Decisão de Partir (Decision to Leave, 2022): Um neo-noir neurótico que questiona a narrativa de investigação do romance policial - Análise e crítica
Um detetive com insônia, Hae-Jun, trabalha em Busane e só vê sua esposa, Jung-An, uma funcionária de uma usina nuclear que reside em Ipo, uma vez por semana. Hae-Jun e seu parceiro Soo-Wan encontram um caso em que um trabalhador de imigração aposentado, é encontrado morto no sopé de uma montanha que ele costumava escalar. Eles entrevistam sua esposa muito mais jovem, Seo-Rae, uma emigrante da China que trabalha como cuidadora de idosos. Eles suspeitam dela por causa de suas demonstrações insuficientes de tristeza
Crítica do filme
🌟🌟🌟☆☆☆
Conheci Park Chan-wook há alguns anos atrás, através de Oldboy. De alguma maneira, o cinema sul coreano sempre me escapou um pouco, algo que depois desse filme mudou completamente. Depois disso, vi todos os filmes de Park, como de alguns de seus correlatos no cinema sul coreano que são conhecidos por serem uma espécie de escola similar a nossa do Cinema Novo brasileiro, tanto em propostas estéticas como ideias.
A trilogia da Vingança é simplesmente incrível. Só que filmes mais recentes ainda reforçaram o movimento do cinema sul coreano mais conhecido ainda, como Parasita e a série Round 6. Isso muda muito a proposta do cinema de Park, uma vez que seu cinema não poderia mais ser considerado independente ou marginal.
Dessa maneira, Decisão de Partir apresenta o trabalho mais diferente do diretor até hoje. Grande parte de seu estilo mais formal, marcante em sua trajetória, está ausente. Há, claro, as grandes rupturas temporais e de sentido do filme, comum em seus outros filmes. Mas agora, tudo é mais linear e óbvio.
Park tentou focar mais em uma trama americana clássica, focada no roteiro e na questão ambígua da literatura policial de se estar "apaixonado" por seu trabalho e seu investigado. Esse é um paradigma bem mais simples e bem similar ao universo televisivo, principalmente das séries.
Para confirmar isso, o filme possui muitas cenas do crime, algo que parece ser inspirado em CSI por parte do diretor, pelo menos esteticamente. Porém, esse não é o foco do filme, e sim o pessoalismo envolvido no processo, criando esse elemento apenas para anulá-lo narrativamente. Fora isso, é um pouco confuso as relações do protagonista com sua esposa. É demonstrado, de uma maneira estranha, que ela é a esposa sul coreana perfeita. Mas sua falha é explorada como por ser perfeita demais para um homem que profissionalmente é um crápula. Sua submissão a estrutura é mais evidenciada do que qualquer coisa quando ela lê dados de ser normal casais coreanos só transarem uma vez por semana. Só que isso é só um adendo do filme, sem foco principal para além de uma ironia meio machista.
Só que aqui é o paradigma do clássico triangulo amoroso entre a esposa do policial e a investigada, possui elementos interessantes para analisar. A esposa é a típica mulher sul coreana. O homem, o típico homem médio sul coreano atual, até em seu preconceito e direitismo latente. Só que ele se apaixona pela mulher estrangeira, chinesa e provável assassina. Nesse ponto, é o trabalho de Park que mais questiona a ideologia da Corea do Sul, país que é vendido pela imprensa e por setores da academia como um exemplo, quando na verdade é um país marcado pelo neoliberalismo, colonialismo e preconceito de classes.
Todos os preceitos de neutralidade e objetividade em uma investigação, que deve ser impessoal, são substituídos por um extremo pessoalismo como método. Assim, os sistemas e métodos de apuração são questionados em sua essência para então questionar os princípios que inspiram a sociedade sul coreana.
O filme é visualmente bonito e tecnicamente bem-feito. Um ótimo trabalho de direção. Concordo totalmente com o Time, que definiu o filme como sendo: "Voyeurismo obsessivo, insônia, barreiras linguísticas, a atração e o perigo do oceano: Park e seu frequente parceiro de escrita Chung Seo-kyung – juntamente com o diretor de fotografia Kim Ji-Yong – usam ferramentas dramáticas clássicas e algumas novas para um grande efeito, construindo um final notável que representa o apagamento do verdadeiro eu e da ilusão. Há efeitos especiais elegantes: enquanto Hae-jun espera por uma resposta de texto, vemos os planos de seu rosto refletidos naquelas elipses flutuantes e ondulantes na tela, nosso símbolo clássico moderno de antecipação e pavor."
Mas falta certa coesão dessa linguagem com o roteiro proposto. As sequências finais do filme vão do extremo tédio a uma complexidade de linguagem e sentido desnecessária para a trama. O final é um anticlímax total. Aí dá aquela sensação que é a seguinte: uma vez que o filme questiona o local do protagonista, que obviamente não é um herói, qual a lição ou expectativa final que podemos ter de tal trama? É sempre um risco de não ter um protagonista clássico, que é ninguém se importar com o que acontece com ele no final, pois afinal ninguém se identifica com ele. É claro, é um filme crítico, como nenhum outro do diretor até hoje. Park fez questão de se colocar em uma perspectiva mais progressista para tentar corrigir visões errôneas de seus filmes anteriores. É um importante trabalho de marcação de posição e visão de mundo do diretor.
Porém, está longe de ser um filme marcante e épico como Simpatia pelo Senhor Vingança. Muitas das temáticas do filme já haviam sido debatidas em Simpatia pela Senhora Vingança e de maneira geral um pouco inferior em ser um filme político do que Joint Security Area, do qual a ironia, combinada com a crítica a burocracia e a política da Coreia do Sul já havia sido explorado o suficiente. Assim, o filme parece uma rapsódia de toda a carreira do diretor, mas com pouca criatividade e uma visão pessimista, apesar da aproximação e linguagem contemporânea. É um bom filme, vale a pena conferir por ser o trabalho novo de um grande diretor, mas não vá esperando muito, pois o filme é confuso, com significado aberto demais. Não é divertido o suficiente e nem muito original, mas pode agradar ao fã do gênero.
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