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Ubirajara e a trajetória do homem comum e do herói no indianismo de José de Alencar


 

Livro publicado em 1874, é da série dos livros indianistas e regionalistas do escritor cearense José de Alencar. Suas obras ficaram famosas por retratar a vida sertaneja, como também a vida no homem comum nacional e brasileiro que se formava ainda de maneira muito rudimentar. O processo em que está envolvido Jose de Alencar é o processo de formação da identidade nacional e da formação da nação enquanto povo próprio. Ubirajara significa "o senhor da lança". Nesse sentido que é construída pela primeira vez a ideia do brasileiro dentro da ideia de um romance histórico, pensando como seria a pré história imaginada do Brasil como uma lenda tradicional tupi do índio que não sucumbiu a cultura europeia.  


Jose de Alencar está no panteão dos escritores da pátria. Desde seus famosos "romances urbanos", ou de "perfis de mulheres", até a fina estampa do regionalismo histórico, com Til, o tronco do Ipê, Cartas sobre a confederação dos Tamoios, O Sertanejo, Jose de Alencar já atentava para o valor histórico dos habitantes anteriores aos europeus. Escreveu o poema épico mitológico "os filhos de tupã". 

A energia que desprendia na figura de análises enquanto historiador romântico, fazia ele beirar em estilo com Michelet. 

O livro Ubirajara é uma ótima forma de demonstrar um carácter de paisagem histórica como formação nacional. É possível sentir a beleza através da descrição do livro, que é uma forma de narrador contemplativo na maior parte do tempo, acompanhamos a história em capítulos, como saíam para o leitor como pequenas crônicas, na época, os autores publicavam pedaços e capítulos de seus livros por semana, o primeiro capítulo de Ubirajara é "O caçador", é como se a personalidade do herói fosse diferente do herói ocidental, uma personalidade ancestral da tribo, como se cada pessoa "encarnasse um espírito" de uma entidade mais antiga que si. 

Ou seja, isso demonstra que nas sociedades tribais, a individualização não está atrelada com a constituição do pensamento nem mesmo dos líderes.  Ubirajara pode ser o herói "mais brasileiro" em sua essência de todos os romances brasileiros.  



Mas é em sua imaginação mitológica em livros como Iracema, Ubirajara, O Guarani que essa mitologia estará mais bem acabada e tecida. É no indianismo e no homem indígena onde Jose de Alencar se coloca como o conservador não aceito muito entre os conservadores. Foi censurado para cargos públicos diretamente por Pedro II, a quem criticava diretamente em seus escritos.


Naquela época, o estado brasileiro não bifurcou seu território por conta da dominação direta de Portugal, mesmo após a Confederação do Equador, durante o segundo reinado, Jose de Alencar era censurado por escrever "imoralidades" demais na capital, mostrando que apesar de seu gênio e de ter pautas parecidas com a do império, o governo monárquico e as redações jamais esqueciam de quem Jose de Alencar era de verdade, achavam que ele era um liberal em pele de conservador, por brigar com a "esquerda rica" da época, representada por nomes como Joaquim Nabuco, abolicionista e playboy.  Jose de Alencar ganhou uma batalha histórica onde o sinal para a constituição do nacional era imaginar o que era o brasileirismo em sua melhor métrica.

Por exemplo, em 1844, houve um concurso no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro para escolher um projeto de escrita de História do Brasil, quem ganhou foi obviamente um estrangeiro, Von Martius, e sua visão era de convergente de três raças para a formação do nacional: o branco, o índio, o negro. Nessa época, o tipo de escrita de Alencar passou a ser interessante para pensar o brasileiro já dentro dessa fórmula na literatura. 

Querendo fazer uma resposta ao tipo de historiografia "do viajante" e do padre, ele inverte o lugar de análise sobre os costumes indígenas, e logo os índios não são mais os "hippies" (vistos como quem tivesse liberalização total dos costumes), como na imagem dos autores europeus no primeiro ciclo de literatura de viagens ao Novo Mundo. É um tanto ousado, pensando que as descrições mais confiáveis na época sobre antropologia vinham de antropólogos e viajantes que faziam descrição territorial e catalogavam os tipos brasileiros. 

O exemplo disso é o trabalho de Couto de Magalhães "O Selvagens", publicado em 1876, ele fez expedições de carácter militar e científico no Araguaia, na mesma região que aborda o livro, que quer falar sobre um período anterior aos europeus aqui. 


O livro de 1874 reflete o passado anterior ao período colonial, ou seja, antes e 1500. Como seria a vida no Brasil antes da colonização portuguesa.  Demonstra uma forma de "romance de cavalaria" na essência de uma tipologia psicológica ao estilo do romance inglês. por fim,   só que na perspectiva dos índios.  Ao acompanharmos as aventuras do jovem guerreiro, como ele é descrito na primeira parte do livro. Um herói mitológico típico dentro de uma proposta de indianismo épico, por fim, ele se torna chefe da nação Araguaia unificando as tribos. A paisagem descrita muito bonita fala sobre o rio Jaguarê (que significa grande rio).



O autor Alfredo Bosi, por exemplo no História concisa da literatura brasileira  falava sobre sua obra enquanto uma "franca aderência  à realidade média". Nessa obra, o teor clássico e lendário é a marca de uma história épica, cheia de descrições de costumes e tradições romanceadas das tribos indígenas. A livro coloca fim a primeira leva de livros de carácter de formação nacional na obra de Alencar. A trilogia foi construída primeiro por O Guarani de 1857, Iracema de 1865, e por fim, Ubirajara de 1874, livro lançado pouco depois do término da Guerra do Paraguai, e é possível ver uma tentativa de romancear a integração nacional que o Brasil buscava no período. 


Taunay, por exemplo afirmou que O Guarani foi recebido pelo o público do Rio de Janeiro com grande recepção pela história de Peri. Era afinal de contas, uma tentativa de visão romântica e nacional, em uma época que o Brasil era apenas colônia de Portugal, Jose de Alencar pode ter sido aquele que falou mais igual para igual com o formalismo português dos grandes autores da língua. 


Também ganhou uma versão em formato de filme em 1975 do cineasta André Luiz Oliveira, o mesmo de Meteorango Kid, o filme se chamava, A Lenda de Ubirajara , mas é impossível assistir procurando na internet, mas parece que o filme se perdeu na transição do vhs - dvd - internet. 


Nosso herói combate criaturas míticas, como o jaguar por exemplo. Namora com Araci, da Tribo dos Tocantins. Enquanto os europeus se inspiraram na Idade Média, os brasileiros utilizaram a mitologia indígena. Ubirajara (senhor da lança) adotou esse novo ao ganhar do irmão de Araci na batalha, ao conseguir dobrar o arco de Itaquê no ritual, torna-se novo chefe local. Ao ganhar de Pojucã, irmão de Araci, Jaguaré adota o nome guerreiro de "senhor das lanças", Ubirajara.


O livro descreve batalhas épicas entre inimigos e grandes tradições. A descrição das batalhas é épica e isso é uma constante no tipo de escrita de Jose de Alencar que busca descrever o tipo de paisagem brasileira, como em Ilíada, por exemplo,  é possível imaginar as cenas retratadas no livro. 


 Jose de Alencar imagina uma superioridade moral por parte dos indígenas em relação aos europeus, invertendo no romance o clássico argumento da flexibilização dos costumes dos índios, essa era a forma da escrita do indianismo, uma escola literária que buscava para não encarar o problema da escravidão, idealizar o Brasil através de lendas de formação para reverenciar o conservadorismo dos costumes frente ao liberalismo vazio das ideias. 


Assim que situamos Jose de Alencar. Como alguém que questiona a literatura de viagens, e a descrição dos padres que gostavam de retratar a liberação dos costumes. É uma visão oposta. 

Personagens:

“Eu sou Ubirajara, o senhor da lança, que venceu o primeiro guerreiro dos guerreiros de Tupã.  Eu sou Ubirajara, o senhor da lança, o guerreiro terrível que tem por arma uma serpente”

Ubirajara era para ficar com Jandira, porém fica encantado com Araci (a filha da luz), filha do chefe Itaquê, da tribo rival, um dia ao ver Jandira tentando matar Araci.  

As mulheres são disputadas enquanto ritual entre os guerreiros e chega até certo ponto para entrar na cabana do guerreiro em sonho para lhe avisar, como uma metáfora de  que a guerra carácter formador é formadora na sociedade tupi. 

Jandira é a melhor das mulheres e espera por ele, porém, ele quer Araci, como no clássico Romeu e Julieta, prometida para Ubirajara, Jandira é desprezada pela herói em detrimento de Araci, da tribo rival, por isso que o amor deles "começaria a guerra", como em troia, por exemplo. Em comparação com O Guarani escrito em 1857 na época do Segundo Reinado de Pedro II. Era uma ideia romântica e integradora da sociedade da época. Buscavam fazer uma identidade nacional a partir de marcos mitológicos. O mesmo pode ser dito sobre Iracema, "a virgem dos lábios de mel", que fornece um retrato sobre a mulher indígena e a formação dos primeiros brasileiros, no caso dela, de seu filho, Moacir. 

A questão pode lembrar o livro: "A função social da guerra da sociedade tupinambá".  A evocação a ancestralidade e a valores como virgindade são imaginados separados da realidade histórica indígena real. Seria uma ideia romântica como a de cavalaria pelo carácter de idealização das relações interpessoais. 


Ubirajara não é um homem europeu, porém, na visão de Jose de Alencar, através do romance, ele se torna, pelo menos como em uma forma metafórica.   É interessante ver como a questão da língua indígena  é tratada como formação nacional na visão de Alencar, mais do que qualquer outro autor da época. Por exemplo, através da ornamentação, Araci e Jaguaré (na época antes de Ubirajara se transformar em Ubirajara e Jurandir), eles se reconhecem como de tribos rivais. Ao Jandira se preparar para ser sua esposa, Ubirajara já transformado, parte para a nação Tocantim, ele vem tentar ganhar sua amada no duelo das tribos. 


Por fim, Ubirajara consegue unir as tribos de Araguaia e Tocantim, dando origem a nação Ubirajara, nenhum guerreiro antes tinha conseguido, nem mesmo Pojucã, filho de Itaquê, pai de Iraci (a estrela do dia), a esposa de Ubiratã. Com o perdão da livre comparação, o livro parece uma história de gibi, anime e afins, é uma leitura intensamente imaginativa.  Ubirajara ao entrar no  capítulo: " o combate nupcial",  vemos a batalha por Araci, assim, ele se renomeou de "Jurandir", passando pelo ritual de colocar a mão em uma luva de formigas, no "ritual da Tucandeira". 




No período do Segundo Reinado, houve um importante aumento da circulação de folhetins, novelas, revistas e jornais familiares que escreviam com foco no público feminino, ou para a leitura de serões em voz alta nos bailes da época. 


Alencar se manifestava politicamente como conservador, mas como escritor louvava uma forma de liberação cultura, única por ser pioneira na imaginação do típico nacional brasileiro. O vídeo abaixo resume bem a ideia do livro, na forma dos melhores trechos. Mas é bom para ler, por ser como um gibi, ou anime, tem uma ideia de público adolescente, em idade de vestibular.




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