Na Trilha da Verdade (1933): Faroeste raro dos primórdios da carreira de John Wayne demonstra o poder da honestidade
Condenado por um assassinato que não cometeu, John Brant (John Wayne) foge da prisão determinado a encontrar o verdadeiro assassino. Por acaso, a fuga de Brant dos homens da lei é testemunhada por Joseph Conlon, que atende pelo nome de "Jones". Ajudando ele a fugir, Conlon batiza Brant o nome de "Smith" Conlon, Jones o coloca em sua gangue fora-da-lei escondida em uma mina abandonada. Brant tenta interromper os assaltos da gangue e chega mais perto de encontrar seu homem.
Crítica do filme
Que surpresa esse faroeste simples, divertido e dos primórdios da carreira de John Wayne. É um filme bem curto mas que já demonstrava o potencial de John Wayne para futuros filmes, além de possuir vários elementos interessantes de se analisar.
Esse é um dos faroestes B produzidos pela Lone Star e Monogram que John Wayne fez antes de ser descoberto por John Ford e estrelar No Tempo das Diligências(1939), papel que deu uma engrenada definitiva em sua carreira de ator. Inclusive, acredito que foi esse faroeste que John Ford viu para escolher Wayne, pois Na Trilha da Verdade foi filmado em 1933 e teve uma pequena distribuição. Mas a Monogram só foi formada em 1938, data que o filme começou a realmente ser distribuído e apenas 1 anos antes de No Tempo das Diligências. Assim, cenas em diligências do filme (como da capa desse artigo) de Na Trilha da Verdade, serviram como uma espécie de teste de câmera para No Tempo das Diligências.
Esse filme se categoriza no tipo de faroeste que gosto de chamar de "faroestes de vingança", onde o personagem já começa em uma situação de condenação e busca reparação ao longo do filme. Vários faroestes tem essa proposta, com a diferença que aqui a solução do filme é muito mais criativa e realista do que muitos filmes.
De maneira interessante e incomum, o filme começa com a imagem de jornais sendo impressos, buscando passar a sensação de notícias que estão chegando. O gazeteiro anuncia a notícia da fuga de Brant.
Aos 2 minutos, vemos um dos motivos que faziam de Wayne um grande ator: ele sabia montar de verdade. E fazia isso com destreza, como vemos nas cenas que ele pula direto no cavalo, algo que ele fez em muitos filmes ao longo da carreira.
As cenas de perseguição de cavalo desse filme são muito boas, realmente com uma dinâmica radical de cena, com longos travelings acelerados.
No inicio da interação de Brant com Conlon, é interessante percebe que como está fugindo de um trauma, o personagem de Wayne apenas fica calado, sem dizer nada, fazendo Wayne chamá-lo de "Smith", que no Brasil ficaria como "Silva". Ou seja, que ele era "só mais um Silva", um homem médio comum. Isso dá também a Brant a possibilidade de mudar de nome para fugir da polícia, uma ajuda que Conlon oferece de maneira tácita, como uma carta de álibi para ele.
Rotineiramente, o filme pula para uma cena onde vemos que Wayne está cozinhando, tendo que trabalhar para manter seu disfarce. Porém, quando Conlon entra em uma briga no carteado, em uma cena de pôquer muito bem construída, Brant entra na confusão para defendê-lo por achar que ele está levando a pior, tomando uma cadeirada na cabeça por isso.
Para um filme de menor orçamento, é muito bem produzido. A ambientação é bem rústica, como na cena da taberna, típica vendinha de bairro antiga e nostálgica.
Nesse sequencia começa uma disputa entre os cowboys, onde a competição pela moça atendente da loja é o maior símbolo disso, mas também por outros elementos da trama.
Conlon quer roubar a loja mas Brant não. Por isso, ele avisa a atendente do plano sem contar a Conlon, porém ele mesmo acaba levando um tiro com a ação.
A sequência parece uma metáfora de "aprender a lição", revelando que podemos interpretar Conlon e Brant como "tropos" um do outro. Conlon tem a personalidade e comete os erros que Brant supostamente cometeu antes de ir para a prisão, revelando o valor e peso das escolhas.
Aqui a trama de vingança vai ganhando complexidade, já que apesar do projeto original de vingança Brant acabar, primeiro, defendendo-o de uma briga de bar e depois tomando um tiro por ele. Isso quer dizer que diferente do óbvio e da lógica "macho man" geral, já que ao invés de se vingar e se incriminar ainda mais, ele prefere trilhar o caminho da bondade e provar que é inocente e corajoso através das boas ações, do trabalho e da confiança na sua verdade.
O filme possui uma paisagem bem realista e bonita também, soando bem natural a ambientação. Foi filmado no Bronson Canyon, que está localizado na seção sudoeste do Griffith Park perto do extremo norte da Canyon Drive, que é uma extensão da Avenida Bronson. Em 1903, a Union Rock Company fundou uma pedreira, originalmente chamada Brush Canyon, para escavação de rocha esmagada usada na construção de ruas da cidade – realizadas fora da pedreira por trem elétrico na Linha Brush Canyon. A pedreira parou de operar no final da década de 1920, deixando as cavernas para trás. As cavernas ficaram conhecidas como as Cavernas Bronson após a avenida próxima e uma colina com esse nome, dando à área seu nome mais popular de Bronson Canyon. A mesma rua influenciou no nome artístico para o ator Charles Bronson.
A pedreira craggy permanece marcada pelo que parecem ser aberturas de cavernas criam um cenário ideal para filmar cenas destinadas a acontecer em um solitário deserto sudoeste. Cenas da entrada principal da caverna são normalmente filmadas de uma maneira que mostra a entrada em um ângulo porque a caverna, é na verdade um túnel muito curto através do morro, com a abertura traseira facilmente visível em um tiro direto. A aparência mais conhecida da entrada do túnel é provavelmente seu uso como entrada para a Batcaverna na série de televisão Batman de 1966-68, mas também em uma dezena de filmes.
O filme também possui tons cômicos muito engraçados, como quando Wayne se camufla na estrada com galhos esperando passar um diligência, ou quando mergulha no lago para fugir da polícia e respira através de um galho. Esses tons cômicos vem provem do fato que a ideia do filme começou com o curta O Assassino de Northwood, que estrelava Wayne e com uma pegada de esquete e humor refletia sobre um homem inocente, que era considerado bandido por um xerife excêntrico, mas que na viagem começa a gostar de Wayne e depois, perante a ameaça real, se juntam para lutar contra o inimigo.
O diretor desse curta e de Na Trilha da Verdade é o canadense Armand Schaefer, que fez mais de 100 filmes em sua carreira. Por isso a pegada meio tragicômica do filme, típico do senso de humor canadense. Sua produção não era de muito orçamento, mas seu filme é bem amarrado e dirigido, parecendo um grande filme salvo pelo diretor e ator, que era uma grande estrela em seus primórdios. A fotografia também é interessante.
Teve um trabalho de colorização do filme, sendo que a primeira ficou ruim e tiveram que fazer de novo.
Wayne carrega o filme nas costas com seu carisma. Seu jeito grandão, meio atrapalhado, mas com uma face muito expressiva, dá um toque de humor e frescor a sua interpretação, nos lembrando que ali está o ainda jovem Wayne, meio amador mas com muito talento.
Nesses faroeste, Wayne também acrescentou uma nova dimensão ao estereótipo do herói de tela com um chapéu de cowboy. Ele disse: “Todos os cowboys da tela se comportaram como verdadeiros cavalheiros. Não bebiam, não fumavam. Quando eles derrubavam o bandido, eles sempre ficavam com os punhos para cima, esperando o pesado voltar a ficar de pé. Decidi que ia arrastar o bandido de pé e continuar batendo nele. E se o pesado me atingisse com uma rosa, eu o acertaria de volta com uma cadeira. Aprendi isso quando criança assistindo aos westerns que Harry Carey fez com John Ford. Ele tinha realismo, ele era um homem de verdade, e eu decidi que era assim que meu caubói de tela seria.”
Yakima Canutt, que trabalhou regularmente nos filmes do Monogram disse: “Um cara chamado Paul Malvern (produtor de Na Trilha da Verdade) produziu todos os Westerns Lone Star. Um cara muito legal também. Ele disse que lia romances baratos desde criança, e muitos dos enredos desses filmes vinham dos romances que ele lia. Ele calculou que tinha cerca de uma centena dessas histórias em sua cabeça."
Por um lado, isso explica o lado meio amador da trama do filme, mas também demonstra a origem de seu lado pulp, parecendo algo muito original, livre e nostálgico, baseado em memórias de infância e quadrinhos.
Sem contar o final do filme, a moral desse faroeste parece refletir que não é preciso fazer muito para restituir a verdade, basta apenas ser fiel ao seu personagem e ser honesto que logo o poder da legitimidade faz a roda da fortuna girar e a verdade ser restituída.
A honestidade geralmente está relacionada a dizer a verdade, mas muitos filósofos concordam que dizer a verdade, toda a verdade, é, às vezes, praticamente impossível, além de moralmente desnecessário ou até errado. A relação entre honestidade e verdade é muito mais sutil. Ser honesto envolve a capacidade de selecionar, de uma maneira que é sensível ao contexto de nossas vidas. No mínimo, a honestidade exige uma compreensão de como nossas ações se encaixam ou não nas regras e expectativas da outra pessoa - qualquer pessoa com quem nos sentimos obrigados a relatar (inclusive a nós mesmos).
A honestidade também está relacionada à autenticidade. Existe a relação entre honestidade e o eu. Ser honesto conosco parece ser uma parte essencial do que é preciso para ser autêntico. Somente aqueles que podem se enfrentar, com toda a sua peculiaridade, parecem capazes de desenvolver uma persona que é verdadeira consigo mesma e, portanto, autêntica.
Um filme não muito elaborado ou grande, mas honesto e por isso bem marcante. É bem um filme divertido e com uma linguagem para cenas de ação bem interessante. Um subestimado fundo do magnífico cinema dos anos 30 e primórdios da carreira de um grande ator.
Assista o filme completo aqui:
Veja mais cenas marcantes do filme:
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