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Carmen Miranda: O que o tico tico no fubá pode nos ensinar sobre a política da boa vizinhança nos governos Vargas e Roosevelt?


 Carmen Miranda, cantora nascida em Portugal e criada no Rio de Janeiro desde um ano de idade. A cantora foi a embaixatriz do samba, também conhecida como a "pequena notável", a chiquita banana, ou lá fora, como "the brazilian bombshell"

Quando nos perguntam sobre como descrever alguma coisa, algum país, alguma região, ou alguma cultura. Isso em algum nível, envolve o debate sobre a autonomia e a profissionalização da classe artística, em decorrência de uma nova cultura de trabalho. 

O artista podia ser um embaixador da ideologia nacional. O caso de Carmen é notável por ter demonstrado um carácter profícuo de produção vasta, e de continuar na mesma postura profissional mesmo em contato com os musicais estrangeiros. 

O ambiente não poderia ser mais favorável. Era a época que antecedia o Estado de bem estar social. O cinema novo, a vinda de Orson Welles ao Brasil para filmar um filme de carnaval, a produção de filmes de Walt Disney sobre o Brasil foram parte desse caldo cultural. 

Para essas integrações serem verdadeiras, os contextos de economia, política e guerra por detrás acabam revelando as intenções de "pão e circo" que cada país elabora em busca da coesão social, e do orgulho nacional. O que penso de soslaio, em primeiro movimento em símbolos, em respostas mais fáceis, utensílios. 


As bananas de Carmen podiam ser só dela nessa época, mas depois apareceram na moda moderna, e depois no disco do Velvet Underground, como também, podemos ver referência a nossa "iconografia populista" no filme Bananas de Woody Allen, que retrata um típico golpe militar latino, ou caribenho. 


A referência a estética das frutas está na nossa bandeira, nas nossas roupas, e isso em parte responsabilidade da cantora. O uso do arquétipo nas composições e jogos sociais, é usado para se entender um povo de maneira mais simples.

 A cabine de telefone inglesa, o Tio Sam americano, o chapéu de palha mexicano são elementos, coisas e balangandãs, ou no caso da Carmen Miranda, o turbante de frutas. Esses itens  servem para representam regiões. O nosso, e da américa latina, é a banana. Uma referência do alto índice de exportação de produtos de base primária que o Brasil sempre teve. 

Mas o mais incrível é que podemos entender, ou pensar que entendemos sobre outros países através de pequenos detalhes e elementos culturais, produzidas através das classes sociais e do próprio povo local, que com criatividade mescla influências de diversos tipos endógenas e exteriores, para compor o caldo de cultura de uma região.  

Seu nome verdadeiro era Maria do Carmo Miranda, mas o apelido virou nome e marca. Filha de imigrantes portugueses, acabou sendo a porta voz daquilo que não era: a figura da baiana. A cantora fez seu primeiro álbum em 1929, com a parte instrumental feita por Josué de Barros, um músico baiano. 



Quando pensamos em Carmen Miranda, pensamos em como que ela foi a primeira artista brasileira que conseguiu cruzar as fronteiras, e mais do que isso, que ela fez isso trazendo uma grande iconografia tropical junto com ela. 


Sua importância além de artística, é também notável se pensarmos a política de integração que esteja em voga por conta da guerra. O Brasil era o "celeiro" de comida e suprimento de matérias primas para os aliados. 

A política da boa vizinhança dos Estados Unidos produzida por Franklin Delano Roosevelt constituiu uma tentativa de amenizar a américa latina como palatável ao gosto americano e vice versa. A Carmen Miranda já vinha fazendo grande sucesso junto com a cena de artista do grupo de rádio Mayrink Veiga, como Emilinha Borba,  Nélson Gonçalves.  

Essa rádio ficou famosa por anteceder o sucesso da Rádio Nacional em importância simbólica, mesmo que Carmen nunca tenha trabalhado ali, onde foi um grande polo de cantores nacionais. Mesmo assim,  ela também influenciou uma importante forma de legado nacional, que é importante para entender o cenário da época. 

Carmen se mudou para os Estados Unidos em 1939, e de lá participou de diversos filmes, como "That Night In Rio" (1941) Aquela Noite no Rio. Ou de filmes como Spring Time in the Rockies (1942), Primavera nas Montanhas. 

Esse foi um filme feito em 1941, um ano do Brasil entrar definitivamente ao lado dos aliados. O primeiro filme internacional que participou foi "down argentine way", dirigido por Irving Cummings. 

O debate em torno de Carmen Miranda e da questão daqueles que fizeram o circuito pré tropicalista.


O grande comediante Groucho Marc e  a cantora Carmem Miranda juntos abraçados. Os dois protagonizaram o filme Copacabana (1947).



Carmen Miranda possuía todos os atrativos para instigar, era linda, talentosa, simpática, e parecia ter uma atitude de vanguarda. Suas roupas e atitudes extravagantes marcaram uma certa personalidade. Influenciaram estilistas, tais como, Jean Paul Gaultier, Charlotte Dellal, and Marc Jacobs.

A mudança no comportamento de uma sociedade rural, autoritária com as mulheres, e de extremo moralismo, convivia com esse novo universo de liberalidade produzida pelo contexto de guerra. O objetivo principal era afastar a influência europeia da américa latina. Ou seja, era para nos americazar;



Na mesma esteira de Carmen, produtos culturais como "Você já foi a Bahia?" da Disney, que mostra um primo do Pato Donald: o zé carioca, personagem brasileiro que surgiu para fortalecer essa aliança. 


Carmen participou da era de ouro do rádio, em estações famosas como a Mayrink Veiga. Era a cantora favorita das marchinhas de carnavais. Era o tempo dos primeiros diretores de filmes nacionais, como Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro. 

  Estreou filmes no brasil como Alô Alô Brasil (1935), e Alô Alô Carnaval (1936). 



  Não podemos esquecer também o clássico Aquarela do Brasil (1942), que mostra também essa diversidade característica brasileira com essa cena abaixo, onde Carmen está cantando em um porto, enquanto trabalhadores descarregam açúcar. 






Dentro do contexto da chegada dos anos de 1940, os países começaram a viver a Segunda Grande Guerra mundial. Novos hábitos como uso de automóveis, viagens de avião, comida congelada, comida enlatada, cultura enlatada, era tudo parte de um mesmo contexto social. 

Dessa maneira era de interesse dos Estados Unidos manter o Brasil como filial aos aliados e não aos países do eixo. O Brasil até 1942 era neutro no conflito, mas possui negócios tanto com a Alemanha, quanto com os Estados Unidos. Era a época de governo de dois presidentes que possuíam grande característica estatal, por isso fazia sentido a criação de produtos culturais tão acessíveis que poderiam ser feitos dentro de agências de turismo.


 O governo de Getúlio Vargas e Theodore  Roosevelt foi marcado pelo progressismo estimulado pela cultura da guerra. Na época de ouro dos anos 1930, 1940, o rádio possuía artistas como Carmen Miranda,  Francisco Alves, Orlando Silva. Carmen gravava músicas de artistas muito conceituados como Mário Reis. 


Cantores versados em interpretar canções muito bem escritas, ás vezes por Lamartine Babo, ou mesmo depois, quando gravou canções de grandes compositores, como Dorival Caymmi. 

Carmen Miranda, quer ou não, divulgou uma imagem de Brasil e América Latina, que foi muito consumida, e que influenciou hábitos no cinema, na música, e nos costumes em geral. 


Antes da geração dela, as mulheres artistas ou cantoras de rádio era consideradas "mulheres da vida". Com o advento das leis trabalhistas, e o desenvolvimento cada vez maior do Brasil. Para os "aliados", ter o Brasil como amigo era como ter uma horda de bananas e gêneros alimentícios, estes gêneros alimentaram os pelotões na guerra, e ajudaram a confirmar a "vocação agrária" da política externa daqui. 


O Brasil pela primeira vez, mandou tropas nacionais para além do nosso continente, e participou decisivamente da tomada do monte castelo, da libertação da Itália, e por consequência, também esse "poder suave" da cultura, ajudou a moldar a cultura dita moderna e pós moderna.  O que vemos em Wandy Warlot. Carmem Miranda era um sopro de modernidade, por mais tradicional e simples que fosse, sua técnica era próxima da perfeição, trouxe o "rebolado" brasileiro, demonstrando como que sabemos dançar mais que os outros países, e o quanto nossa música, mesmo popular, poderia alcançar níveis de absurda qualidade, mesmo que fossem tunes simples e animadas, até infantis. Essa técnica "suave" de poder cultural e nacionalismo da cantora demonstrou uma perícia das produções culturais brasileiras, que estavam começando. 


Os filmes brasileiros eram bons, mas a maioria na época, ainda contava apenas com a captura do filme, não sendo ainda áudio visual. Por isso que Carmen Miranda era mais viveu no Rio de Janeiro a efervescência da cultura do rádio, mesclada com a cultura do teatro. Foi a época que o rádio passou de mera inovação tecnológica para as elites, e se dinamizou como veiculo de comunicação oficial dos governos, por exemplo, o advento da "hora do brasil", como hora de informativos nacionais.


Alguns criticam pelo carácter de caricatura. O que quer dizer que o que a cantora fazia era se lançar como um personagem, que foi consumido ou desenhos infantis, ou comédias românticas. O que Carmem Miranda representava era uma invenção de mulher americana do sul, ainda não conhecida. Era uma forma de "invenção" de mulher dos trópicos.  

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