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Metrópolis (1927): Pioneiro no gênero de distopia, filme mostra riscos do nacionalismo exacerbado

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A cidade de Metrópolis possui cerca de um milhão de hectares. Ricos industriais, magnatas do mundo dos negócios e seus principais funcionários reinam em arranha-céus de 50 a 1.000 andares, enquanto os trabalhadores vivem no subterrâneo, operando as grandes máquinas que movem a cidade. Joh Fredersen é o "mestre" da cidade. Nessa sociedade o empresário e o prefeito são a mesma pessoa. Seu filho, Freder, passa o tempo em esportes com os outros jovens da elite e em um jardim de lazer, mas é interrompido pela chegada de uma jovem chamada Maria, que trouxe um grupo de filhos de trabalhadores pobres para experimentar o estilo de vida nos jardins superiores de seus "irmãos" ricos. Maria e as crianças são levadas embora pela polícia, mas Freder, fascinado, vai para os níveis inferiores para encontrá-la



 Nos níveis das máquinas, ele testemunha a explosão de uma enorme máquina que mata e fere vários trabalhadores. Freder tem uma alucinação de que a máquina é um templo de Moloche os trabalhadores estão sendo alimentados para isso. Quando a alucinação acaba e ele vê os trabalhadores mortos sendo carregados em macas, ele se apressa para contar ao pai sobre o acidente. Fredersen pergunta a seu assistente, Josaphat, por que soube da explosão por meio de seu filho, e não dele.


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Grot, capataz da Máquina do Coração, traz mapas secretos de Fredersen encontrados nos trabalhadores mortos. Fredersen pergunta novamente a Josaphat por que ele não soube dos mapas com ele e o despede. Depois de ver a fria indiferença de seu pai em relação às duras condições que enfrentam, Freder secretamente se rebela contra ele ao decidir ajudar os trabalhadores. Ele pede a ajuda de Josafat e retorna aos salões das máquinas, onde troca de lugar com um operário, Geórgui, com a designação 11811.


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Fredersen leva os mapas ao inventor Rotwang para aprender seu significado. Rotwang estava apaixonado por uma mulher chamada Hel, que o deixou para se casar com Fredersen e mais tarde morreu ao dar à luz Freder. Rotwang mostra a Fredersen um robô que ele construiu para "ressuscitar" Hel. Os mapas mostram uma rede de catacumbas abaixo de Metrópolis, e os dois homens vão investigar. Eles escutam uma reunião de trabalhadores, incluindo Freder. 


Maria se dirige a eles, profetizando a chegada de um mediador que pode aproximar as classes trabalhadoras e dominantes. Freder acredita que poderia preencher o papel e declara seu amor por Maria. Fredersen ordena que Rotwang dê a imagem de Maria ao robô para que ele possa arruinar sua reputação entre os trabalhadores e evitar qualquer rebelião. Fredersen não sabe que Rotwang planeja usar o robô para matar Freder e dominar Metrópolis. Rotwang sequestra Maria, transfere sua semelhança para o robô e a envia para Fredersen. Freder encontra os dois se abraçando e, acreditando ser a verdadeira Maria, cai em um prolongado delírio. Intercalada por suas alucinações, a falsa Maria desencadeia o caos por toda Metrópolis, levando homens ao assassinato e provocando dissensão e histeria entre os trabalhadores.


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Freder se recupera e retorna às catacumbas. Ao encontrar a falsa Maria incitando os trabalhadores a se levantarem e destruírem as máquinas, Freder a acusa de não ser a verdadeira Maria. Os operários seguem a falsa Maria de sua cidade às salas de máquinas, deixando seus filhos para trás. 


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Eles destroem a Máquina do Coração, o que causa uma inundação na cidade dos trabalhadores. A verdadeira Maria, tendo fugido da casa de Rotwang, resgata as crianças com a ajuda de Freder e Josaphat. Grot repreende os trabalhadores comemorativos por abandonarem seus filhos na cidade inundada. Acreditando que seus filhos estão mortos, as operárias histéricas capturam a falsa Maria e a queimam na fogueira. Um Frederico horrorizado observa, sem entender o engano até que o fogo revela que ela é um robô. Rotwang está delirando, vendo a verdadeira Maria como sua filha perdida, e a persegue até o telhado da catedral, perseguida por Freder. Os dois homens lutam enquanto Fredersen e os trabalhadores assistem da rua Rotwang caindo para a morte.


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A História por trás do filme


Em 1927, Stalin expulsa Trotsky do partido comunista e da União Soviética, exilando-o no México. No mesmo ano aconteceu uma rebelião militar em Lisboa, o Reino Unido mandou tropas para combater a greve geral de 1927 em Xangai, China. Ao mesmo tempo que a Arábia Saudita se tornou independente do Reino Unido pelo Tratado de Jedda e um embaixador soviético foi assassinado na Varsóvia. 


Nesse período, foram três os filmes que Fritz Lang produziu durante o período "estabilizado", ou seja, entre guerras. Seus filmes desse período lidaram com aventuras emocionantes e fantasias técnicas sintomáticas do então culto à máquina e ao tempo atual. O relógio é quase um personagem em si, uma entidade. 


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Também a cidade é uma entidade que governa todos entre si, quase como um monstro que a todos devora.


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Segundo o crítico e historiador, Siegfried Kracaues, no livro Caligari to Hitler: Psychological History of German Film, o primeiro deles foi Metropolis, uma produção Ufa estreada no início de 1927. Lang relatou que concebeu a ideia deste filme quando ele viu Nova York pela primeira vez. 


Nova York naquela época, noturna, brilhando com uma miríade de luzes. A cidade construída em seu filme é uma espécie de super Nova York, realizada na tela com a ajuda do o chamado processo Shuftan, um engenhoso dispositivo de espelho que permite a substituição de pequenos modelos por estruturas gigantes. Nesta tela a metrópole do futuro se divide socialmente e estruturalmente em uma cidade baixa e uma cidade alta. 


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Na cidade alta, uma grandiosa rua de arranha-céus viva com uma incessante fluxo de táxis aéreos e carros. Essa sequência é maravilhosamente bem feita e impressionante para um filme dos anos 20. Nesta parte da cidade, moram os donos das grandes empresas. Na cidade baixa, fechada a luz do dia, os trabalhadores cuidam de monstruosos máquinas. Eles são escravos e não trabalhadores. 


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O filme representa a rebelião contra a classe mestre do mundo superior, e termina com a reconciliação das duas classes. No entanto, para Kracauer o que é importante aqui não é tanto o enredo, mas o preponderância das feições superficiais em seu desenvolvimento, e eu tenho que concordar pois pensei a mesma coisa ao longo do filme. É totalmente possível assistir Metrópolis sem a trama narrativa do jovem filho do mestre. O filme possui uma linguagem "macro", típica da estrutura do cinema soviético, onde temos mais grupos que personagens específicos muitas das vezes, como os trabalhadores. Entretanto, Lang parece combinar isso com a típica narrativa melodramática dos filmes americanos. Entretanto, o brilho do filme está muito mais no episódio do laboratório, onde a criação de um robô é detalhada com um exatidão técnica que não é necessária para levar adiante a ação. 


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O escritório do chefão, a visão da Torre de Babel, o máquinas e o arranjo das massas: todos ilustram a inclinação para ornamentação pomposa. Seu estilo decorativo era rico em significados. O decorativo não aparece apenas como um fim em si mesmo, mas até desmente certos pontos feitos na trama. Faz sentido que, no caminho de ida e volta para as máquinas, os operários formem grupos ornamentais; mas é absurdo forçá-los a entrar em tais grupos enquanto eles ouvem um discurso reconfortante da menina Maria em seus momentos de lazer.


Metrópolis impressionou o público alemão. Os americanos saboreiam sua excelência técnica; os ingleses permaneceram indiferentes; os franceses foram tocados por um filme que lhes parecia uma mistura de Wagner e Rrupp e, no geral, um sinal alarmante da vitalidade da Alemanha.


Freder, filho do gigantesco industrial que controla Metrópolis, é fiel ao tipo: ele se rebela contra seu pai e se junta os trabalhadores da cidade baixa. Lá ele imediatamente se torna um devota de Maria, a grande consoladora dos oprimidos. 


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Uma santa ou uma agitadora socialista? Esta jovem discursa aos trabalhadores, declarando que eles podem ser resgatados apenas se o coração faz a mediação entre a mão e o cérebro. E ela exorta: logo virá o mediador. O industrial, tendo participado secretamente desta reunião, considera a interferência do coração tão perigosa que confia a um inventor a criação de um robô parecido exatamente com Maria. 


Para Kracauer, a Maria-robô é para incitar motins e fornecer ao industrial um pretexto para esmagar o espírito rebelde dos trabalhadores. Agitados pelo robô, os trabalhadores destroem seus mestres, as máquinas, e liberam as águas da inundação que ameaça afogar seus próprios filhos. Se não fosse por Freder e a genuína Maria, todos estariam condenados. 


Na cena final, por sugestão de Freder, seu pai aperta a mão do capataz, e Maria felizmente consagra esta aliança simbólica entre trabalho e capital. Superficialmente, parece que Freder converteu seu pai. Mas para Kracauer a verdade é que o industrial foi mais esperto que seu filho


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Ele faz uma política de apaziguamento que não só impede os trabalhadores de ganhar sua causa, mas permite que ele aperte seu domínio sobre eles. Seu estratagema de robô foi um erro crasso na medida em que baseava-se no conhecimento insuficiente da mentalidade das massas. Ao ceder a Freder, o industrial consegue um contato íntimo com os trabalhadores e, portanto, está em posição de influenciar sua mentalidade. 


Essa organização permite que o industrial fale um coração acessível às suas insinuações. Para o Kracauer, a exigência de Maria de que o coração medeie entre as mãos e o cérebro bem poderia ter sido formulado por Goebbels. Ele também, apelou ao coração no interesse da propaganda totalitária.


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A estrutura pictórica da cena final confirma a analogia entre o industrial e Goebbels. Se nesta cena o coração realmente triunfou sobre o poder tirânico, seu triunfo seria descartar o esquema decorativo devorador que no resto do Metrópolis marca a reivindicação do industrial de onipotência. Artista que ele era, Lang não poderia ignorar o antagonismo entre a descoberta de emoções humanas intrínsecas e sua formação de padrões. 


No entanto, ele mantém esses padrões até o fim: os trabalhadores avançam na forma de uma cunha, procissão estritamente simétrica que aponta para o industrial de pé nos degraus do portal da catedral. Toda a composição denota que o industrial reconhece o coração para o propósito de manipulá-lo; que ele não desiste do seu poder, mas irá expandi-lo sobre um reino ainda não anexado ao reino do coletivo alma. A rebelião de Frederico resulta no estabelecimento de uma comunidade totalitária autoridade, e ele considera este resultado uma vitória. 


A reação pertinente de Freder corrobora o que foi dito sobre a forma como os filmes de rua e também os filmes juvenis antecipar a mudança do "sistema". Agora não pode mais ser duvidou que a "nova ordem" prenunciada por ambas as séries seja esperada para se alimentar daquele amor com o qual transborda a prostituta de Asta Nielsen, e para substituir a disciplina totalitária pela mecânica obsoleta. 


O próprio diretor, Fritz Lang relata que imediatamente após a ascensão de Hitler ao poder, Goebbels mandou chamá-lo: "... ele me disse que, muitos anos antes, ele e o Fiihrer tinham visto meu filme Metrópolis em uma pequena cidade, e Hitler havia dito naquela época que ele queria que eu fizesse as fotos nazistas."


Minha leitura do filme


Refletindo todos os argumentos que apresentei até aqui, quero dizer que é preciso muita calma antes de formar concepções em torno de Metrópolis. Como qualquer filme que analiso aqui no blog, quero sempre refletir os contextos e motivações históricos por trás dos filmes. Isso implica muitas vezes abordar ideologias. Mas em nenhum momento é a atitude puramente apologética que busco aqui, mas sim crítica; que pensemos o filme a vida nunca de maneira "neutra". É claro que é preciso se divertir, e obviamente vamos falar sobre aquilo que mais gostamos. Mas esse "gostar" pode ser mais complexo do que parece, afinal podemos gostar de ver e criticar algo, certo?! 


Dito isto, é preciso entender qual o contexto histórico da época de Metrópolis. A Alemanha tinha perdido a Primeira Guerra. O Tratado de Versalhes de 1919 exigiu da Alemanha o pagamento de 20 bilhões de marcos de ouro até abril de 1921 como primeiras reparações de guerra, número que aumentou para 296 bilhões de marcos de ouro a pagar em 42 anos após a Conferência de Boulogne de junho de 1920.


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O sentimento de nacionalismo era tido para maioria da população como uma farsa. Isso, na visão de Fritz Lang, fazia com que a elite do empresariado governasse o povo com punhos de ferro, cortando ou burlando direitos trabalhista. 


Parecia óbvio que a "agitação política" era o caminho mais inteligente, certo?! Errado. Lang explorou com certa genialidade a canalização dessa insatisfação pelo empresariado de direita através da metáfora do robô, que quase prevê o nazismo. Fala para o povo e pelo povo, mas é pura farsa pois não passa de um projeto liderado por um boneco do capitalista. 


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Entretanto, com o fim da Segunda Guerra e o passar dos anos, soa um pouco ingênuo a proposta de Fritz Lang de um "meio", de um "mediador", que pudesse negociar entre elite e povo, já que essa elite se manifestaria como apoiadora do nazismo alguns anos depois. Agora, será essa ingenuidade sincera? 


Parece óbvia essa desconfiança de Lang ao colocar o robô como a farsa, o sequestro da ideologia. Entretanto, ele não poderia simplesmente ser contra o espírito nacional naquele momento, pois seria o mesmo que ficar contra os trabalhadores, contra o povo. 


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O trancamento ideológico era tão forte que tudo que se podia sonhar era com o futuro e uma solução pragmática, de centro. 


Só que ainda assim Metropolis é um filme derrotista nessa proposta, já que as alegorias realistas e fantásticas, como a máquina devoradora de homens e comparação com a escravidão do Egito antigo, que eternizaram filme por seu brilho e plasticidade, são o que justamente traem a proposta de centro.


Como negociar com uma elite que tem a usurpação das outras classes como um princípio histórico? 


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Concordo com Kracauer sobre a fragmentação dos plots. Você não precisa refletir muito para gostar do filme. Por isso a robô que toma forma humana é a alegoria mais genial do filme. O autômato humanóide que encarna as expectativas, emoções e desejos do povo, mas se revela uma farsa, com um final aterrorizante mesmo para um robô: morrer queimando na fogueira enquanto todos comemoram. A crueldade dessa cena aumenta se pensarmos que quando eles fizeram isso eles não tinham certeza de se tratar da real Maria, algo corroborado pelo desespero do rapaz ao presenciar a cena. 


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Também uma metáfora de como os homens depositam todas as suas esperanças no futuro e no progresso, representados no filme no feminino e na tecnologia, e ao se verem frustrados só dão razão ao ódio.


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Metrópolis é com certeza o avô de filmes e séries como Blade Runner, Westworld, e outros que utilizaram a metáfora do robô androide para passar uma mensagem sobre a condição humana e as emoções. Disponível no Telecine, mas o filme também está em domínio público, podendo ser encontrado até no Youtube. 



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