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O Sétimo Selo (1957): A Idade média, as guerras e a "dança com a morte" são temas de tocante e clássico filme de Ingmar Bergman



Um filme de histórico, escrito e dirigido pelo grande Ingmar Bergman. Ambientado na Idade Média da própria Suécia durante a Peste Negra, no século 14, filme conta a jornada do cavaleiro medieval que joga um constante xadrez com a morte. O mundo construído por Bergman é inspirado em uma de suas peças, "Wood Painting". Já o título vem do "livro das revelações" de João no Novo Testamento, na parte sobre o Apocalipse: "E quando o cordeiro abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu por cerca de meia hora", tema que percorre o filme todo tempo no debate sobre o "silêncio de Deus" e a relação existencial do homem perante a morte


O "Sétimo Selo" pode ser visto no Globo Play e Oi Play mas também no Youtube


A história começa com a visão do cavaleiro cristão iludido Antonius Block e sua volta das cruzadas em um país devastado pela peste, no século 14, na Suécia. O cavaleiro encontra a morte, e ela o desafia para um jogo de xadrez, acreditando que pode sobreviver enquanto o jogo continuar. 




O cavaleiro passa por uma caravana de atores, Jof e sua esposa Mia, com sua filho pequeno Mikael e o agente de atores Jonas Skat. Block e Jöns visitaram uma igreja onde o afresco da "dança macabra" estava sendo pintado. Block conta para o padre que ele queria contar ao padre que ele queria ter uma performance que tivesse um significado de fato verdadeiro depois de uma vida sem sentido. 


Depois de descobrir e ser revelado que sua tática de xadrez poderia salvar sua vida, o cavaleiro descobre que é com morte com quem ele esteve falando. Deixando a igreja, Block fala com a mulher jovem condenada para queimar na estaca por estar "confabulando com o diabo". 




Enquanto Jöns e a garota  acompanham ele na cidade onde os atores estão fazendo uma performance. Enquanto o show é interrompido por um pastor que discursa aos moradores da cidade.


Dentro do estabelecimento da cidade, Tavel manipula Plog e outros clientes para intimidar Jof. Isso acaba quando Raval tem sua cara ferida por Jöns. Enquanto Block aprecia um picnic de leite e morangos dentro de uma tigela que Mia havia colhido. 




Então Block agora convida Plog para se abrigar da peste em sua castelo. Quando Skat e Lisa se encontram na floresta, ela volta para Plog, enquanto Skat simula ser um suicida arrependido. Skat sobe em uma árvore e a Morte vem e corta a árvore e a morte vem assombrá-lo. 



Ao encontrar com a garota, ele pede ela invocar o diabo para ele perguntar sobre Deus. A garota diz já ter feito, mas o cavaleiro apenas consegue ver o terror e lhe dá algumas ervas para tirar sua dor, enquanto ela queimava na pira.  




Eles encontram Raval, que foi abatido pela peste. Jöns fala para a garota não gastar água com ele, e Raval morre sozinho. Jof conta para sua esposa que ele consegue ver o cavaleiro brincando com a Morte e decide fugir com sua família. A Morte declara que "ninguém escapa de mim", mas Block joga as peças do xadrez por cima da Morte e coloca de volta no lugar. 




Em um próximo movimento, a Morte ganha o jogo e anuncia, que quando eles se encontrarem de novo, será a última vez para todos. A Morte pergunta para Block se ele atingiu significado profundo como ele gostaria e o cavaleiro responde que sim, ele teve. Block volta e encontra sua esposa, enquanto isso eles compartilham uma última reunião antes da chegada da Morte.  Enquanto fogem e tem dúvidas sobre isso, chove e tudo fica nublado, depois que eles conseguem fugir da sensação, eles saem da carruagem, e por fim veem o dia ensolarado, enquanto Block e sua esposa fogem e observam a "dança macabra" feita nas colinas.




História por trás do filme


Ingmar Bergman  escreveu a peça originalmente com o nome de Trämålning (Wood Painting), isso em 1953 / 1954. Era para ser um exercício de sua companhia de teatro. Enquanto era diretor do teatro municipal de Malm, ele conduziu aulas de atuação com os membros da companhia, isso serviu como preparação para o tom teatral clássico que seus filmes possuíam. 


Toda as cenas foram filmadas nos estúdios internos nos estúdios Filmstaden em Solna. A exceção foi a cena de abertura onde a Morte dança com o cavaleiro que jogavam xadrez com o mar ao fundo. Como também a dança da morte final, filmada em Hoys Hallar, uma praia rochosa no noroeste da Scania. 


Ele queria fazer uma peça com seus melhores 10 alunos para demonstrar os talentos da companhia, mais como uma forma de exercício enquanto ele escrevia Wood Paiting (que era essencialmente uma peça sobre moralidade). O objeto da peça, como também do filme era a morte e sua interpretação simbólica, como mostra o narrador geral. Em 1955 começou a ser produzido pelo Studio Workshop , do teatro dramático em Stockholm, sob direção de Bengt Ekerot que encenava a peça. A primeira peça em que ele dirigiu passou no rádio em 1954. 


O Sétimo Selo ganhou a credência de filme clássico pelos críticos que admiravam o trabalho formalista e relativamente simples de Bergman, sendo um modelo do tipo formalista de cinema, que combina técnica, teatro e profissionalismo em um nível de técnica que hoje em dia, com a privatização dos estúdios e da produção cultural e as consequentes reformas e falta de regulação trabalhista, torna impossível um filme tão profissional quanto o de Bergman, que conta com a experiência anterior dos técnicos de cenografia, principalmente, e a genialidade da interpretação dos atores de teatro. 


Crítica do filme


Jof e sua família se abrigaram em sua caravana de uma tempestade violenta e ele interpretou como se o Anjo da Morte tivesse passando como aviso. Na manhã, Jof tem uma segunda visão que lhe permite ver o cavaleiro e seus companheiros sendo levados embora na montanha, dançando a selvagem Dança da Morte. A celebração da morte é um tema em particular para muitas culturas. 


O cavaleiro também batalha por sua vida, por esperança de se comprometer em fazer pelo menos um bom ato até o dia do Juízo Final. Bergman pega inspiração direta religiosa, sendo por sua vez um filho de um importante clérigo luterano. Bergman comentou em uma entrevista uma vez, sobre lembrar de viajar para o interior com seu pai, onde ficou fascinado com as igrejas de estilo medieval e com as pinturas inspiradas em iluminuras e pinturas sobre a "Dança da Morte".


No fim da Idade Média houve um certo culto e fascinação com a morte, a castidade, a auto flagelação e o começo dos rituais de enterro que simbolizavam uma ideia de uma "boa morte" e isso se espalhou como costume pela Europa. Como também o senso de higiene foi ajudado por rituais como dos judeus que eram sobre higiene, dieta, sexo e também de limpeza. Muito da imagem feito para o filme teve como inspiração o tipo de arte medieval, vista na arquitetura das igrejas, nos vitrais e nas imagens, como a da dança macabra. Alguns anacronismos haviam, como a perseguição a bruxas, que teria começado no século 15 e não no 14. 


Os historiadores como Johan Huizinga, ou Barbara Tuchman argumentaram que a Idade Média foi um período de danação e melancolia e pessimismo, levemente masoquista e agravado por questões como a fome e a peste. Outros eventos marcaram essa mudança na população europeia, foi a Guerra dos 100 anos entre a França e a Inglaterra. Esse é o espírito de época do filme. Apesar disso, a questão do sentimento de época é mais alegórico e simbológico do que realmente uma retratação exata histórica. 


Basta lembrar que foi no século XIX que houve uma volta da moda sobre Idade Média, com certo revisionismo romântico sobre o tema. Ou seja, a ideia trovadoresca esbarrava na realidade da baixa expectativa de vida da maioria da pessoas da época. O que gerava essa proximidade irrestrita com a morte e sua "presença" o tempo todo, como retratado no filme. 


A limpeza e a ascese eram defendidas contra as poluições do "mal ar", que era o que era dito como explicação para os males da época, o que vinha da decomposição de dejetos orgânico desses cemitérios lúgubres, ainda era bem precário no sentido geral. Ou seja, era uma época sem infraestrutura, por mais que exista muito revisionismo em torno disso, principalmente em historiadores franceses que louvam entrepostos e cidades, como Jacques Le Goff.


 Mesmo assim, o que permanecia era a noção de que doença era castigo de Deus, logo uma punição pela moral. Ou seja, se a morte chega até você, você provavelmente de alguma maneira mereceu. Essa noção de "culpa" é extremamente explorada ao abordar essa questão do "silêncio de deus" daqueles que não eram os escolhidos da divina providência, e logo eram considerados "amaldiçoados".


Existe então um contexto de fascinação com alegorias da morte acompanhadas de séculos de guerras, epidemias e grandes devastações. Só que isso destoava do tom cristão de higiene e limpeza sobre a morte. A Peste Negra, chegou ao seu clímax em 1348, trazendo uma repercussão devastadora que fez a Europa perder essa ideia de "evolução" nos costumes em relação ao ocidente, uma ideia muito comum a ideologia expansionista das cruzadas, por exemplo. O que dificuldade a dominação do credo da igreja como hegemônico por demonstrar certa falha na "providência divina". Sendo um profundo tema cristão, a morte pode ser referenciada logo no início da bíblia, através de evangelhos e epistoles, no livro das Revelações possuindo uma resolução lá nesse sentido. 


Morte era a punição de Deus, gerada pela desobediência de Adão, que fez gerar a necessidade de expurgo através da vinda de Jesus. Depois disso, a ideia de imitação de cristão se identificaria com a ideia de uma morte cristã, uma espécie de morte na própria vida. Uma forma de estar morte para as bens mundanos. A visão cristã sobre a fortuna dos homens está completamente envolto nos temas de questionamento em torno da morte, como viver bem, ou morrer bem, por exemplo, sua forma de origem ou resolução final. 


O Sétimo Selo mostrava esse carácter de filme histórico, por quanto o filme mescla elementos modernos com elementos do ideário medieval. O filme ganhou o prémio especial de Cannes em 1957 confirmando o renome do diretor enquanto um bom retrato, porém um pouco teatral sobre o período medieval. Apesar disso a representação atemporal de um simbolismo característico de uma certa época. O tipo de imagem característica de uma época representa uma imagem de uma forma de arte específica da Idade Média. 


Muito do próprio filme foi feito com o molde do tipo de arte medieval, como a cena do esqueleto jogando xadrez com a morte foi inspirada em uma pintura real de uma igreja em Täby kyrka em 1480 pelo pintor Albertus Pictor. 





Mesmo sendo um filme sobre um importante debate cristão, a representação da morte em si, representado no jogo de xadrez. Enquanto o filme carrega um simbolismo filosófico profundo, também é uma história simples sobre a Idade Média e o retorno dos cavaleiros durante o período das cruzadas e da Peste Negra. A figura do cavaleiro Antonius Block simboliza o homem comum ao ter seu iminente e impossível de adiar encontro com a morte, através do simbolismo da "dança da morte" está representada essa contradição. Para morrer, basta estar vivo! Nada mais, nada menos. Esse é o medo geral e irrestrito. 


No livro de Philippe Aries, A História da Morte no Ocidente, ele aborda a questão dessa "dança da morte" comentada no filme. No primeiro capítulo, ele discute o período da "Tamed Death" morte condenada, que significa a atitude de proximidade dos homens na Idade Média com a morte e sua eminência da morte, isso está descrito em inúmeros romances e textos antigos de romances medievais, isso significa que as pessoas estão "preparadas" para a morte. Ele cita por exemplo, o rei Ban, Tristão e Lancelot, como personagens que demonstram que sabem que "tem o seu tempo de morrer" certo nas narrativas, ou quando Lancelot coloca o corpo virado para Jerusalém. 

 

Primeiro, a pessoa morrendo normalmente está deitada na cama, ou pelo menos em posição reclinada. Na tradição cristã, a pessoa tem que morrer deitada em frente das suas contas deitada, para "encarar os céus", em segundo lugar, a pessoa passou a seguir protocolos e rituais, como a presença de um padre para dar a extrema unção, com o consentimento do moribundo. Em geral, existiria a morte condenada em oposição a morte selvagem moderna, do século XX, onde as pessoas temiam e tentavam evitar a morte a todo custo. 


Logo, é evidente a diferente no índice de taxa média de expectativa de vida, que na Idade Média era bem complicada a proximidade da morte com o dia-a-dia. Por conta de superstições diversas, as pessoas não queriam ser enterradas no quintal de igrejas, as pessoas não acreditam que túmulos deviam durar para sempre (principalmente se fossem pobres) e a disposição de ossos era comum. 


A modernidade tirou a morte do dia-a-dia e criou espaços de morte, como o cemitério, não mais a igreja, o quintal de casa. A morte sai do ramo do privado das casas, e entra no ramo dos espaços públicos. Na Idade Média, os funerais aconteciam em reuniões, casas de jogos, e até mesmo em locais comerciais. 


A atmosfera de banalização da morte era uma forma de "ars moriendi" (arte de morrer) que havia presente no imaginário da Idade Média. Também há uma comparação entre a experiência da peste e o medo moderno de um holocausto nuclear, mostrando a evolução dos medos em relação a morte e o culto e fascinação que esse tema gerava quando a morte era parceira comum da vida.  




Os pensadores gregos e romanos estavam muito preocupados com a ideia da "boa morte", e também os cristãos haviam se preocupado com as especificidades da morte. A tradição ocidental é grande. A mais famosa sendo a representação da honrada morte de Sócrates, que não teria se corrompido. A tradição cristã se preocupada muitas das vezes com essa "boa morte" e que ela teria um correlato com a "boa vida", tudo isso refletido na ideia do "dia do julgamento final".  Tudo isso faz de O Sétimo Selo uma obra de arte atemporal, feita para debater recortes históricos e o poder das artes junto a consciência humana. 


Assista o filme aqui:




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