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Doutor Gama (2021): Diferenças e aproximações da biografia do primeiro advogado negro brasileiro




Filme de 2021 do diretor Jefferson De, e com roteiro de Luiz Antônio, e produzido pela Paranoid Filmes, Globo Filmes em associação com Buda Filmes e distribuição da Elo Company sendo um filme de streaming. Acompanhamos o trabalho e a vida de Luís Gama, um importante advogado e jornalista nascido na Bahia, o filme que mostra  que nasceu livre mas que foi vendido por dívidas pelo próprio pai aos 10 anos de idade, conseguindo se libertar aos 17 ao comprovar que tinha nascido livre.  Interpretado pelos atores César Mello,  por Ângelo Fernandes e Pedro Guilherme.  O antigo líder abolicionista fez carreira apontando as incongruências e diferenças entre as leis abolicionistas promulgadas no senado imperial brasileiro que seriam como leis "para inglês ver", como a Lei Feijó, de 1831, e depois a Lei Eusébio de Queiroz, e a Lei do Ventre Livre e que não tinham validade jurídica para a realidade. O elenco conta ainda com Romeu Evaristo, Isabél Zuaa, Johnny Massaro, Higor Campagnaro, Erom Cordeiro, Teka Romualdo, Alan Rocha,  Sidney Santiago, Dani Ornellas e Zezé Mota


Filme baseado na história de Luiz Gama, um abolicionista, advogado, e escritor. Autodidata, estudou e acabou usando esse conhecimento investigativo para cobrar celeridade da justiça e das instituições. Também era um grande orador e foi muito respeitado no meio republicano e abolicionista da época. Também é interessante notar a mensagem e influencia em prol do movimento Vidas Negras Importam (Black Lives Matter) no estilo que o filme escolheu. 


O nome do filme ser especificamente "Doutor" Gama é interessante, pois ele era autodidata e foi recusado na época em estudar no curso de direito da USP da época por ser negro, posição revertida com a concessão recente de um título honoris causa dado pela mesma USP. Em outras palavras, apesar de gênio, ele não era doutor na época que o filme retrata, mas agora é, entendem?! E o filme representa parte da iniciativa de "reparação histórica". 


Minha Leitura do filme e contexto histórico em comparação


O filme é bonito e diferente, mas tenho algumas críticas. A insinuação de que Luís Gama foi mal visto por andar entre negros e brancos e ser figura de autoridade mesmo na época onde o comportamento que vigorava era o comportamento escravocrata. Mas uma crítica que pode ser feita sobre o estigma em relação ao homem intelectual, no sentido de que ele seria visto como parte da elite por isso. Diferente do que visto no filme nessa parte, na vida real ele foi muito pobre e considerado radical. Lembrando que no surgimento do Partido Republicano Paulista, era uma força motriz contra a monarquia da época, mas estava dividido em si em duas facções distintas. 




Nos Estados Unidos havia nomes como o de Frederick Douglass, também filiado ao Partido Republicano, no Brasil esse nome era Luís Gama. Quando o filme coloca o próprio Luís Gama como um privilegiado perde o carácter de heroísmo que não haveria de outra maneira, pois sua vida nunca tinha sido adaptada antes. O relato de como as pessoas o viam era como não apenas um "rábula"(advogado autodidata) mas também enquanto figura de um líder político local. 


Luís Gama foi um importante nome e personagem que foi praticamente esquecido pela história brasileira, sendo um dos primeiros advogados negros a ganhar notoriedade, o filme explora o que seriam suas contradições, como ter que conviver com pessoas racistas e dialogar com elas de maneira social democrática. 


Existindo em poucas documentações físicas, mais viva em estórias contadas pela tradição oral, lembradas do filho, leva a nós entendermos o papel de Luisa Mahin dentro do Levante dos Malês em 1835, alguns sugerindo que sua casa foi o principal ponto de encontro, sendo um movimento que inspirado em raízes islâmicas buscava assassinar os seus donos para fugir e voltar para a África. Luís Gama foi um dos principais abolicionistas de sua época. Junto também com José do Patrocínio. 


Luisa Mahin era da nação nagô-jeje, na Costa Mina. O único registro autobiográfico seria uma carta ao jornalista Lúcio de Mendonça em 25 de Julho de 1880. No caso, ele queria que o amigo contasse sua vida para o  Almanaque Literário de 1881 que estava preparando. No dia de seu enterro em 1882 havia uma multidão de pessoas negras, brancas que acompanharam o cortejo, isso descrito pelo importante escritor Raul Pompeia. 


Apesar do fato do Brasil ter sido um dos últimos países do mundo a  abolir a escravidão, havia um personagem como Luís Gama, ou homens como os irmãos Rebouças, demonstrando essa contradição entre realidade e potencialidade da inserção do homem negro na sociedade de classes. 


No Brasil, em 1988, racismo foi considerado pela primeira vez tipificado em 1951 com a Lei Afonso Arinos, mas pela primeira vez considerado crime através da constituição de 1988, já a aplicação de penas pelo código penal vem de 1989.  


Em livro de Mouzar Benedito, O libertador de escravos e sua mãe libertária, Luíza Mahin mostra que Luís Gama era um ativo membro do Partido Republicano Paulista (PRP) que foi criado em 1870 por brasileiros que estavam descontentes com o rumo da Guerra do Paraguai. Luís Gama como morreu em 1882 não pegou a contradição da "libertação" feita pela Princesa Isabel. Então ele era um republicano e abolicionista. 


Bastidores e curiosidades produção do filme




A professora de letras da USP, Lígia Fonseca Ferreira fez a consultoria histórica do filme e resolveram focar em eventos mais aleatórios da vida de Gama. A ambientação do filme foi feita recriando a São Paulo do século XIX, através da ajuda da alocação da linda cidade de Paraty no Rio de Janeiro, e de seu centro histórico bem preservado (uma ilha no meio da Baia de Guanabara). 


Luís Gama foi interpretado por três atores em três fases de sua vida, na fase adulta por César Mello, e quando mais jovem por Ângelo Fernandes e Pedro Guilherme. Já as atrizes Mariana Nunes e Samira Carvalho interpretam Claudina Fortunato, a esposa de Luís Gama em duas fases diferentes. 




Dentro do Partido Republicano da época havia briga em torno de linhas abolicionistas e linhas que buscava, preservar o financiamento e estrutura do partido, que eram derivados em sua maior parte de recursos vindos da elite rural escravocrata de São Paulo. Essa seria a contradição apontada pela visão do filme.


Sua pesquisa e ilustração dos registros contradições jurídicas, reunindo documentos e provas que pudessem ilustrar a falta da cumprimento das leis abolicionistas, esse comprometimento em uma época de terra arrasada em termos de oportunidades reais era realmente admirável, e pelo apelo dos direitos humanos e morais que dentro do escopo, as leis abolicionistas. Utilizar de documentos, certidões de nascimento, casamento, qualquer coisa que pudesse provar que pessoa era livre. Esse trabalho com certeza mediado com a o exercício da oratória dos tribunais demonstra que a atividade do direito exercida por ele vinha de fora da tradição acadêmica, porém não era menos científica e embasada. 


Desde a primeira que foi a Lei Feijó, conhecida como "lei para inglês ver" instituía em tese o fim do tráfico negreiro, de 7 de novembro de 1831. Como a Lei Eusébio de Queirós (1850), Lei do Ventre Livre (1871), que foi publicada pelo Gabinete Rio Branco, e a Lei dos Sexagenários (1885) que eram mais políticas do que efetivas na realidade do país. Em seus textos, ele  também denunciava a violência policial em união dos os senhores de escravos. Entre 1830 até 1882, não conseguiu viver até a promulgação da Lei áurea. Sabe-se que quase 1 milhão de pessoas chegaram mesmo após todas as leis que sugeriam o fim do tráfico e escravidão de pessoas. A importância de um Luís Gama em uma época como essa é incalculável.  


Disponível no Globo play




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