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Destacamento Blood (2020): Novo filme de Spike Lee e como ignorar dívidas históricas pode reforçar o conservadorismo político



Novo filme de Spike Lee explora raízes mais profundas da política americana ao contar a história de 4 veteranos da Guerra do Vietnã, que voltam ao país para encontrar os restos mortais de um amigo morto em combate e um tesouro perdido. Um deles, Paul (Delroy Lindo) na época era admirador de Martin Luther King e com sua morte, se frustrou e passou para o outro lado, fazendo campanha para a eleição de Donald Trump em 2016, levando consigo para a missão seu boné estampado com "Make America Great Again" 


        O mais novo filme de Spike Lee, "Destacamento Blood", foi lançado nesse mês na plataforma de streaming, Netflix. Em um ano de poucas opções de filme devido a pandemia global, o filme foi um ótimo presente para os cinéfilos. 

         O lançamento em meio a pandemia é justificado pelo longo histórico de produção do filme. O filme originalmente se chamaria The Last Tour, e seria dirigido por Oliver Stone. Após Stone abandonar o projeto, Spike Lee assumiu o projeto e reescreveu o roteiro com Kevin Willmott, mudando os personagens e a perspectiva do filme para de ex-soldados negros.

          Do original "Da 5 Blood", a história se centra em torno de um pelotão 4 de amigos que combateram no Vietnã e querem voltar ao país, aparentemente, para encontrar os restos mortais do quinto amigo, Norm, morto em combate na época da guerra. 

          Os 4 veteranos possuem uma grande admiração a Norm como o grande líder do grupo, mas Paul é o que mais o admira e se coloca como "fiel" a sua memória. Parecendo ter sido o personagem mais adaptado por Spike Lee da história, Paul (Delroy Lindo) é o personagem mais interessante da trama. Quando jovem Paul era um grande admirador de Martin Luther King e com sua morte, muito bem representada por Lee com a locutora da rádio (Veronica Ngo) "Voz do Vietnã", do Norte, ele se frustrou, ficou paranoico e passou para o outro lado e fez campanha para a eleição de Donald Trump em 2016, levando consigo seu boné estampado com "Make America Great Again" para missão. 

  
        Além de honrar o amigo Norm, logo entendemos que a viagem possui uma ambição. Na época da guerra, a missão deles era encontrar um aviação C-47 da CIA, que transportava um carregamento de ouro que era pagamento para o povo nativo lahu. Norm, líder do pelotão então teve uma ideia: esconder o ouro, falar que os vietcongues roubaram e depois voltar pra pegar. Paul se opunha por considerar roubo, mas Norm convence o grupo com a ideia de que a sociedade possuía uma dívida histórica com os negros devido uma série de momentos históricos e de exploração como a escravidão, e o dinheiro seria uma forma de compensação. Entretanto algo inesperado aconteceu: Norm morreu na operação. 

           O filme não explica bem porque os amigos não foram imediatamente após o fim da guerra pegar o ouro, esperando até nossos tempos. Eles tem apoio de um guia vietnamita local, de família de ex-combatentes vietcongues. O filho de Paul também tem um pequeno affair de uma francesa chamada Hedy, e que trabalha na região com desativação de minas terrestres da época da guerra. Além disso, eles precisam de transporte para todos e o ouro, então contratam um transportador francês chamado Desroche, interpretado pelo genial Jean Reno, em uma cena que Paul debate com ele por o achar arrogante e que em sua visão a França devia sua liberdade na Segunda Guerra Mundial aos Estados Unidos. 

                 Eles encontram o ouro com certa facilidade, mas as coisas saem de controle quando um dos amigos veteranos, Eddie, pisa em uma mina e é dilacerado pela metade, em uma cena chocante. E não há nem tempo para pensar em sua morte: o filho de Paulo pisa em uma mina mas consegue ser salvo. Eles encontram com o guia para voltar, mas são cercados por mercenários locais que querem o ouro. Mas em um confronto com Paul por causa do boné pró-Trump, há tiroteio e eles conseguem eliminar os mercenários, mas o filho de Paulo leva um tiro na perna. 

                   Paul fica paranoico e acha que o guia os entregou, então decide seguir no trajeto todo sozinho com o ouro. No fim das contas, Paul tinha certa razão, havia um traidor, mas ele não era o guia e sim o transportador francês, Desroche. Paul acaba sendo morto por mercenários, e a cena de confronto final, Desroche usa o boné pro-Trump como para nos lembrar atual que o presidente da frança Macron já foi do partido socialista, mas não refutou em apoiar Trump. Em outras palavras, o francesismo intelectual e erudito pode parecer bonito e chiquê, mas é anti-povo.  


                  Tentando não dar muitos detalhes mais do enredo, dos Blood apenas Otis sobrevive no final. Como o mais democrático do grupo, Paul confiou em Otis uma carta para o seu filho que também sobreviveu. A parte dos que morreram na aventura, foi enviada para os filhos e familiares, menos de Eddie que morreu na mina, que deixou sua parte para o movimento Black Lives Matter.

                  Spike Lee sempre tenta captar o "espírito do tempo" da época de seus filmes. O Black Lives Matter ganhar dinheiro que originalmente era da Guerra do Vietnã é uma grande contradição histórica, já que movimentos pacifistas negros sempre foram contra a guerra. Com a encenação, Spike Lee parece querer abordar a herança conservadora desses movimentos, onde muitos tiverem que morrer para isso. Mas principal de tudo: parece querer abordar o medo e preconceito de parte do eleitorado negro americano, que tem medo de asiáticos, China e repulsa ao socialismo. Paul é o maior símbolo disso. Em uma linha "esquerda antiga", ele foi pacifista, se desiludiu, acreditou em conspirações contra o socialismo e votou em Trump. Ele representa o eleitorado frustrado, com pouca instrução e poucas oportunidades que votou em Trump. 

                    Como em outros filmes, Spike Lee busca elaborar o perdão e encenar a conciliação histórica, como forma de representar o pagamento de uma dívida histórica. O ouro do filme é como uma metáfora de programas de inclusão da população negra e dos mais pobres, como cotas nas universidade e a renda básica, que com a crise do coronavírus se provou eficaz tanto nos Estados Unidos como no Brasil. Como depois da guerra Paul não teve nenhum auxílio, representado pelo ouro escondido, votou em Trump achando ter encontrado as respostas históricas, onde achava que ele mesmo era o problema. 

               O filme é bem simples e leve, e transcorre de maneira bem dinâmica. O roteiro é confuso, muito provavelmente devido aos problemas da produção, e para alguns talvez seja necessário voltar algumas cenas ou ver o filme duas vezes para pegar detalhes. Destaque para a canção Whats Going On de Marvin Gaye. O elenco é genial, e nas cenas de flashback Spike Lee escolheu não usar efeitos nem maquiagem para rejuvenescer os atores, reforçando a ideia de serem memórias que motivam a narrativa de maneira a operar a história tanto no nível da trama como da forma: tudo que acontece é sobre a Guerra do Vietnã e se você não sabe o que foi, vai ter que ler mais sobre História. Aliás, é o que todos devem fazer para pensar nas dívidas históricas e na criação de programas de inclusão histórica, para que tenhamos menos políticos como Trump e Bolsonaro.

 
 


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