A Caixa de Pandora (1929): O medo do feminino e o julgamento público em filme com a icônica Lulu Brooks

Filme alemão de 1929 de Georg Willhelm Pabst antecipou o clima de linchamento e de perseguição as mulheres e aos costumes tidos como modernos, como lesbianismo, independência feminina estrelando a  famosa dançarina Lulu Brooks, uma das grandes divas e ícones do cinema mudo. Inspirado na peça Erdgeist de Frank Wedekind de 1895.

Os filmes da era clássico do cinema mudo não tinham o áudio para formar a sua composição dramática e verossímil. O que poderia ser feito então era utilizar maquiagens, estórias antigas de mitologias variadas e muita expressividade. Alguns filmes dessa época eram avançados demais e A Caixa de Pandora é um desses com certeza. Desde o início a preocupação com a ilusão e com a montagem dos filmes eram mais do que o próprio ato de filmar a realidade por assim dizer. 

 Sendo uma película inicialmente censurado e muito mutilada também. Baseada em uma peça do autor Benjamim Franklin Wedekind chamada Two Lulu e Erdgeist (espírito da terra), que foi censurada por conter conteúdo considerado par adultos na época. Foi feita até mesmo uma opera chamada Lulu, inspirada no filme e na peça, escrita pelo austríaco Alban Berg em 1937.  

A atriz:

Lulu nasceu em Cherryvale, Kansas, tinha uma mãe que priorizava sua habilidades artísticas do que realmente dar uma infância de verdade. Brooks cresceu com poucas regras e livre por isso, seguindo sua paixão pela dança. Ela se junto ao grupo de dança e teatro Denishawn quando adolescente e viajou com eles até Nova Iorque, descobrindo os traços da cultura da cidade grande. Também foi fonte de inspiração para o famoso quadrinho Dixie Dugan.

"Você pode até pegar minhas meias de nylon emprestadas, mas já meu namorado é demais", frase do comic acima Dixie Dugan.

Os filmes possuíam uma fórmula consagrada. Por exemplo, a dançarina e atriz Louise (Lulu) Brooks foi um modelo até mesmo para um corte de cabelo que existe que em sua inspiração, o curto acima da orelha, conhecido como um dos 10 cortes de todos os tempos. Os filmes possuíam uma estética própria e por isso parecia que a imaginação era mais selvagem. Como em filmes como Haxan, ou Metrópolis, ou Intolerância. 

O diretor Georg Wilhelm Pabst: 

O filme ficou muito conhecido por conta de Lulu Brooks, mas também tinha uma direção de um diretor descrito como "red Pabst" o "nowhere man", homem se lugar nenhum, G. W. Pabst, ator e diretor. Nasceu na Bohemia em 1885 em uma vila chamada Raudnitz no antigo império Austro-húngaro, e que agora é parte da República Tcheca. Ele cresceu em Vienna, onde estudou drama,  e começou a trabalhar como ator internacional, na Suíça, na Alemanha. 

Era aclamado pela crítica especializada, fazendo teatro na alemão em Nova Iorque, quando voltou para a Europa em 1914 foi levado prisioneiro de um campo de concentração em Brest ficando todo o período da Primeira Guerra preso lá.  Logo virou direto do New Vienna Stage e depois se mudou para Berlim para fazer filmes, começando como assistente de direção de Calr Froelich. 

Seu primeiro filme foi "The Treasure (Der Schatz,  1923)", que era um conto gótico e expressionista. Chegou a atuar com Asta Nielsen, Greta Garbo, e até mesmo Leni Riefenstahl. Fez um filme em 1925 com Nielsen e Greta Garbo, chamado The Joyless Street (Die dreudlose Gasse), sobre as privações causadas pela inflação nos guetos de Vienna, em particular para as mulheres. Lulu não leu o script, mesmo recebendo um traduzido para o inglês, ela viajou com um dos seus amantes e foi recebida com buquê de rosas pelo diretor, mas a afinidade acabou aí. Lulu era uma atriz difícil de aguentar. Não leu o roteiro e para conseguir fazer a atriz entrar no clima do filme, o diretor contratou músicos para o set para ela "entrar no clima". Acho que funcionou.  

Todos filmes muito diferentes do "normal". Esse filme aqui era uma brincadeira com a própria indústria. Lulu Brooks era uma dançarina que havia tido uma criação liberal demais para a maioria da época. A atriz do filme era conhecida assim como a personagem do filme como uma mulher que causava raiva nos outros. Com o diretor Pabst fez filmes A Caixa e Pandora e "Diário de uma garota perdida" e também foi quem descobriu o talento de Greta Garbo.

 Quando Lulu assinou um contrato com a Paramount, o estúdio queria ela para fazer o filme Beggars of Life, foram até Washington DC, onde ela estava com seu amante casado, o magnata George Preston Marshall.

Dentro da mitologia  grega original da "caixa de pandora" narra o momento de chegada da primeira mulher à  terra, sendo criada por Hefesto através de ordens de Zeus. 

A metáfora do filme é que Lulu é a essa mulher, que tudo que toca e todos quem conhece acabam destruídos por ela. Em uma metáfora de que ela é muito carismática e chamativa por conta de sua sedução natural, que faz com quase todos em sua volta. 

Depois da Alemanha ter tido a tomada de poder pelos nazistas ele não conseguiu fugir e teve que fazer filmes para os nazistas praticamente com a arma apontada para sua cabeça, não conseguiu fugir como Fritz Lang.  

Quando fez esse filme sem sem vontade e estava brigando com seu amante por ele depois se casar com Corinne Griffith, uma também atriz. No filme há uma situação quase idêntica, demonstrando que como uma celebridade ela estava na Alemanha interpretado as fofocas de sua intensa vida cosmopolita na América. Por conta de seus problemas pessoais, ela resolveu aceitar o convite de um diretor alemão em uma peça que nem mesmo tinha lido apenas para ir para Berlim.

Lulu interpreta a amante de um respeitado editor de jornal de meia idade, Dr. Peter Schön (Fritz Kortner). Ao ele aparecer ela esconde seu outro amante, Schigolch no terraço. Depois ele conta para Lulu que o caso dela está sendo muito comentando por todos, e aí o magnata se vê obrigado a casar com Charlotte von Zarnikow (Daisy D'ora), filha do Ministro do Interior. 

Lulu tenta convencer ele do contrário. Mas em uma certa apresentação de Lulu, ela se recusa a dançar para a mulher de seu amante, e aí ele revoltado vai ao seu encontro, mas os dois acabam se beijando e quem flagra é a mulher que o abandona. 

Depois disso, Peter Schön se casa com Lulu, e passa a ficar obcecado por não conseguir saciar a esposa e observar que ela continua tendo amantes como Schigolch e Quast. O filme demonstra que isso ocorre quase como "uma força da natureza".  Ele pega a arma e ameaça atirar nos intrusos. Depois que os dois saem, ele pega a arma e quer que Lulu atire em si mesma, quando ela recusa e a arma dispara no meio da luta, vemos o magnata Schön morto. 

Depois acontece o julgamento de Lulu e ela é condenada a cinco anos por homicídio culposo, mas Schigolch e Quast ligam o alarme de incêndio e ela consegue fugir depois da confusão e do veredito. O filme ainda possui a temática lésbica com o romance sugerido entre Lulu e a Condessa Augusta Geschwitz (Alice Roberts), a atriz que fez a condessa ficou com medo de ficar marcada por interpretar uma lésbica no filme e pediu a redução de algumas cenas. O filme foi de fato muito mal visto de primeira, e depois redescoberto como clássico. 

Quand Lulu que está viajando de trem é reconhecida pelo Marquês Casti-Piani (Michael von Newlinsky). Ele quer vender Lulu para um comerciante do Cairo que pretendia usá-la em seu bordel. Lulu se recusa e ele a ameaça, dizendo que ia chamar a polícia. Como também Quast a chantagia. Assim fica claro que para as mulheres os inimigos da narrativa são os homens e seu jogos de poder e obsessão narcísica. Lulu atrai Quast até uma cabide e acaba o assassinando, depois disso, Schingolsh, Lulu e Alwa fogem e acabam vivendo em um prédio abandonado de Londres. 

A polícia invade o cassino clandestino, pegando-a em flagrante. Schigolch, Lulu e Alwa fogem em seguida. Ao fim do filme, o gênero narrativo muda, e vemos que elas acabam vivendo na miséria nesse prédio abandonado de Londres e sendo prostituta. Assim Lulu tem  um encontro com o Jack, o estripador  que se passa por cliente, mas diz que não tem dinheiro para pagar, mesmo assim, Lulu o aceita, e depois é morta por ele, por mais encanto que ela tivesse, sua sedução não valia nada para um assassino com perfil de "limpeza social" de mulheres da vida. 

Houve o primeiro assassinato pelo Jack Estripador em 31 de agosto de 1888, quase 125 anos atrás, matando na região do bairro Whitechapel. Se tornando o serial killer mais conhecido da história, e um dos primeiros a ser conhecido por uma assinatura específica. O detalhe dos crimes nunca terem sido solucionados e por se tratar de prostibulas instiga a imaginação de que talvez a sociedade da época estava mais interessada em deixar uma "lenda" fluir do que realmente impedir o assassinato de mulheres. Matando três mulheres na época e disseminando o pânico nas ruas de Londres, ganhou coberturas infinitas do jornal e desafiou a polícia da época.

É como na lenda da caixa de pandora mesmo, quando o machismo era camuflado pelas peças teatrais e pela mitologia. Seguindo o argumento mitológico, a atração fatal que Lulu fazia os homens possuírem faria dela uma vítima. Como se o ódio dele viesse como representante do ódio de toda uma sociedade. Como se fosse a própria moralidade social que criasse a figura do serial killer moderna. 

Demonstrando assim que a perseguição as mulheres estava em alta e por isso elas eram marginalizadas, apenas sobrando a prostituição e o feminicídios. O filme foi tremendamente censurado e foi uma película muito moderna para seu tempo. 

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