Barravento (1962): Debate entre identidade e consciência coletiva marcam primeiro longa de Glauber Rocha
Em uma vila de pescadores em Xeréu, no litoral da Bahia, filmagens ocorreram na praia do Buraquinha em Itapuã. Contando com o elenco com Antônio Pitanga como Firmino, Luíza Maranhão como a sedutora Cota, Lucy de Carvalho como Naína, e Aldo Teixeira como Aruã. Filme ganhou o Opera Prima para iniciantes, e também o Festival de Karlovy Vary, na República Tcheca. Com direção de fotografia de Tony Rabatony, diálogos de Luis Paulinho dos Santos, e direção de Glauber Rocha, sendo seu primeiro longa. Firmino inveja Aruã, que é o protegido da deusa mãe dos mares Iemanjá, por isso que Firmino não gosta dele. Firmino fere Aruã para prover que ele não tinha "corpo fechado" como pensado por todos, talvez para perder a mística total que para Firmino, o malandro de primeira vista, era exploração. Em 1962, ano de lançamento do filme, o Brasil acabava de viver uma tentativa de golpe militar (em 1961), ensaiando não permitir que João Goulart assumisse a presidência, depois da renúncia de Jânio Quadros. O Brasil vivia uma disputa entre grupos políticos que parecia não ter fim. Barravento é um manifesto sobre tolerância religiosa, manifestando uma ideologia protestante, como também pró candomblé
Primeiro longa de Glauber rocha, um filme belíssimo, e que suscita debates profundos sobre temas nacionais, como o atraso do Brasil, suas matizes religiosas e o problema do credo e da cultura frente aos ideias de revolução e política, em sua veia culturalista e etnográfica lembra os filmes de Jean Rouch, mas sem o mesmo estranhamento ocidental típico desses tipos de filme. Aqui o que normalmente seria tratado com olhar do estranhamento é tratado como costume primordial para toda a existência da vida. As pessoas se movem junto com o ciclo dos dias e suas intempéries e vivem vidas que podem ter o poder enunciativo de séculos de existência e opressão.
No caso brasileiro, a força da estética era a forma com que os jovens cineastas buscavam fazer de sua arte um manifesto de novos tempos e costumes. No filme, os pescadores trabalham com uma rede alugada pelos comerciantes que consome quase todo o valor ganho pelos pescadores na aldeia. Debatendo o conflito existencial entre religião e mazelas sociais, o filme debate o valor da religião enquanto representação através de uma estética revolucionária que não estranha o candomblé como elemento de fora da cultura nacional.
Esse movimento do Cinema Novo teve a força motriz da estética da fome, como vista no manifesto escrito por Glauber Rocha em 1965, essa estética da fome era uma espécie de forma de transmissão das características mais latentes para o cinema nacional em um país de terceiro mundo. A ideia de que o Brasil era um "país do futuro" estava em alta, e acabou virando uma contradição frente a realidade nacional pós golpe militar em 1964.
Por isso que o protestante seria o responsável, o "ética", o modelo completamente distante da realidade de colonização católica e híbrida brasileira. Por isso que a ética do malandro poderia no Brasil ser a ética do próprio protestante, por este recusar a ascese religiosa católica, que é coletivista. É uma união de arquétipos aparentemente antagônicos que se completam na visão de necessidade de revolucionar costumes arcaicos.
Quando volta para a comunidade de pescadores, Vemos Firmino voltando em meio ao farol, ele está cheio de ideias, achando que todos são explorados pelos comerciantes e também sobre as condições precárias da vida na aldeia.
Grande parte do lucro do trabalho dos pescadores fica com os donos da rede de pesca, aqui vemos um clássico conceito marxista, onde o explorado não é dono de seus meios de produção. Os pescadores aceitam essa condição de sobrevivência de submissão a um mestre que intermedia o contato com os donos da rede. O mestre tem sua liderança legitimada pelo sistema religioso da comunidade.
Depois disso, Firmino que inveja Aruã, o protegido da deusa mãe dos mares, por isso que Firmino não gosta dele. Firmino fere Aruã para prover que ele não tinha "corpo fechado" como pensado por todos, talvez para perder a mística total que para Firmino, o malandro de primeira vista, era na verdade um revolucionário popular.
Dentro da mitologia africana, o homem protegido, Aruã tem que permanecer virgem para manter a proteção da aldeia e um dia assumir como mestre da aldeia no futuro, o que gera ira de Firmino que voltou da cidade querendo derrubar as amarras da tradição.
Firmino e Cota se deitam na praia, onde ele revela o motivo de ódio em relação a Aruã, prometendo fazer um despacho contra Aruã. Naína, que tem sua permanência e aceitação na comunidade balançadas entre ela ser de dentro e de fora.
Ela nutre uma paixão do Aruã, o protegido de Iemanjá e por isso que não pode consumar seu sentimento. A cena de Firmino e Cota é seguida por Naína no terreiro onde faziam um ritual para Iemanjá.
O mestre discuta com o representante do dono da rede, sobre a queda dos rendimentos no trabalho, na calada da noite, Aruã não discorda do mestre.
Firmino vai até a praia e rasga a rede de vez. Depois ele conversa com Cota sobre como desde a vinda dos negros da África já havia esse tipo de exploração. Depois disso, Firmino ainda chama todos de covardes, incitando motim, os representantes dos donos da rede vem recolher a rede danificada.
A comunidade sobrevive sem as redes, logo os pescadores não vão mais para o mar e voltam ao naturalismo ao voltar a pescar sem rede, mesmo gostando de Firmino e seus discursos, Aruã não deixa de ser defensor da continuidade do sistema da aldeia. Voltando para a aldeia ele é saldado como herói depois de ter se lançado no mar sozinho.
Na praia ao Cota se aproveitar para se banhar nua no mar, seduz Aruã que não resiste a caba perdendo a proteção. Enquanto Naína faz ritual por ser filha de Iemanjá, o sangue corre na cabeça de uma das crianças e a cena é entrecortada pela cena de sexo entre Cota e Aruã.
Da manhã seguinte Aruã acorda sozinho na praia. Depois que Cota e Aruã se deitam juntos, a tempestade ocorre como um ciclo natural. O pai de Naína, seu Vicente está no mar, com Aruã e Chico tentando salvar ele. Cota vai até o mar e acaba morrendo afogada.
Aruã volta e conta para todos que Chico e seu Vicente estão mortos. Aruã não acredita mais na mitologia onde era é o protegido infalível e agora se acha um homem comum como todos.
Dessa vez Aruã ataca Firmino, no duelo, Firmino derrote ele, mas pede por fim que todos sigam a Aruã mesmo assim. No fim do filme a mensagem é clara, o barravento se consuma.
Começa a tempestade e deixa todos temerosos. Através desse processo de transformação, Firmino indica Aruã como novo líder, pedindo para abandonarem a influência do mestre com a ajuda do novo líder. Uma clara metáfora política da época história.
Depois disso, Firmino vai embora e Aruã assume o discurso inflamado de Firmino contra o mestre. Naína tem seu cabelo cortado para se dedicar a Iemanjá de quem descobriu ser filha e as mães de santo comentam que é sua dedicação que pode salvar Aruã. Os dois se encontram na praia e Aruã diz que vai passar um tempo trabalhando na cidade, dizendo que Firmino tinha razão que as coisas tinham que mudar.
Dizendo que voltará depois que ela completar seu ano fazendo a cabeça. Ao fim, Aruã termina aparecendo no mesmo farol que Firmino tinha aparecido no início do filme. Parecendo que o "malandro" Firmino e também revolucionário por fim entendeu que o reformismo de Aruã era necessário para etapa de costume e vivência que poderia ser entendido na época por aquelas pessoas.
Vemos que ao Aruã não vivenciar a mitologia dos mestres antigos, ele vai para a cidade e lá ele poderá ser "malandro" ou "protestante", não importa, o que importa é sua jornada para além do destino antigo quebra um ciclo, como uma metáfora da tomada de consciência.
Ao se tornar homem falho e comum, Aruã abandona o antigo ciclo mitológico, por isso que o filme vê a cidade como uma forma de "salvação", pois não importa o que você vai se tornar nela, apenas que a vivência por lá faria as pessoas "tomarem consciência", como metáfora dos processos de modernização que aconteciam nas cidades, mas estavam distantes de vilarejos e do interior. Barravento é um manifesto protestante e pró candomblé também.
Na história, o personagem de Firmino representa o politicamente incorreto presente em um líder revolucionário, por exemplo. Enquanto em um primeiro momento associamos suas opiniões vindas da cidade, onde desde o governo de Getúlio Vargas havia a estrutura do ministério do trabalho, e a Justiça do Trabalho que regulava as relações empregatícias através da unificação da CLT criada pelo Decreto-Lei número 5452, em 1943.
A percepção do trabalhador na cidade era de uma vida mais moderna do que no interior ou em uma vila de pescadores onde muitos hábitos rurais por falta de estrutura e renda são naturalizados como cultura através de um sistema simbólico. Pelo menos é assim que uma opinião crítica, como a de Glauber Rocha se inseriu no seio do principal debate do filme.
Enquanto os pescadores trabalham, Firmino chega arrumado com vestes da cidade e é visto caminhando na praia, demonstrando como ele é diferente do coletivo, dentro do arquétipo conhecido como "malandro" por todos. Glauber Rocha foi criado como protestante presbiteriano. Por isso que é intencional que o personagem de Firmino seja do revolucionário típico brasileiro, exatamente por ele parecer "malandro" e politicamente incorreto.
Muitos autores já discorreram sobre o "atraso brasileiro", no caso de Jesse de Souza que possui estudos antigos sobre o fenômeno, o livro editado a partir do Seminário Internacional Max Weber, realizado na Universidade de Brasília em 1997. Ele fala sobre o debate entre iberismo (influência ibérica) com a influência europeia e católica, com a influência do americanismo protestante com sua ascese individualizada do que a católica europeia.
O debate é sobre qual seria o perfil de influência mais correto para o popular médio brasileiro. Para Glauber Rocha e Jesse de Souza por isso o Malandro e o Protestante são tipos ideias, o protestante está distante da cultura brasileira real, mas perto do ideal normativo perpetrado como tipo ideal distante da realidade. Já o malandro é próximo ao homem médio brasileiro e é perpetrado como o tipo ideal modelo de tudo aquilo que a sociedade condena, mas este tipo ideal está próximo ao modelo de realidade do povo. Colocando a figura do Malandro e e do Protestante como jogos de arquétipos sociais de representação e depreciação do que seria esperado por parte dos homens do povo. Pensando na tipologia weberiana, a ética protestante é baseada na ascese e no desempenho individual.
O problema debatido no filme é sobre até que ponto a cultura e a religião podem ser alienantes em termos de consciência política, mas altamente potencial em termos de identidade e cultura se pensarmos em termos de ancestralidade. Mas em algum nível, há um debate sobre cultura e política muito presente na época.
Nessa época, Glauber Rocha já havia feito Pátio (1959), um curta experimental que brincava com a formas de percepção espacial. Ambos eram fãs das teorias de cinema de Eisenstein e Kulechov (teoria do cinema). Os filmes considerados do Ciclo de Cinema Baiano produziu filmes que buscavam entrar na realidade narrativa popular, como Cruz na Praça (1959), Um dia na Rampa (1959) do Luís Paulino dos Santos, e a A Grande Feira (1961) e Tocaia no Asfalto, ambos de Roberto Pires.
A história é sobre pescadores, em uma aldeia formada por descendestes de antigos escravizados, eles habitam uma praia, dentro de uma comunidade. Firmino, nosso heroi, fica o tempo todo tentando incluir ideias de liberdade, mas a comunidade não o escuta, continuando religiosa e explorada pelos comerciantes. Apenas uma viúva ainda lhe dá ouvidos. Na nossa vila em Xaréu, o jovem Aruã é escolhido por Iemanjá, a deusa do mar no Candomblé. Como era Aruã o escolhido da entidade para ganhar proteção, o encanto apenas duraria se resistisse as atrações carnais.
O rapaz deveria se guardar e não dormir com nenhuma mulher. Mas isso não acontece e ele se sente atraído por Naína (Lucy de Carvalho), uma moça branca que vive com seu pai Vicente e que Aruã se sente atraído. Firmano quer provar que Aruã, o escolhido, não é santo e por fim, há uma luta de capoeira entre Firmino e Aruã. Segundo Ismail Xavier em seu livro "Cinema Brasileiro Moderno", o cinema de autor, o Cinema Novo foi utilizado como arma anticolonialista. O autor também escreve sobre Glauber Rocha como alguém que suscita um debate clássico marxista sobre alienação e religião e a contradição disso frente ao debate sobre a importância da identidade cultural.
O momento do Barravento, que ficou com o título em inglês de Turning Wind, por representar como diria o Glauber, "o momento de violência quando as coisas da terra e mar se transformam, quando no amor , na vida , no meio social ocorrem mudanças súbitas" ou seja, o encontro súbito das fases do meio natural, com o ciclo da lua e do mar e suas intempéries junto com a rotina de vida e de trabalho de um antiga e tradicional aldeia. Ao comentar sobre a razão do filme no Revisão crítica do cinema brasileiro, disse que desejou fazer um filme sobre "a miséria dos pescadores negros e sua passividade mística".
A praia por exemplo, participaria do drama como personagem e microcosmo do social , quando Firmino quer se revoltar junto com a aldeia. Os filmes no Brasil eram dominados pela "teoria das elites", como forma de crítica aos valores da classe média. Glauber Rocha que escreveu de maneira técnica sobre cinema, em seu livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, que ele chama o movimento do tipo de cinema novo dele de "filme negro". Utilizando de uma discrepância entre o planejado na parte do roteiro, visto no fato de existirem cenas que não estavam escritas originalmente.
Contexto e História da produção do filme
Segundo Nelson Motta em seu livro "A Primavera do Dragão", Barravento foi feito com um dinheiro vindo de uma venda de um apartamento de Rex. Luiza Maranhão, uma das atrizes do filme, foi considerada musa e saiu na Revista O Cruzeiro, servindo como publicidade para o filme.
Fotografia de Evandro Teixeira, em 1966, no centro do Rio |
Barravento de Glauber Rocha começou a ser filmado em 1959, com ideia e roteiro de Luís Paulino dos Santos, e produção de Glauber e da Iglu Filme. O filme foi motivo de conflito entre os dois pela autoria do filme. O cinema moderno brasileiro, ou seja, o cinema novo era um tipo de cinema de autor, muito comum nos filmes dos anos 1960.
O filme teve diversas histórias, uma delas era do fotógrafo Rabatony, que teria trabalhado em Hollywood e que brigava por conta da precariedade de condições com Glauber Rocha, sendo demitido por ele depois, o longa teve várias disputas, Glauber já começou a dirigir o longa em meio a disputas nos bastidores que trocaram a atriz Sonia Pereira pela atriz Lucy de Carvalho.
O que diferencia Barravento é que dentro de um cinema em condições de subdesenvolvimento, um longa com a maioria dos personagens negros eram incomum na época, principalmente em países conservadores e colonialistas, como o próprio Brasil. Diferente da maioria dos filmes, que ora romantizam, ora colocam a pobreza como local de tristeza, em Barravento os personagens são centrais para a comunidade, não existe agente externo, apenas a cultura regional, que em certo aspecto também é em grande medida alienante, o que contém a principal contradição ideológica do filme.
A beleza da contracultura estimulada por uma visão estética honesta e não preconceituosa sobre a estética religiosa afro-brasileira, com a demonstração de diversos rituais e mitologias relacionadas ao cotidiano da aldeia e do candomblé enquanto religião popular.
Mas ao mesmo tempo, há uma reflexão materialista que a religião pacifica o conflito. Segundo o crítico de cinema Robert Stam em seu livro que aborda história do cinema brasileiro, Barravento e Glauber Rocha eram expressões de um momento de esperança desenvolvimentista.
Para Franz Fanon, os lugares exóticos do chamado "terceiro mundo" subdesenvolvimento, como Havana, México, Acapulco, ou mesmo Copacabana, as praias do Rio encontram o desejo da burguesia ocidental em nome do turismo. Eles se transformam nos maiores apreciadores do estigma de depravação das classes médias nacionais. De acordo com o próprio Glauber Rocha, as produções cinematográficas brasileiras tendiam ao estilo similar de Hollywood, com as temáticas distantes do povo real e focadas em formas de exotismo.
O cinema brasileiro teve suas raízes na década de 1930, depois dos "fundadores" do cinema nacional, como Humberto Mauro com "Descobrimento do Brasil (1936)", ou a tradição de gênero de chanchada de Adhemar Gonzaga, como visto em seu filme Alô Alô Carnaval (1936), como o impacto visual de Limite (1931) Mário Peixoto. Depois disso surgiu a Vera Cruz, uma empresa que buscava fazer um cinema imitando o cinema estrangeiro, sem raízes no nacional, quando o fazia, era através de fórmulas que miraram os vizinhos do cinema americano.
O cinema novo veio na esteira do desenvolvimentismo dos anos de 1940 1950, significava produzir um cinema mais ligada com a ideia do autor do que com a indústria em si. Inspirados tanto na Novelle Vague, quanto no neorealismo italiano, os cineastas buscavam na França a inspiração pela logística de produção mais livre, e no neorealismo italiano pela perspectiva do realismo das temáticas.
A questão aqui era debater o nível de influência estrangeiro na formulação não apenas da estética e do cinema e das artes, mas também discutir a dimensão colonizadora dos padrões de civilização na formulação do ideal normativo ocidental. Enquanto a América Latina lamenta a miséria não como um sintoma trágico, mas como simplesmente como elemento de campo de interessante.
A América Latina não comunicaria sua real miséria para o homem civilizado, nem o homem civilizado entenderia completamente a miséria da América Latina. O movimento do cinema moderno brasileiro, o chamado cinema novo durou dos anos 1950 até o fim dos anos de 1960. Dos debates iniciais sobre valores culturais, coletivos e movimentos, a ditadura militar traz uma nova realidade de golpes nas instituições democráticas e de populismo crescente em todos os sentidos.
Em 1962, ano de lançamento do filme, o Brasil acabava de viver uma tentativa de golpe militar (em 1961), ensaiando não permitir que João Goulart assumisse a presidência, depois da renúncia de Jânio Quadros. O Brasil vivia uma disputa entre grupos políticos que parecia não ter fim.
No fim de Barravento, Aruã segue os conselhos de Firmino e resolve partir para a cidade, mas antes, Firmino que o havia derrotado em uma luta de capoeira, falou para todos seguirem Aruã. Aruã não queria antes romper com a tradição, queria ser reformista e manter a estrutura da aldeia, por isso Firmino que é mais revolucionário que Aruã fala para todos o seguirem.
Isso acontece pois no Brasil daquele momento, Brizola, um grande revolucionário, como o personagem inflamado de Firmino garantiu através da Rede da Legalidade uma continuidade possível para a esquerda no poder, que João Goulart não pôde manter, pois João Goulart também era um reformista como o personagem de Aruã. Quando João Goulart assinou a lei que permitia o parlamentarismo, ele assinou também uma certa participação em um mecanismo que permitiu os militares darem o golpe dois anos depois disso.
Essa ideia da falha estrutural, que compreende não apenas a direita, mas também a esquerda e os intelectuais está presente no importante cinema de Glauber Rocha. Robert Stam em Brazilian Cinema, comenta que em Terra em Transe (1967), a derrota da guerrilha versus a realidade do povo colocava em choque os antigo ideias revolucionários frente ao fechamento autoritário do regime militar. Esse tipo de "populismo de esquerda", ou como comentado por Robert Schwarz como "a deformação populista do marxismo", é altamente abordado em filmes desse tipo, ou como São Paulo S.A (1965) de Luis Sergio Person. No cinema novo alegorias eram uma forma de crítica ao "carnaval da política" no Brasil nas palavras de Glauber.
Para Jean Claude Bernadet, em Barravento, a salvação política vem através das cidades e não da comunidade em si, por exemplo. A missão era esconder os problemas através do véu da tecnologia e das técnicas. Para ele a fome na América Latina era mal compreendida do resto do mundo. No filme há uma relação dialética entre religião e economia tratada por Glauber com a metáfora da religião do Candomblé. Se pensarmos a mitologia religiosa como ópio do povo, isso demonstra que há uma contradição entre religião e revolução, relembrando que a ideia marxista, ou marxista leninista seria uma ideia ateísta.
O filme foi separado por contradições entre duas vertentes, a de Luis Paulino Dos Santos, coo escritor e diretor anterior do filme. Enquanto Luis Paulino Dos Santos buscava fazer um filme mais identitário, Glauber Rocha busca uma perspectiva política militante ao filme. Em seu filme Estafeta, ele reclamou que o filme faltou ao encanto que ele buscava inicialmente, e que o encantamento era exatamente a parte mitológica.
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