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Racionais MC's no Rock in Rio 2022: Como foi primeira apresentação do grupo no festival?

 


Em show histórico, com tom político, o grupo Racionais MC's fez sua primeira participação no festival, que contou com coro de "Fora Bolsonaro" no final da canção "Negro Drama", homenagem a Carlos Marighella e Marielle Franco


Análise do show 


E aconteceu: O melhor show do Rock in Rio desse ano, até agora, foi de um grupo de rap. 


Esse Rock in Rio tá, de maneira geral, uma merda. Começa pela programação que é bem fraca, com poucas atrações realmente vistosas. É claro que é preciso renovar e a maior parte das grandes bandas em atividade no mundo, já tocou no festival. Mas, por exemplo, só Iron e Gojira no dia do metal é muito pouco, uma vez que Sepultura já tocou várias vezes. 


Entretanto, o lance principal do festival que está escroto esse ano é sua cobertura. Além de ingressos caríssimos, com preços de consumo exorbitante dentro da cidade do rock, a transmissão feita pela Globo é risível, passando muito tarde na madrugada, não sendo na integra e com uma péssima edição dos melhores momentos dos shows. 


E na internet, além de ter que fazer um login para ver no G1, estão derrubando as gravações do show colocadas no Youtube. Ou seja, a produção do show fez questão de nesse ano, de pós pandemia e crise global, mais do que nunca botar uma moral de "não queremos pobres em nosso festival", impedindo inclusive seu consumo a distância. 


Não à toa, a produção errou o nome do Ratos de Porão no camarim, pois a banda tacou uma bandeira do MST no show. A produção do evento está elitistinha, de playboy, com inclusive a cidade do rock contando agora com sua primeira delegacia (só rindo mesmo). É Westworld?


Por isso, o show de um grupo como Racionais, abertamente de esquerda e com Mano Brown que é claro apoiador de Lula, era cheio de expectativas. E não para menos: foi um show histórico. 


Logo de cara, o show começou com cenas do telão do palco Sunset exibindo cenas do filme The Warriors, Os Selvagens da Noite (1979), filme que já analisei aqui no blog (cliquei aqui para ler). A montagem do telão junto com a produção de palco, foi sensacional. Colocaram um trem no palco, ao estilo o que os jovens Warriors usam no filme. Assim, construiu-se imageticamente como se os Racionais fosse os Warriors que estivesse vindo ao Rock In Rio, que é tipo uma reunião das gangues, das tribos, e isso tem muita relação com a mensagem que o grupo passou em sua apresentação. 



O show teve uma grande influência de cinema, algo bem comum na carreira da banda, com muitos elementos visuais que combinam e renovam as letras da banda.


Eles começaram com a cação "Eu Sou 157", um clássico do álbum Nada Como Um Dia Após o Outro, uma ótima escolha para atrair a atenção inicial do público. Um detalhe interessante, foi o dançarino vestido de palhaço do capeta, dando uma boa interpretação de linguagem corporal e visual ao show. Esse elemento tem a pegada estética do último álbum do grupo, o Cores e Valores. Só que apesar disso, claramente o grupo já tenta superar o disco, incorporando-o completamente ao seu setlist, mas usando cores diferentes da turnê daquele disco. 



O grupo estava muito ensaiado e afinado, com o som soando perfeitamente como nos discos. Diria que em algumas músicas, a interpretação ao vivo desse show deu uma certa energia própria que as tornou até maiores que em suas gravações originais. Havia bastante emoção na forma de interpretar as letras, parecendo que o grupo estava a muito tempo esperando uma oportunidade como essa. A interpretação das letras estava perfeita, com grupo soando quase como em uma frequência maior que a do público. 


Isso é um detalhe a se destacar melhor. O show teve um tom muito crítico a mentalidade política e de consumo do mundo atual. Por certos momentos, parecia que o show era um "anti-show", pois vamos combinar que um lugar como o Rock in Rio, com os ingressos caríssimos, não é o lugar mais democrático que podemos pensar. Logo, as letras do Racionais que denunciam preconceito, consumismo, superficialidade, elitismo e etc, soavam automaticamente como uma crítica ao "oba-oba" que alguns ficam dentro da proposta de consumir um show como uma roupa que se veste, um estilo, que depois se tira e acabou. 


Por exemplo, marcou a carreira do grupo o evento da Praça da Sé, da Virada Cultural de São Paulo em 2007, onde a mídia fez uma campanha contra o grupo associando-os a destruição de património. Disso, a hoje tocar no Rock in Rio de ingressos de preços bem salgados, é um grande pulo e mudança que marca fortemente a banda.


 Por exemplo, aos 20 minutos de show eles tocaram a canção "Mil Faces de Um Homem Leal", canção do grupo que homenageia o revolucionário e guerrilheiro comunista Carlos Marighella. Com certeza o momento mais quente e auge do show. Mas nesse momento fiquei imaginando a playboizada de Rock in Rio sacudindo ao som de uma canção em homenagem a um comunista do PCB. Será que eles entenderam ou foram só na onda? Mais ou menos, já que deu para ver nas imagens que muitos na plateia não sabiam a letra das músicas, principalmente por serem mais novos. Mas, apesar da edição horrível do Multishow e da Globo que tentou ao máximo remover da edição os símbolos comunistas como a foice e o martelo da transmissão, foi um momento sensacional.




Estendendo esse momento mais crítico, tivemos na sequência a canção "Negro Drama". Aqui o show continuou o seu auge, pois foi nesse momento que no telão do show foi projetado os rostos de Marielle Franco, Agatha, Moïse, Moa do Katendê, João Pedro, Cláudia, Kathlen, Durval e outras pessoas assassinadas nos últimos, principalmente no Rio de Janeiro, em casos associados a crimes de ódio e racismo. Esse momento foi chocante pois essas pessoas só vieram até nossos olhos antes perante o noticiário, com imagens trágicas e nunca mais aparecem de novo. Então, ver todos aqueles rostos de pessoas que tiveram suas vidas retiradas subitamente e de forma violenta, foi forte, foi um soco moral. Com certeza não é o clima geral de positividade falsa de um festival, o que foi muito bom, verdadeiro e necessário. 


Aqui, na minha visão, rolou uma crítica da produção e do grupo, à atual gestão e governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), já que grande parte dessas mortes foram associadas criticamente a sua gestão perante as forças de segurança estaduais, algo argumentado principalmente pela oposição representada por Marcelo Freixo, que era companheiro político de Marielle e atual candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro pelo PSB.  


Em síntese, foi um grande show, talvez o melhor do Rock in Rio 2022. Pena que simples e curto demais, não sendo nem no palco principal. Mas deu para perceber que tudo, som, luz, efeitos, foi pensado pelo grupo e pela produção para que além de ser mais um show, fosse de uma certa maneira marcante, épico e histórico. O som foi muito bem mixado e a performance ao vivo dos caras não perde em nada pro disco, é incrível. Só daqui a uns 10 anos vamos olhar para esse show e conseguir entender o que aconteceu ali naquele palco, principalmente em termos de resistência política, ao tornar o mais pedagógico e político possível um show que era abertamente para poucos. Racionais se prova não só um dos maiores grupos musicais brasileiros de todos os tempos, como também sendo ainda uma "novidade" e talvez o auge do melhor que temos musicalmente no Brasil atual.


Assista:


 


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