jara, na sua canção Así como hoy matan negros afirma que era chileno. Tal como Pablo Neruda, em Fulgor y Muerte de Joaquín Murieta.


Tradicionalmente, afirmasse que chegou à Califórnia em 1850, à procura de fortuna durante a corrida do ouro. No entanto, em vez de oportunidades iguais, encontrou racismo e discriminação. 


Primeiro, através da aprovação da acta que obrigava a pagar uma elevada carga fiscal sobre os mineiro de origem latino-americana que trabalhavam nas minas da Califórnia e, mais tarde, pela violação e o assassinato da sua esposa. 


Incapaz de ganhar a vida legalmente, Murrietta tornou-se o líder de um bando chamado de Los cinco Joaquines (os cinco Joaquins), Joaquín Botellier, Joaquín Carrillo, Joaquín Ocomoreña e Joaquín Valenzuela.



Entre 1850 e 1853, estes homens, ao lado do braço direito de Murrietta, Manuel Garcia, conhecido como "Three Finger Jack", foram responsáveis pela maioria dos assaltos, roubos e assassinatos que foram cometidos na área da Mother Lode, em Serra Nevada. 


Foi-lhes atribuído o furto de mais de US$ 100.000 em ouro e mais de cem cavalos, bem como da morte de 19 pessoas (a maioria deles mineiros chineses) e que fugiram de três prisões matando três policias. 


Até agora, não houve nenhum consenso sobre o nome do líder deste grupo, que tem sido chamado simplesmente de Cinco Joaquins, algo explorado pela série. Pressupõe-se que o bando foi apoiado e protegido por californianos, incluindo Robert Livermore.


A 11 de Maio de 1853, o então governador da Califórnia, John Bigler, assinou uma legislação para criar os Rangers, na Califórnia, sob o comando do capitão Harry Love (um antigo Texas Ranger), cuja finalidade foi a de eliminar os Cinco Joaquins. 


O salário desses guardas era de aproximadamente 150 dólares, mas também podiam ganhar uma recompensa de US$ 5.000, se fossem bem sucedidos em pegar Murrietta. A 25 de Julho de 1853, um grupo de Rangers encontrou um grupo de mexicanos perto de Paso Panoche no Condado de San Benito, a cerca de 50 km da Mother Lode e, como esperado, Houve um confronto em que dois dos mexicanos foram mortos e os Rangers afirmaram que se tratavam de Murrietta Garcia.



Os Rangers cortaram uma mão e a cabeça de Murrietta, como prova da sua morte, preservando-a com etanol. Em seguida, levaram para Stockton, São Francisco onde exibiram a cabeça do suposto Murietta conservada dentro de um frasco de vidro, onde espectadores curiosos a podiam ver a troco de um dólar. 



Devido a dúvidas levantadas sobre a suposta autenticidade da cabeça, os Rangers coagiram dezessete pessoas a identificarem a cabeça, como pertencente a Murrietta, fazendo assim os Rangers receberam a recompensa em dinheiro. 


No entanto, uma jovem mulher que alegou ser irmã de Murrietta afirmou que a cabeça não era dele, pois não tinha uma cicatriz na cara que lhe era característica. Ouve também numerosos avistamentos de Murrietta após a sua suposta morte. Muitas pessoas criticaram a exibição da cabeça de Murrietta, em cidades longe dos campos da mineração onde Murrietta poderia se reconhecido. Inclusive se chegou a dizer que Love e seus Rangers inventaram a história da captura e morte de Murrietta para cobrar a recompensa.


A alegada cabeça de Murrietta foi perdida durante o terremoto de São Francisco em 1906 e daí o nome que inspirou a série. 



Sim, a História factual que inspirou a série é trágica. A série, pegou isso como um elemento para fazer um adaptação de Zorro realista. Nas sendo uma trama novelística, que inspirou lendas e livros, a série faz questão de acrescentar elementos românticos. Isso significa que existem personagem, cenas e situações totalmente ficcionais, apenas para dar o sentido do olhar da adaptação. Isso é bom pelo seguinte fato: não há como prever se a série seguirá o desfecho da vida real, ou seja com Murrieta morrendo, ou se tomará a liberdade de uma historinha de Zorro.


Os dois elementos, História e fantasia, se mesclam muito bem na série. Por exemplo, a ordem dos lugares e maior parte dos grandes tiroteios da série foram historicamente bem representados e seguiram uma linha quase escolar de sucessão. Por outro lado, há cenas que exploram o pessoal e os sentimentos dos personagens, rendendo boas atuações e um bom convencimento da série. 



Por momentos, a sua mistura de spaghetti westerns e melodrama fazem a série, por vezes, parecer uma novela, e isso não é ruim. Temos o desenvolvimento bem profundo dos personagens que acompanham Murrieta. 


Começando pelo rapaz, Carillo, que vive um certo espelhamento da vida de Murrieta. Como contam os relatos, Murrieta teve toda a sua família morta por Rangers, e isso aconteceu também com esse personagem. Inicialmente, pensamos que estamos vendo flashbacks de seu passado, até vermos que ambos se cruzam e apenas viveram experiências parecidas por ser comuns na época. Ou seja, Murrieta era um homem comum, mas o que ele fez com isso que foi o diferencial em sua vida. 



O outro plot muito interessante que percorre alguns dos episódios é o da sua parceira chinesa. Eu não consegui fontes ou mais informações sobre se essa personagem é baseado em algum pessoa real do Velho Oeste, mas só a proposta dela é genial. Primeiro, pelo fato de hoje os chineses estarem em destaque mundial, segundo por serem os chineses uma das principais mãos de obra exploradas nas estradas de ferro do Velho Oeste.



Ter chineses cowboys que se revoltavam com a estrutura até que faz sentido. O ponto é que a série vai reposicionar essa visão dos cowboys como homens brancos humildes e altruístas, quando obviamente muitos foras da lei ou pessoas que trabalhavam com o gado, eram excluídos socialmente. Em outras palavras, eram mais homens negros, mestiços, índios e mulheres do que imaginamos.  



O plot da parceira chinesa vai percorrer também a questão da escravidão, da possibilidade de amor entre lados opostos no faroeste e da possessividade de Murrieta com ela: ele quer a resgatar ou a impedir de ir embora? 


Já o plot de Murrieta é atravessado pela oposição com os rangers, mas com um em particular: o comandante Harry. Ele quer pegar Murrieta a qualquer custo, mesmo que tenha que violar a lei para isso.


Outro ponto a ser destacado é a trilha sonora impecável. A trilha não busca ser historicamente fiel, afinal é repleta de rock, mas é empolgante e faz sentido para série, ao estilo os spaghetti westerns dos anos 70 que possuíam trilha de rock. A direção de David Pablos também foi muito bem realizada. Os elementos históricos estão muito bem justapostos com o melodrama. 


Para concluir, preciso dar um spoiler fundamental da temporada. Se você quer assistir, vai logo ver e volta aqui depois! Para quem já viu ou não liga aqui vai: a temporada terminou sem a morte de Murrieta. Temos uma cena da sua cabeça rolando, mas foi colocado pela série como um sonho de um dos personagens. A série utilizou o elemento do mito popular para duvidar da veracidade da morte ou para supor que Murrieta continuou vivo no imaginário popular. Assim, genialmente, a série permaneceu entre o retrato histórico realista e a idealização romântica de novelas e séries do Zorro. Isso é inteligente pois, primeiro, a História não dá spoiler da série, e segundo pois ficou aberto para uma segunda temporada, o que eu já estou esperando. 


Sem dúvida A Cabeça de Joaquín Murrieta é a melhor série de faroeste do momento. 



História por trás da série

  

Pouco depois do seu desaparecimento, o bandido-patriota passou a ser o sujeito da história e da lenda. O primeiro texto sobre a vida dele apareceu em 1854, assinado por John Rollin Ridge. A história narra a forma como a mulher de Murrietta foi violada e morta pelos americanos e o seu irmão, foi enforcado por um crime que não cometeu, fazendo com que Murrietta jurasse vingança matando todos os "gringos" que encontrasse. Apesar de não haver provas que confirmem que estas coisas acontecem de facto a um homem chamado Joaquín Murrietta, a verdade é que era algo muito comum de acontecer aos latino-americanos que viviam na Califórnia naquela época, logo o paralelismo.


A atribuição da nacionalidade chilena pode ser o resultado de Murrietta ter lutado ao lado dos mineiros naturais daquele país durante a chamada "Guerra chilena". Um fragmento do livro de Ridge que foi reimpresso em 1859 na California Police Gazette ("Diário da Polícia da Califórnia), foi traduzido para o espanhol, de lá para o francês e finalmente de volta para o espanhol, por Roberto Hynne que afirmou ter estado na Califórnia durante a febre ouro. Esta última versão afirmava que Murrietta teria nascido no Chile em vez do México.


A lenda de Joaquín Murrietta possivelmente teria sido esquecida se não tivesse sido por John Rollins Ridge, um jornalista de origem cherokee que escreveu o livro Life e Aventuras de Joaquín Murrietta famoso Califórnia bandit em que descreve a vida, aventuras e morte de Joaquín. A prosa de Ridge ajudou a colocar Murrietta em um lugar proeminente no âmbito das tradições da Califórnia mexicana e, para os mexicanos, a sua imagem foi ampliada ao ponto de ser intitulado de El Patrio (A Pátria), um símbolo da causa perdida na guerra de invasão do México em 1847 perpetrada pelos EUA e que terminou com o Tratado de Guadalupe Hidalgo com a perda de metade do seu território.


Segundo a história de Ridge, Joaquín Murrietta e os seus homens usavam como refúgio as montanhas circundantes da população mexicana ao Mother Lode. Juntou o seu bando, a outros da região, criando "Os cinco Joaquins", um bando mais forte que granjeava a simpatia da população mexicana aumentado dessa forma as suas operações com mais eficácia. Portanto, Joaquín Murrietta e os seus homens, sublimavam a expressão e a vontade dos mexicanos, em combater o jugo dos "Anglos" até à morte, a admiração dos seus compatriotas reflectiu-se em canções e corrididos que compuseram, levando aos dias de hoje a criação da sua própria história épica.


Provavelmente, uma versão em espanhol da história de Ridge, também inspirou vários corridos sobre Murrietta, mostrando-o como um furioso vingador de injustiças contra os mexicanos. Gilberto Velez, em seu livro "Corridos Mexicanos", fez a recolha de duas músicas com o título Joaquín Murrietta.


A Universidade de Berkeley na Califórnia, tem uma cooperativa habitacional nomeada em sua homenagem, a Casa Joaquín Murrietta.


Através do "Vale Central da Califórnia" e durante a última semana de cada mês de Julho, é efectuada a cavalgada de Joaquín Murrietta, uma peregrinação que visa comemorar a vida de Murrietta. Esta tradição iniciou-se com o canadiano de a origem irlandesa, Sigurdur Christopherson. Segundo ele contava, teve uma revelação de que o local onde Murrietta foi morto, era um lugar sagrado e que os homens assassinados ali eram especiais e foram enviados para ensinar as pessoas a sofrem e a curar o sofrimento dos outros. Um ano mais tarde, Christopherson e quinze amigos fizeram um passeio entre Three Rocks e Arroyo Cantua. Ao longo do tempo e apesar da morte do canadense, a cavalgada tornar-se-ia uma tradição anual e, hoje em dia, chega a durar três dias, incluindo a participação de mais de oitenta pessoas e em um circuito de cerca de 30km.


Os cantores sul-americanos Olga Manzano e Manuel Picon adaptaram a obra de Pablo Neruda Fulgor y muerte de Joaquín Murrietta para música, tornando na Cantata Fulgor y muerte de Joaquín Murrietta. Manzano e Picon em conjunto com o trio Alpataco e o solista Victor Velasquez interpretaram esta cantata que foi muito famoso na década de 70 e ainda agora é considerada um clássico da música sul-americana.


A ópera rock russa Звезда и смерть Хоакина Мурьеты [Zviezda i smiert' Joakina Muriety] (Ascensão e morte de Joaquín Murrieta) de Alexei Rybnikov y Pavel Grushko (1982), baseia-se no texto Neruda.


O canção Premonición de la muerte de Joaquín Murieta é uma homenagem de Quilapayún.


Sergio Ortega, compositor chileno, escreveu uma versão de Fulgor y muerte de Joaquín Murrietta, do poeta Pablo Neruda. Canções como Así como hoy matan negros e Ya parte el galgo terrible foram interpretadas por grandes músicos chilenos como Víctor Jara, Quilapayún, Inti Illimani e Cuncumén.



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