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Yojimbo, O Guarda-Costas (1961) - Akira Kurosawa



Em 1860, durante os anos finais do período Edo, um ronin vagueia por uma desolada zona rural japonesa. Ao parar em uma casa de fazenda para buscar água, ele ouve um casal de idosos lamentando que seu único filho, fugiu para se juntar ao grupo que invadiu uma cidade próxima e a dividiu entre dois chefes rivais. O estranho segue para a cidade onde conhece Gonji, o dono de um pequeno bar. Ele diz que os dois chefes guerreiros, Ushitora e Seibei, estão lutando pelo lucrativo comércio de jogos de azar. Depois de avaliar a situação e reconhecer que ninguém na cidade se preocupa em acabar com a violência, o estranho diz que pretende ficar, pois a cidade ficaria melhor com os dois lados mortos




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Crítica do filme


A principal elemento que considero importante de destacar, é a mudança do protagonista heroico e das narrativas coletivas e épicas, para um protagonista anti-herói, controverso e com atitudes ambíguas. Essa mudança são reflexos do próprio contexto histórico da época e suas alterações sócio-políticas. 


Diferente de Sete Samurais, onde havia uma narrativa coletiva, ou de Trono Manchado de Sangue, onde havia uma relação narrativa épica e de grandes proporções; Yojimbo mostra um samurai fraturado, individualista e que, por esses motivos, é muito mais preparado para adversidades e fazer o bem de maneira contraditória. 




O filme possui uma estrutura episódica, similar as séries e novelas, onde a peripécia vai nos levando para tramas e plots, até que esses plots lentamente se desenlace, formando assim consequências e deslocamentos para a narrativa. Assim, temos um anti-herói, calado e fechado. Ele sinaliza sempre para a vantagem pessoal, e isso nos faz questionar sua ética. Mas, no momento que mais gosto do filme, ao ver uma família pobre fraturada, onde a mulher foi sequestrada pelo bando local e o pai está desiludindo cuidando sozinho do filho, Yojimbo salva a mulher e ainda dá dinheiro para a família fugir. 




A cena onde ele simula a invasão do galpão por um grupo de samurais, fabricando uma cena do crime para enganar o próprio bando o qual está fazendo serviços, ao sair do local ele se choca com a família ainda lá, chocada com sua bondade e de certa forma esperando por suas ordens. Aqui é que paramos de relativizar Yojimbo: ele é definitivamente bom, só que faz as coisas de uma maneira tão natural e sem ego, que não percebemos até a família fazer esse ato. Aqui fica claro que Yojimbo tem a personalidade de um líder político, pois é maquiavélico. Ele sabe ser mau com maus e bom com os bons, fazendo o mau de uma vez e o bem aos poucos. Ao longo do tempo, vemos que Yojimbo e seu lado anti-heroico, de maneira shakesperiana, são mais heróis e bons de fato que os heróis mais românticos do cinema dos anos 50, que em suas posturas coletivas, acabam muitas das vezes por não conseguir salvar ninguém, como Spartacus. 




Aqui há uma obvia virada em sentido de léxico, termos estéticos e ideologia, de maneira que ultrapassa o cinema e chega até a política. Kurosawa era bem próximo ao Partido Comunista do Japão, não atoa fez Derzu Uzala em parceria com a União Soviética. Mas há obviamente uma necessidade de pensar em novos termos para além de seguir o modelo soviético apenas: existe uma lógica de cada país sobre o que significa fazer uma revolução social, apesar de passar por várias similaridades em materialidade e situação social, como a diferença de classes que existe em todo mundo. 


No Brasil, Glauber Rocha mudava sua perspectiva idealista e mais romântica de Barravento, para a ambiguidade do anti-herói Antônio das Mortes, que caminha sempre na língua da ambiguidade entre a esquerda e o popular, por isso parecendo "mau". Essa mudança representou uma virada social nos debates, onde a questão da pobreza, da fome, da falta de terras e tudo mais; onde as teses comunistas e de esquerda tiveram que se adaptar a essa realidade específica de casa país, em detrimento de apenas seguir as teses de maneira dogmática. 


Por isso, a cena de Yojimbo sentado no poste, olhando a disputa entre os dois bandos e rindo é tão divertida: entre capitalistas e comunistas, Kurosawa dos anos 60 se via no meio, acreditando que a "polarização" dos ambos tinha um certo tipo de piada sem graça e trágica. 



Para o crítico Donald Richie , o tema principal em Yojimbo é a desordem civil e o problema social é o colapso de uma sociedade tradicional. Isso aconteceu como consequência da ascensão do capitalismo de estilo ocidental no Japão. Mesmo assim, o filme se passa na década de 1860, ele também oferece uma visão dos problemas enfrentados pelo Japão durante o período do pós-guerra.


A trilha sonora é de Masaru Satô e é fantástica. Vale conferir pois tem completa no YouTube:



A atuação em Yojimbo é fantástica. Um dos filmes de Kurosawa com melhor ritmo e sintonia entre a atuação e o enredo. A fotografia do filme, apesar de em preto e branco, é bem iluminada e com bastante brilho, construindo esteticamente junto com a montagem formal dos quadros do filme como se fosse um gibi pulp ou até mesmo um mangá. Alias, é óbvio que a personalidade de Yojimbo e atuação exemplar de Mifune, construíram um arquétipo do "cara calado e sério", apropriado obviamente pela atuação de Eastwood em Por Um Punhado de Dólares (1964), mas também por muitos mangás, animes e até games. A cena de Yojimbo escondido na caixa parece a influência para o elemento da caixa do jogo Metal Gear. 



Entretanto, junto com a direção, impressiona o roteiro de Yojimbo. Aqui Kurosawa chegou ao auge de sua decupagem, onde há pouca brecha entre o sentido do roteiro, as cenas escolhidas para representá-las e como essa dinâmica age entre os atores e situações em cena, e pouca coisa é clichê. Nada é previsível, nenhum arquétipo é reforçado e exagerado. 


Yojimbo nos dá uma aula de direção em sentido do que é necessário se mostrar, o que entra no quadro e o que fica no extra-campo, para contar uma história. De maneira minimalista, simples e realística, Kurosawa nos leva de volta a História: o fim da Era Edo, o declínio do "xogunato" e a modernização conservadora da Restauração Meiji, com seus valores anti-naturais e anti-comunitários; decretando o fim da era dos samurais. 



Yojimbo representa o começo do fim dos samurais, onde toda a sua filosofia e estilo de vida está se convertendo e se misturando com a lógica popular, já que os samurais estão ficando pobres e vão para as fileiras das classes populares e dos trabalhadores comuns. Mas ao realizar essa "transubstanciação", levam para o povo os valores e filosofia da cultura samurai, ensinando uma forma de sobrevivência e um certo tipo de "força" e "honra" na pobreza, pois pelo menos você não é obrigado a causar o mal a ninguém. Tudo isso em uma estória leve e divertida que nos lança ao passado perdido em declínio, mas sem perder o bom humor e o entretenimento necessário para um bom filme. 


História por trás do filme 


O Período Edo ou Dinastia Tokugawa eram um clã aristocrático japonês, procedente da dinastia dos Minamoto, constituía-se da terceira e última das dinastias de Xoguns (1603 - 1867), sendo a mais importante, em termos históricos, e é o período o qual se passa o filme Yojimbo. Foi fundada por Tokugawa Ieyasu (1542 - 1616) que se proclamou xogum hereditário, em 1603, depois de ter vencido os seguidores de Toyotomi Hiedeyoshi, assegurando assim a unidade administrativa do Japão.


Os Tokugawa instalaram a sua capital em Edo (Tóquio) e os daimyo (ou senhores territoriais) foram, então, integrados numa organização que impossibilita qualquer tentativa de rebelião e em que tudo se subordinava a ordem do xogunato. Por outro lado, o Japão, com os Tokugawa, isolou-se em relação ao exterior, expulsando os portugueses e os espanhóis e perseguindo os católicos, para além de proibir qualquer japonês de abandonar o país. Durante o século XIX, esta política de isolamento dificultou o progresso japonês, apesar de durante os dois séculos anteriores, graças ao clima de paz, se ter favorecido o florescimento cultural do país. Os Tokugawa, porém, no século passado, tiveram que enfrentar levantamentos populares e sofrer a pressão ocidental para abrir os seus portos.


O isolamento japonês foi suspenso durante a década de 1850, quando os Estados Unidos passaram a exercer pressão diplomática sobre o Japão para que revogassem a política de isolamento. Como o xogum sabia que não tinha capacidade de enfrentar as potências ocidentais, acabou realizando a abertura econômica da nação. A postura do xogum desagradou às elites nacionais do Japão, que consideravam os estrangeiros bárbaros. Os feudos mais ricos do Japão (Satsuma e Choshu) passaram a defender a derrubada do xogum, a restauração da monarquia e a expulsão dos estrangeiros. Possuíam como slogan “sonno joi”, que significa: honrar o imperador, expulsar os bárbaros.




A Restauração Meiji foi o processo de restauração monárquica que aconteceu no Japão, em 1868. O poder que estava nas mãos dos xoguns (chefes militares), e foi passado para a família Imperial. A partir disso, foi iniciado um grande processo de modernização e crescimento da economia japonesa após anos de isolamento econômico. 


O poder imperial só foi de fato restaurado após a Guerra Boshin, que marcou a derrota das tropas que defendiam o xogunato antigo. O último Tokugawa, Yoshinobu, cede, em 1867, os seus poderes ao imperador Mutsuhito.



Com a restauração, o poder no Japão passou para as mãos de Mutsuhito, conhecido como Imperador Meiji. A administração da nação ficou a cargo de burocratas, que foram os grandes responsáveis pelas grandes transformações que aconteceram no Japão.


Os burocratas pretendiam romper com a antiga ordem existente no período do xogunato e promover a integração das elites e da população em geral com o novo projeto, o que resultaria no desenvolvimento do país. Assim, muitas transformações ocorreram também na sociedade japonesa.


O governo extinguiu o privilégio dos senhores de terras (daimio) sobre os feudos (han), e os camponeses, que antes pagavam seus impostos aos senhores de terra, passaram a fazê-lo ao governo. Além disso, a classe dos samurais teve as pensões governamentais retiradas em definitivo e substituídas por indenizações com prazo de validade determinado por até quinze anos. A antropóloga americana Ruth Benedict dá detalhes sobre essas mudanças:



"Mal um ano no poder, [o regime] aboliu o direito de tributação do daimio [senhor de terras] em todos os feudos. Recolheu os cadastros e apropriou a taxa de “40%” para o daimio dos camponeses. […] Por volta de 1876, as pensões dos daimios e dos samurais foram convertidas em indenizações a vencerem-se em cinco a quinze anos. Eram elas pequenas ou grandes, de acordo com o salário fixo de tais indivíduos no tempo dos Tokugawa."


Essas mudanças iniciais geraram insatisfações tanto em parte da elite quanto nos camponeses. Uma rebelião foi organizada por Saigo Takamori, samurai insatisfeito com o novo governo. Além disso, “entre 1868 e 1878, a primeira década Meiji, verificaram-se, pelo menos, 190 revoltas [de camponeses]”. Entretanto, o novo governo prevaleceu e conseguiu sufocar todas as rebeliões.


Como forma de promover maior integração nacional ao projeto imposto a partir de Meiji, o novo governo unificou o idioma japonês, extinguindo, assim, as diferenças de dialeto que existiam. Além disso, realizou a reforma educacional do Japão, tornando o ensino obrigatório. O objetivo do ensino era implantar a “disciplina, obediência, pontualidade e um religioso respeito (adoração) pelo imperador."


O culto ao imperador ficou conhecido como Xintoísmo de Estado. O imperador era visto como encarnação da deusa do Sol, Amaterasu. O Xintoísmo de Estado implantou também um sentimento de superioridade no japonês, o que contribuiu para o desenvolvimento de um forte movimento nacionalista no país e que viria a ser uma questão central na Segunda Guerra com o negacionismo japonês.



Na economia, o Japão promoveu forte abertura para o mercado internacional, incentivando o desenvolvimento do empreendedorismo e promovendo o desenvolvimento de uma indústria de base, que foi responsável pelo desenvolvimento da infraestrutura no país. Para que isso fosse possível, o Japão inspirou-se em modelos de sucesso das potências ocidentais e mandou muitos japoneses para fora do país para aprender no exterior.


Kurosawa afirmou que uma das principais fontes do enredo foi o clássico do filme noir de 1942, The Glass Key, uma adaptação do romance de Dashiell Hammett de 1931, The Glass Key. Foi notado que o enredo geral de Yojimbo é mais próximo ao de outro romance de Hammett, Red Harvest (1929). 




O estudioso de Kurosawa, David Desser e o crítico de cinema Manny Farber afirmam que Red Harvest foi a inspiração para o filme; no entanto, Donald Richie e outros estudiosos acreditam que as semelhanças são coincidentes. 


Quando questionado sobre seu nome, o samurai se autodenomina "Kuwabatake Sanjuro", que parece inventar enquanto olha para um campo de amoreiras perto da cidade. Assim, o personagem pode ser visto como um exemplo precoce do "Man with No Name " (outros exemplos dos quais aparecem em uma série de romances anteriores, incluindo Dashiell Hammett 's Red Harvest).






 


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