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Batismo de Sangue (2006): Filme retrata a verdade sobre a ditadura militar e a repressão as liberdades religiosas pelo regime


"Batismo de Sangue" é um filme histórico brasileiro lançado em 2007, dirigido e produzido por cineasta Helvécio Ratton. O filme é baseado no livro homônimo de Frei Betto que foi lançado originalmente no ano de 1983, e foi por sua vez, vencedor do prêmio Jabuti. Na cidade de São Paulo no final da década de 1960, um convento dos frades dominicanos torna-se uma das mais fortes resistências à ditadura militar vigente no Brasil. Movidos por ideais cristãos, os frades "Tito" de Alencar (Caio Blat), "Betto", "Oswaldo", "Fernando" e "Ivo", passam a apoiar logística e politicamente o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado à época por Carlos Marighella


O filme será exibido na TV Brasil no especial em memória contra a ditadura militar, "O Papel da Religião na Resistência a ditadura" e ficará disponível no site da EBC neste link. Ou assista em link aberto no final desse artigo

História por trás do filme 


Os dominicanos como os padres do filme são representantes da chamada Ordem dos Pregadores, fundada 8 séculos atrás por São Domingos de Gusmão. Os jovens frades estavam ligados ao grupo guerrilheiro de Carlos Marighella e a ALN (Ação Libertadora Nacional), por isso foram extremamente perseguidos apesar de serem membros da igreja católica. 



Outra questão que pesa na perseguição aos padres, é que algumas ordens internas da igreja discordavam das alas principais e realizavam um trabalho junto aos marginalizados da sociedade, presos, torturados, mais pobres. O Frei Tito esteve no Convento Dominicano das Perdizes, teve sob os cuidados do psicanalista Jean-Claude Rolland nos últimos dias de sua vida, junto com Frei Xavier Plassat, na época que viveu perto de Lyon, na França. Sua irmã Nildes Alencar Lima, que o criou no Ceará, terra de lutas e que viveu a chamada "Revolução dos Padres", que em 1817 viu eclodir a Revolução Pernambucana. Comparando os dois períodos, o autoritarismo e o ódio ao nordestino é o mesmo, também é retratado no filme esse ângulo. 


O que mais pensar que pelo ângulo histórico, a tortura de Tito tinha uma conotação de "guerra étnica", sendo contraparte progressista da igreja católica (historicamente ligada a movimentos pastorais de base). Tito mesmo começou sua militância no JEC (Juventude Escolar Católica). 


O suicídio de Tito foi entregar sua alma para fugir do calvário psicológico imposto pela ditadura, não conseguia mais viver entre os outros frades com a lembrança do que havia vivido. 


A fotografia é do Lauro Escorel, o mesmo que fez o filme Eles Não Usam Black Tie. Aparece o rapaz ouvindo Chico Buarque e Nara Leão a música deles "Noite dos Mascarados" no rádio.


Por fim, os padres dominicanos fazem uma missa na cadeia e eles jogando futebol na cadeia, tocando violão, essas coisas. Depois vemos visitação e o pai de um dos rapazes presos fala que o tempo de prisão preventiva foi excedido e que ninguém ofereceu uma denúncia específica. Tito não quis ficar no Chile, foi para Roma e foi tratado como "bispo terrorista"


O grupo dissocia-se após uma conversa entre Frei Diogo e seus frades, de onde se conclui a necessidade de dispersão do grupo a partir de então.


Frei Ivo e Frei Fernando partem para o Rio de Janeiro, onde são surpreendidos e torturados por oficiais brasileiros que, acusando-os de traidores da igreja e traidores da pátria, perguntam por informações sobre o local de reunião do grupo para a posterior captura e execução de seu líder, Carlos Marighella. Marighela havia sido expulso do PCB (Partido Comunista Brasileiro) junto a alguns nomes que criaram o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), constituído por antigos membros do PCB liderados por Mário Alves, Jover Teles e Apolônio de Carvalho, e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).


Após sofrerem tortura, os frades informam aos policiais o horário e o local de reunião do grupo, onde Marighella costumava receber recursos oriundos dos frades. Marighella foi então surpreendido e executado por policiais do DOPS paulista, sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Frei Betto, refugia-se no interior do Rio Grande do Sul onde é encontrado, preso, e une-se ao restante do grupo no presídio de Tiradentes, em São Paulo, em 1971. 


Os frades são posteriormente julgados e sentenciados a quatro anos de reclusão em regime fechado. Eles receberam uma ligação dizendo que o Frei Tito estava preso prelo recém-criado DOI-CODI (Órgão utilizado pelo regime para torturar seus opositores políticos, Departamento de Ordem Política e Social), criado em 1970. 


Vemos Tito tentando se matar para tirar da cabeça a imagem da sua tortura, é acordado dizendo que "ele seria expulso da igreja" por isso, o que levanta um grande debate sobre regras e catolicismo. Sai a lista do sequestro do embaixador e Tito está entre os nomes para ser libertado, mas ele foi tão reprimido e machucado quer nem parece ligar, apenas vê o fantasma de quem o torturou, sua mãe é interpretada por Marcela Cartaxo. Nessa hora, os presos cantam o "hino da independência" na hora que Tito vai embora. 


A única exceção é Frei Tito, que é libertado em troca do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, juntamente com outros presos políticos, em 11 de junho de 1970, e se exila na França. Frei Tito não consegue superar as sequelas psicológicas sofridas após ser preso e torturado e acaba suicidando-se. Apesar de toda a campanha, os padres são condenados a 5 anos de reclusão. Tito na França não consegue esquecer a tortura.




Crítica do filme


O filme já começa com um lembrete de que os eventos do filme ocorreram entre 1964 até 1985 sob a égide da "doutrina de segurança nacional", em nome disso, tudo era permitido. Começou o filme com a cena do Frei Tito se matando ao lembrar da tortura que viveu. O período de repressão aos padres foi o pior sob o governo de Médici que precisava da confissão de que os padres participavam de "ações criminosas" como apoio a Marighela e aos assaltos a banco coordenados. Os policiais levam preso o Frei Tito sob a acusação de fornecer o sítio para o Congresso da UNE.


Aparece Carlos Marighela coordenando a ação do grupo de padres. Ele fala sobre a ação revolucionária e passa um pouco de seus livros e ensinamentos par alguns dos padres, ele fala sobre o "Manual do Guerrilheiro Urbano". livro que escreveu; A igreja aparece no seminário com uma pichação do lado de fora escrito "padres comunistas". Mostra eles chegando em uma reunião de DCE, planejando um Congresso da Une; aparentando ser um prédio da USP. 


 mostrando que era uma pessoa feliz e de esquerda apesar de estar no seminário. E mais uma vez vemos o picho escrito "morte aos padres vendidos", mostrando um certo moralismo de pichar a propriedade da igreja, chamando os padres humanistas de "vendido", ou querendo marcar que existiria "infiltrados na igreja" como um pensamento de "nós e eles". 


Mais uma vez, mostrando o envolvimento dos padres com os universitários. Eles usam a capa da Revista Veja como senha para esconder sua operação, todos tinham uma revista na mão. Eles querem levar uma moça que pede ajuda e são parados na estrada, mas por serem padres o guarda os deixa passarem com comunistas no carro. 


O congresso que estava sendo planejado com a liderança estudantil de toda a esquerda brasileira da época, que estava em massa sendo perseguida. Como estavam planejando um congresso no interior e com muita gente, as pessoas chamaram a polícia por ter acabado com produtos das padarias locais, mostrando que podemos ver essa referência da questão do pecado, eles foram pegos por "gula", ou por parecer que estavam fazendo uma festa. Ou seja. acabaram sendo presos e achados. 


Todos foram presos. Uma moça da revelação das fotos dá em cima de um dos religiosos que se diz dominicano para recusar suas investidas. O evento retratado foi o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) de 1968, onde 700 estudantes foram presos em Ibiúna (cidade localizada uns 70 km de distância de São Paulo).



 Um padre fala mal da ditadura pelo ângulo de ser o que explora o povo pobre. Vemos também que a missa é gravada, e o funcionário do DOPS é constrangido e nomeado no meio da missa e é agredido e chamado de comunista pelo policial. 


O padre conversa com eles em particular dizendo que eles estão envolvidos demais na resistência, um deles fala que está lendo Thomas de Aquino e que a ele dizia a mesma coisa. Um dos padres conversa com uma informante comunista que disfarça na rua e pede informações e em tom baixo conta para ele que vários companheiros estavam sendo torturados. Ele vai para a igreja carregando a sacola que a jovem havia deixado para ele e passa adiante para Marighela essa sacola.  Um deles precisa sair para o exílio, enquanto o outro vai trabalhar na horta e escuta de quem trabalha com ele sobre "que bom seria se todos tivessem um pedaço de terra". 


A televisão mostra o homem indo a lua e todos discutindo os "novos tempos", alguém puxa um violão e toca uma bossa-nova. A notícia que corre no meio do jantar na churrascaria é que teria uma rota ao sul e que muita gente estaria sendo torturada.


Vemos o seminário dos padres e vemos um pouco de sua atuação na igreja; mostra um deles estudando em uma aula de faculdade onde o professor fala sobre sexualidade e Freud, aparentando a maior normalidade e desconstrução do ambiente universitário apesar da ditadura. Na sala de aula estava escrito "ao acordar, ter que sempre, o teu dever é teu carrasco", e em seguida vemos que o ambiente universitário é todo decorado com slogans e ideias de esquerda. como banners e fotos de Che Guevara.


O cara atenta e é de uma livraria chamada "duas cidades". Mostra um dos padres escrevendo em jornal, no "Folha da Tarde" e aí ele recebe a notícia da prisão de vários de seus amigos e sai do jornal para saber o que estava acontecendo. Ele chega na casa do amigo segundos antes da polícia chegar para prender ele. A notícia do rádio é que o embaixador americano Charles Burke Elcrick foi sequestrado por um grupo revolucionário que exigiu a troca por 15 prisioneiros feita pelos grupos ALN e MR-8. 


Marighela diz que sumiria por um tempo, mas não sabe que seria morto em breve. Os padres percebem que o telefone está grampeado e que estão sendo observados de perto e são presos em seguida por policiais ao estilo P2 (civil disfarçado) e chegam ao torturador Fleury (Cassio Gabus Mendes), dizem para eles que apoiam o "terrorismo de Marighela" e começam a ser torturados por ele em uma cena muito pesada, com utilização de choques como os patrocinados pelo Henning Albert Boilesen



Mostrando um "médico" que averigua se eles "foram longe demais" com a maior tranquilidade, enquanto um deles comenta "sobre um colega que quer ter um barco em Ilha Bela, e um dos torturadores que tem um "conhecido na Marinha". 


Um clima de normalidade nojento e cotidiano que é um verdadeiro soco no estômago. Frei Ivo e Fernando foram os presos que serviram de isca para pegar Marighela. Eles conseguem fazer uma operação para pegar mais integrantes da organização ALN (Ação Libertadora Nacional) e a localização de "Ernesto", na verdade, Carlos Marighela e aí ele é morto em uma emboscada armada pelo grupo de Fleury, no dia 04 de novembro de 1969. 


Vemos a notícia da morte de Marighela no meio da conversa de bar do homem médio brasileiro (ou seja, significa que ninguém liga), sendo um soco no estômago sobre a maioria silenciosa e a concordância com práticas fascistas como a tortura. 




O filme volta ao seu começo e vemos a tristeza de Tito longe de casa e com suas memórias, vemos a abadia na França. A memória de Tito lembra do delegado Fleury chamando-o  de" traidor da igreja" e "traidor do Brasil" e diz que "não acredita em mais nada, Cristo, Marx, Freud". Os padres são libertados no dia de São Francisco e Assis, com o advogado conseguindo recurso que diminuía a pena de 5 anos para 2, como estavam presos há 4, eles saíram na hora.  A mãe de Tito tenta trazer as coisas que ele gosta, disco, literatura de cordel, mas nada adianta. 


Assista o filme aqui:




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