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Frankenstein (1931): A popularização do terror no cinema, censura, o mito de Prometeu e Mary Shelley


Dirigido por James Whale, filme inovou ao trazer o livro da escritora Mary Shelley de 1818 para as telas. A adaptação busca inspiração em uma peça de 1927 de Peggy Webling, também baseado no clássico romance de Mary Shelley. Já o monstro Frankenstein é interpretado por Boris Karloff



Crítica do filme


O filme é bem mais conservador que o livro Frankenstein de Mary Shelley: o moderno prometeu, por mostrar uma visão definitiva da índole do monstro de Frankenstein.  


No século XIX os campos da ciência se modificam e se profissionalizam, mas ainda estão no início de suas práticas. Também é no século XIX que se modifica o comportamento feminino, sendo a mãe de Mary Shelley uma feminista ela mesma. O subtítulo ser "o moderno prometeu" é uma referência ao mito do titã que roubou o fogo dos deuses e deu aos seres humanos, e por isso foi castigado. 


A referência ao mito original da criação tecnológica humana é evidenciado quando a autora coloca de subtítulo "o moderno prometeu", sendo uma referência de que na civilização ocidental "tomar o controle" pode ser "perder o controle". Uma evidente reflexão sobre o evolucionismo. 


 No século XIX, começaram os primeiros experimentos em torno da psicocirurgia, com um cientista alemão chamado Friederick Golz, que fez experimentos no neocórtex de cães, em 1890, relatando que os animais ficavam mais dóceis quando não operados. O procedimento foi utilizado em uma asilo mental na Suíça, dois seis pacientes esquizofrênicos que tinham alucinação, dois pacientes morreram e os outros ficaram em estado vegetativo. 


A prática do galvanismo era comum nos salões de experimentação científica, como uma forma "macabra" nos meandros entre o espetáculo público e a experimentação de teorias, muitas das vezes, não científicas, mas demonstráveis em algum nível. 


galvanism


O livro de Shelley foi um marco da literatura da ficção científica, não apenas por ser escrito por uma mulher, é até hoje uma das melhores e mais bem aprimoradas ideias já criadas, não é muito bem compreendido em sua extensão metafórica completa, por exemplo, o galvanismo como metáfora do carácter frívolo da compreensão científica, que é compreendida relação de autoridade e normalidade, Victor Frankenstein é expulso da universidade por querer fazer uma pesquisa sem ética em relação a vida. 


A metáfora é genial. Ao diagnosticar e tratar os esquizofrênicos com o choque, isso significa algo de perturbador sobre a sociedade da época. Na época do filme, anos 1930-40 quando o filme foi lançado ainda havia intensa utilização da técnica de lobotomia para tratamento das doenças mentais, inclusive no Brasil, até 1956, violando os acordos acordos pelo novo Código de Nuremberg, de 1947 que buscou regula as experimentações médicas após a Segunda Guerra Mundial. 


Precisamos entender naquela época a ciência ainda era rudimentar em muitos sentidos. Além da craniometria e da lobotomia, a prática da utilização de eletricidade e a experimentação em torno disso fez surgir a lobotomia para consertar problemas psicológicos, que é a prática de dar choque para resolver problemas psiquiátricos. Pode ser essa a metáfora do abandono que se converte em mais violência. 


A arte e a ciência são campos distintos, mas talvez o que Mary Shelley queria provar era a superioridade da psicanálise e da arte, em relação aos saberes médicos e biológicos, como a psiquiatria, e aos campos que se gabavam se ser "científicos", mas hoje em dia, são entendidos como métodos bárbaros, estimulados pelo placebo e pela autoridade. O livro pioneiro de Shelley é considerado por muitos como o primeiro livro de ficção científica já escrito no mundo. 


 Shelley fala de um lugar onde a ciência ainda é o entretenimento dos salões, a curiosidade pela eletricidade, pela filosofia natural. A reflexão é também bem antiga. A figura do médico e do cientista como vilão, como nas lendas alemãs, como Fausto que vende sua alma em troca de conhecimento e poder. A ideia era mostrar alguém que não teria ética científica, pois queria "vencer a morte". O que teria acontecido na vida do casal Shelley, pois sofreram muito na vida com a morte de seus filhos e problemas financeiros no início da vida. 


O contexto histórico real que não é entendimento por todos, é que as metáforas do que entendemos como sobrenatural de práticas reais. O Frankenstein de Mary Shelley é uma metáfora crítica do achismo na ciência. Foi escrito depois de um desafio do poeta Lord Byron, em decorrência de uma erupção vulcânica, eles tiveram que ficar em uma casa por dias na Indonésia, o desafio era criar uma história. Polidori criou "O Vampiro", que mais tarde inspiraria o filme Drácula, de Bram Stoker.  Que rolé!


Apesar disso, bebe também no estilo de livros de literatura de viagens, sendo o início do livro descrições de estórias e viagens de personagens em suas viagens e em relações sentimentais e familiares, utilizou de metáforas como "o elixir da vida" e a procura pela "pedra filosofal", ou leis da eletricidade e galvanismo (prática utilizar a eletricidade em seres humanos). O romance de Shelley pode ser visto como um dos melhores por expor um lado romântico não ligado ao carácter individualista e platônico, como na maioria dos romances, a grande sacada da visão de Shelley era usar de linguagem implícita para demonstrar grandes temas. 


Fala sobre os questionamentos do ser humano frente ao paradigma da criação concepção científica, esse estranhamento geral em relação ao conhecimento pode ser visto se pensarmos que naquela época, a ciência da craniometria, como em Cesare Lombroso, que com sua ciência fez surgir a área do direito penal, essa ideia era uma forma de praticar o racismo científico e possuía diversos defensores. Aqueles que queriam apontar através pela aparência do crânio o potencial de risco do indivíduo. O que era obviamente uma área racista e de achismo científica passava com louvor como verdade científica. Por isso alguns apontam que a questão da zumbificação social foi pela primeira vez vista em Frankenstein. 


A revista "Science", por exemplo, lembrou que o marca-passo foi uma tecnologia inspirada no romance de Shelley. As descobertas cada vez mais impactantes da ciência, da evolução em medicina. Se o romance sugeria se processo de criação como um fardo, ou uma responsabilidade, o filme é mais direto colocando o monstro como um grande outro na narrativa. Aqui vemos uma abordagem do tipo de narrador, ele apresenta a trama e explica um pouco do clima de Frankenstein. O lugar sentimental do livro é de confusão. No caso de Shelley, Frankenstein era a sensação estranha de ser uma mulher em um meio completamente masculino. 


O feminismo e o preconceito são vistos também no filme através da visualização de um mundo onde as mulheres são equipadas a crianças,  e não são consultadas para nada, quando Elizabeth é trancada sem que lhe fosse perguntado nada. O contexto do filme nos anos de 1930 demonstra que muitos dos debates suscitados pelo livro no século XIX estarem mais vivos do que nunca, com a lobotomia vivendo seus "dias de glória", por assim dizer. Essa é a reflexão que tiramos ao comparar o lugar histórico do filme com o lugar histórico do livro. 


Quando para consertar o mau comportamento de Frankenstein, tentaram em certa parte do livro arrumar para ele uma esposa. Essa parte não é abordada no filme, e por isso é feito depois o filme "A esposa de Frankenstein (1935)", que contém o mesmo ator do primeiro filme, fizeram isso para tentar consertar os furos do primeiro filme. Apesar de punitivo e um pouco conservador, o filme inovou por trazer a obra de volta ao imaginário popular a figura da literatura do século XIX. O diretor do filme James Whale acabou entregando um filme um pouco diferente da ideia do livro, com uma ideia mais focada no horror, e com um final feliz, ele era homossexual e depois se suicidou. 


Digo isso pois a moral da estória é que o Frankenstein é a metáfora da domesticação e da normalização, e do preconceito que tanto homossexuais e mulheres sofram na sociedade, refletido como uma trauma literário. O monstro do filme é interpretado por Boris Karloff, e sua caracterização que foi muito discutida no filme, acabou sendo uma das mais típicas da história do cinema. 




A repulsa instigada pela criatura originalmente no livro demonstrava traços da história que abordavam a injustiça, o preconceito. No filme mostra isso claramente, na cena onde é demonstrada a diferença entre um "cérebro normal" e o "cérebro de um criminoso". Mostrando o quanto isso parece já ficção, mas era considerado real pela ciência e pela sociedade da época. 


Outra diferença é que a criatura do livro de Mary era amarela e não verde. Ao tentar fazer um experimento secreto, que havia feito Victor ser expulso da faculdade, ele se isola para fazer experimentos com partes de cadáveres para tentar criar a energia inicial da vida. 





Outro pano de fundo é noção de beleza e romance integradas ao horror com maestria. O objetivo é demonstrar a relação de criador e criatura. O medo e as aparências andam lado a lado, levando criador a abandonar a criatura, em uma relação de carência-captura, isso leva o monstro a querer se vingar em busca de derramamento de sangue. 


Uma confusão linguística ocorreu quando o filme foi lançado em 1931, Frankenstein (1931) era o nome da família do cientista criador do monstro, mas quando o filme foi lançado, a cultura popular foi associar o nome do filme ao monstro, que ficou famoso no imaginário da época. A explicação é que a criatura era "filho" do homem e por isso tinha o mesmo nome. Ao se isolar para fazer os seus experimentos, Victor se isola também de sua noiva, que passa a querer saber o que tem de errado com ele. 


Depois dele perceber que estava perdendo a cabeça em nome de defender sua criação, resolveu seguir sua vida normal com sua noiva Elizabeth e seguir a genealogia da família Frankenstein, mas Elizabeth certa hora olha para ele e diz que está sentindo que algo vai acontecer, quando ele vai atrás de seu assistente, ele tranca ela lá, o que pode mostrar que ele também já era autoritário, não apenas "sua criatura", que entrou pela janela aberta.




No dia de seu casamento, ao tentar conter o monstro que já havia fugido e matado uma criança da cidade. O que fez a população se unir para caçar o monstro. Mostrando uma sequência no filme de rituais nacionais e de comunidade, mostrando que o justicialismo em uma das cenas mais marcantes, onde a população  apenas espera uma tragédia para tirá-la de suas tradições cotidianas, pois aquela sociedade alemã do século XIX era extremamente suscetível a um processo de criação de figuras de inimigos através do medo da violência.  


frankenstein-monster


História por trás do filme e produção


 A maquiagem do monstro foi feita por Jack Pierce, junto com Clive e Karloff, o elenco do filme também inclui Mae Clarke, John Boles, Dwight Frye, e Edward Van Sloan. Frankenstein foi considerado de patrimônio histórico nacional pela biblioteca do congresso americano em 1991 pelo seu valor estético, cultural e histórico. 




Todo mundo já ouviu falar sobre alguma estória de monstros, criaturas e demônios. Fazem parte do imaginário popular sobre filmes, séries e livros. Mas poucos fizeram tanto a cabeça das gerações, e ainda nos fazem perguntar sobre a atualidade de clássicos antigos. O estilo gótico era uma forma de crítica ao lado ruim do romantismo, é nesse lugar que situa-se a obra de Shelley. Antes mesmo da bomba atômica, já havia esse tipo de reflexão na obra de Mary Shelley. 


Já o filme de 1931, demonstra um recorte mais conservador e centralista, do que aquela profunda reflexão e indagação geral que é produzida, por sua vez no livro a lição é um pouco mais profunda que isso. Por isso, vamos analisar em duas partes, uma o filme, outra o livro. Se o filme de 1931 sofreu com a influência da censura que já começava a desenhar, a censura estava completamente implementada de maneira geral em 1933... 


O filme foi lançado com uma ideia bem conservadora, de inimigo público, em uma época onde só foi possível por ser o período histórico posterior a crise de 1929 (onde os filmes de escapismo, ou de gênero, como terror, eram estimulados para agradar as massas cansadas do trabalho pesado). Quando o filme foi relançado em 1938 (quando o código se tornou automático na produção de filmes de Hollywood), tinha regras agora mais rígidas ainda. Teve cenas cortadas por conta da censura, que permaneceram perdidas até 1985. 


Uma cena que é lembrada por Robert Horton, ele nota em seu livro sobre o monstro, que a cena trágica foi encurtada ao não mostrar a iniciativa da criatura e sua reação a morte da criança, fazendo a cena do corpo de Maria sem vida ser mais ser mais sinistra ainda. 


Outra cena encurtada era a cena onde a criatura perseguia Elizabeth até seu quarto, algumas linhas de diálogos foram removidas, foi retirada a cena da descoberta do corpo de Fritz. A cena onde Colin Clive (o doutor) fala "sei como é ser como Deus" foi retirada e coberta com um raio na edição, tornando a cena clássica aquela do "It's alive!". Outra coisa censurada foi um close-up em uma injeção de agulha, e o olhar de horror Fritz levanta uma tocha em sua cara. 




Frankenstein é marcante, primeira adaptação da obra de Shelley, e completa 92 anos esse ano. Foi nessa época também que a maioria dos filmes passou pelo começo da regulamentação da PCA (Production Code Administration), escritório do código de censura (o hays code), ditava regras que a maioria dos filmes devia seguir, de "moral e bons costumes", como também, "nenhuma ofensa ao tradicionalismo, a religião e aos papéis tradicionais de homem e mulher". Mesmo assim, o sucesso desse filme gerou uma moda justamente proporcional a nova censura de filmes sequência da história do Frankenstein. 


Diferente do filme de 1931, que se inspirou em uma peça de teatro de Peggy Webling, que é mais sobre o monstro em si. Frankenstein apesar de aterrorizar a todos, é nitidamente pela linguagem, inocente e faz violência sem pensar. No filme isso não é muito percebido, por isso o filme é mais conservador que o livro em diversos sentidos, quando foca, por exemplo, no linchamento e no medo ao monstro do que na metáfora científica . A reflexão que o monstro nasce inocente, e vira violento ao ser abandonado, é essencialmente uma genialidade do livro que não foi para esse filme. O filme era mais para ser um barato audiovisual para massas, por isso a estética e a qualidade do filme são impecáveis. 




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