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Os 7 de Chicago: "O mundo inteiro está assistindo" ou como longa descreve o surgimento da nova esquerda nos Estados Unidos


 A história do filme da Netflix de 2020 é baseado em fatos reais, filme é do diretor Aaron Sorkin. O julgamento dos 7 de Chicago, em título original era "Conspiracy 7",  esse julgamento foi um evento marcante na virada história recente da política americana. O julgamento por conspiração aconteceu em meio a gritos de "O mundo todo está assistindo" proferidos no filme pelos manifestantes



 

Os Estados Unidos entraram na guerra do Vietnã em 1964 com Lyndon Johnson, que era um democrata conservador, que fez os Estados Unidos encabeçar um tipo de política externa anticomunista. Depois disso, um republicano com a mesma ideologia assumiu: Richard Nixon. 


Alguns fatos curiosos: esse julgamento foi o primeiro nos Estados Unidos baseado na lei anti-manifestação, que foi considerada por muitos como uma lei que ia contra o primeiro princípio constitucional americano: a liberdade de expressão, que incluía na Carta Constitucional americana básica o direito de reunião popular. O advogado criminalista, William Kunstler, sabia disso, então fazia do julgamento um evento midiático, já que ele e os Yippies eram conhecidos por estimular um conceito chamado guerrilha teatral. O filme vem em bom momento histórico, depois da invasão ao capitólio. 


É fácil confundir os republicanos com os "terroristas" e "baderneiros", mas basta lembrar que era a mesma táctica para condenar os 8 de Chicago. 


O grande juri esperou a posse do presidente Richard Nixon para nomear John Mitchell na Procuradoria Geral, isso porque o procurador antigo foi substituído por culpar a polícia pela brutalidade do evento. Em 20 de março de 1969, 8 foram acusados de diversos crimes federais e violação dos "direitos civis". Acontece que a lei dos direitos civis, que aboliu nos Estados Unidos formalmente as legislações estaduais de segregação, veio para aprovação no congresso com medidas extras que freavam a possibilidade de livre manifestação. Quase como se a lei dos direitos civis estivesse sendo usada contra a própria esquerda em uma jogada jurídica maliciosa do sistema americano. O caso ficou tão famoso, que se criou uma espécie de comité para financiar a defesa dos acusados, chamado de "conspiracy office". Em 1968, já estavam todos cansados da guerra, quando houve a convenção do partido democrata, foi como uma catarse. Ao todo, já haviam morrido quase 5000 pessoas no Vietnã, e o conflito não parecia remotamente controlável. 




O juiz Hoffman foi implacável durante todo o julgamento, instruindo o júri, e até mesmo se metendo na frente da promotoria, e deu para cada um no final, uma pena de 5 anos de prisão, e 5000 dólares de multa para cada, mas com o tempo as condenações do juiz Hoffman foram vistas como parciais e autoritárias. As penas foram posteriormente e revistas posteriormente em segunda instância. A época de 1970, a guerra internacional americana perde força, e há no mundo inteiro o surgimento da nova esquerda. Nos Estados Unidos, esse filme retrata muito bem o tipo de debate entre esquerdas e movimentos sociais específicos. 


 Os jovens presos e acusados foram Abbie Hoffman, Jerry Rubin, David Dellinger, Tom Hayden, Rennie Davis, John Froines e Lee Weiner, e o oitavo seria Bobby Seale, que por conta da violência com que foi tratado pelo juiz, teve seu julgamento cancelado no meio.  No filme, o juiz tenta o tempo todo colocar o advogado dos outros como advogado de Bobby, pois seu advogado Charles Garry estava no hospital impossibilitado defender seu cliente.  A questão era que o prefeito da época, Richard J. Daley, do partido democrata queria fazer da condenação dos 7 de Chicago um exemplo. No tribunal, as testemunhas de acusação eram todas funcionárias públicas do governo, agentes infiltrados, etc.  


Entramos assim em um debate teórico sobre movimentos sociais e o paradigma da nova esquerda. A intelectual que foi também muito perseguida por ser comunista, Angela Davis inovou com sua ideia de ligação e fortalecimento dos movimentos sociais pensados como interceccionalidade das pautas. Mas nesse caso específico, a ideia de união dos movimentos sociais, de cada representante serviria para condenar juridicamente e pessoalmente os envolvidos por crime de conspiração e sedição. Por isso, o tempo todo, a estratégia de defesa dos acusados era cada um se defender individualmente. Para a história ficou marcado como exemplo de sanha punitivista, já que muitos desses rapazes viraram políticos como Tom Hayden.  


Teoricamente, essa concepção serviria para fazer uma verdadeira revolução. Mas com os Estados Unidos, país onde nem a esquerda pensa em revolução, os debates acabam sendo entre certos grupos políticos, o grupo dos hippies, o grupo dos panteras, o grupo dos estudantes sociais democratas, como aqueles de DCE típicos, que falam contra a quebradeira, mas na hora da emoção, são os primeiros a quebrar tudo. 


O filme talvez peque ao demonstrar os hippies como salvadores pacíficos e mais corretos como representantes da nova  esquerda, exatamente por isso. Nesse sentido, houve um debate no filme sobre quem acreditava na diferença entre republicanos e democratas, como Tom Hayden, e quem acreditava no cinismo do bipartidarismo americano, representado no fato do prefeito da cidade que estava perseguindo eles ser do partido democrata. Um baita debate sobre a verdade das divisões políticas dentro da efervescência e do culturalismo que marcaram a época da contracultura nos Estados Unidos, mais conhecida pela manifestação geral de Woodstock. 



Sasha Baron Cohen que interpreta Ebbie Hoffman, líder dos "Yippies", ao lado de Jeremy Strong que interpreta Jerry Rubin, mas que parece o Gregório Duviver. 


O filme termina assim, sem aceitar uma "transação" do juiz de direita, o Tom Hayden, que simbolizava o jovem bem comportado e que escrevia sobre direito, termina o filme depondo em juízo sua declaração final, que era a leitura de obituário do nome das vítimas americanas da guerra. Eles foram condenados a 5 anos, algumas penas foram revistas, e muitos dos "7" de Chicago, acusados pelo riot, viraram políticos famosos do partido democrata, como Tom Hayden, que já foi até casado com a atriz Jane Fonda. 

Tom Hayden no filme de um lado, e o Tom da vida real na segunda imagem. 


O julgamento foi tão midiatizado, que vários escritores e intelectuais famosos participaram dele, como o comediante Dick Gregory, o poeta Allen Ginsberg, o escritor William Styron, cantores como, Arlo Guthrie e Judy Collins. Os Estados Unidos viviam um tempo de conflitos internos intensos, e de mudança no comportamento social generalizado. Aos poucos, as leis de segregação foram abolidas, mas em seu lugar, surgiu o recrudescimento do racismo cotidiano, e das perseguições políticas, jurídicas e policiais. 

 

A frase que é gritada pelos manifestantes que ficam do lado de fora do fórum é "o mundo todo está assistindo", a frase é a mesma do livro de Todd Gitlin, sociólogo americano, que tem como subtítulo: "Mídia de massa na construção e na desconstrução da nova esquerda". O livro comenta o episódio como uma clássica forma de midiatização e politização do julgamento comum.  O motivo do começo do tumulto, um jovem subiu em um poste para abaixar uma bandeira. A força policial e de militares nas ruas eram de quase 20 mil efetivos.


Depois de manifestações e protestos da juventude do partido, dentro da convenção democrata de 1968, o clima da juventude era contra a guerra do Vietnã,  os líderes de diversos movimentos políticos foram apontados como terroristas, e foram responsabilizados pelo tumulto que ocorreu entre a polícia e os manifestantes. Os julgados variavam entre tendências, ideologias e posturas. Muito comuns em um país de sistema praticamente completamente bipartidário. O partido democrata serve como um grande guarda-chuva dos progressistas. 


Para o jovem Tom Hayden, interpretado pelo ator Eddie Redmayne, é o ex presidente da Sociedade de Estudantes pela Democracia. Para ele, seus colegas hippies atrapalham a verdadeira mudança social  e estrutural por insistirem em identidade ideológica, roupas e estética parecida com a de Woodstock para serem de esquerda. 


Para eles até certo momento do filme, a razão pela qual a polícia persegue os esquerda seriam essa "nova esquerda", das drogas, do rock e do movimento anti establishment representados pelo personagem de Sasha Baron Cohen. Mas descobrimos ao longo do filme, que quem "começou" o tumulto foi o próprio jovem mais social democrata do bonde. 





Bobby Seale: interpretado pelo ator Yahya Abdul- Mateen II como Presidente do Partido dos Panteras Negras, que era o oitavo réu. Esse é o personagem de história mais impressionante. Trabalhava na construção de projetos importantes da NASA, como o projeto Gemimi. Foi um dos líderes e organizadores da época dos Panteras Negras.  Bobby é um exemplo de excesso por parte da corte americana.  O juiz Hoffman sentenciou e ele foi amordaçado por querer se auto representar no tribunal. Um claro sinal de abuso e irregularidade. 


Abbie Hoffman, sem parentesco com o juiz, como foi salientado no filme,  era o réu que estava ali como representante do Partido Internacional da Juventude, os Yippies, que foi interpretado por Sasha Baron Cohen,  foi um dos que foram presos, depois escreveu o livro "Steal this book" (Roube esse livro), que influenciou o disco do System of a Down. Tudo que queriam era fazer um festival, até mesmo não político, mas não foi o que aconteceu. Outro personagem era o Jeremy Strong como Jerry Rubin, fundador dos Yippies. 


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