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Borat 2 (2020) mostra um Estados Unidos real e decadente

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O segundo filme do Borat esbanja a já tradicional ironia, deboche a audácia de brincar com o orientalismo.  Um país híbrido entre a cultura do origem médio e a cultura da antiga União das Repúblicas Soviéticas, o antigo "Cazaque".


A chave da graça do humor de Borat sempre foi a brincadeira com uma forma de orientalismo.  O Cazaquistão é um território que correspondia ao domínio da antiga União Soviética.


 O comediante Sacha Baron Cohen, famoso comediante, que já tinha surpreendido o mundo com uma sátira da cultura de seu país de origem: o Cazaquistão, última nação a se tornar independente da União Soviética. A técnica desse comediante foca em encenar, e as vezes até mesmo fazer mesmo situações ao estilo "mockumentary" que ensejam a realidade dentro de uma narrativa fílmica. 


O primeiro filme era sobre o estranhamento que a cultura de um país como o Cazaquistão podia gerar ao entrar em contato com a cultura americana. O segundo filme, muito mais político e ideológico, é sobre o estranhamento do mundo inteiro com a cultura americana e trumpista dos últimos anos dos Estados Unidos. 


A diferença entre os filmes demonstra a superioridade do segundo filme, que foi dirigido nesse ano de 2020, por Jason Woliner. A história aborda a filha de Borat, a Tutar, e como ela quer virar uma "nesting doll" (boneca de porcelana), que é um jeito de qualificar o costume de venda de esposas, que é associado com a tradição das mulheres na Rússia. 


Ao longo do filme, acontece um desvelar que a "filha" do Borat descobre através de um encontro de mulheres republicanas nos Estados Unidos que seu pai, que havia levado ela até os Estados Unidos para arrumar algum homem ao estilo Trump para que ela passasse da propriedade dele, para o outro. 


Nesse encontro de mulheres republicanas, nossa personagem descobre que seu pai e toda sua cultura havia mentido sobre várias questões. As mulheres republicanas explicaram para ela que ela poderia dirigir se quisesse, que ela poderia se masturbar. Ou seja, o feminismo foi explicado através das republicanas, o que faz sentido, pois nessas últimas eleições americanas, a bancada feminina conservadora aumentou muito no parlamento americano. Essa cena é metáfora disso. 


A reflexão do filme através da saga de Borat no final é uma teoria da conspiração em si. Ele passa por diversos cenários caros a extrema direita americana, como a Associação dos Rifles, um festival onde ele canta vestido de americano white trash; um comício do vice presidente americano Mike Pence, onde o ator que faz o Borat realmente se vestiu como Trump e participou da reunião republicana e foi tirado a força de lá por tentar oferecer sua filha. 


A cena do Borat vestido de Trump, que realmente ocorreu está aqui embaixo e é hilária. O ator disse que ficou o dia inteiro se maquiando para parecer Trump.




A história do filme gira em torno de arrumar um casamento com um "bom republicano" para a filha de Borat, mas para fazer isso, a jornada em torno de conhecer esse noivo  seria para "conquistar a américa". O vilarejo de onde Borat saiu expulso antes, agora era de todo seu alcance. 


A inversão dos valores morais que o filme fala é sobre a crença que os Estados Unidos é o melhor não bater com  a postura chula do partido republicano, que é contra a ciência, o feminismo, e claro, contra o vírus chinês "produzido pelos democratas". Em certo momento, encontramos com a única democrata do filme, logo no início. O momento em que essa conspiração é ressaltada é quando Tutar descobre as mentiras do pai e ele encontra dois republicanos típicos que falam mal da quarentena, dizendo ser controle dos democratas, mas praticam as medidas na vida real, por obedecerem a lei e por já possuírem o hábito de ficar em casa. Uma contradição muito engraçada. Eles falam mal do isolamento sozinho, porém, o praticam. 


Na vida real, foi arrecadado dinheiro para essa senhora, uma babá negra (única personagem lúdica do filme), que participa do filme falando para Tutar,  que não precisa colocar seios para agradar um pretenso homem, apenas com a idade de 15 anos. A babá na vida real foi ajudada pelo ator Sacha Baron Cohen em uma vaquinha para comprar uma casa para ela. Ela representa o novo eleitorado democrata.




No final do filme, Borat descobre que sua missão de conseguir casar sua filha, para não ser morto por seu governo era apenas um pretexto, e que era ele que estava infectado com o vírus (o covid) e passou o corona vírus para todos os lugares que passou! 


O exemplo da primeira dama dos Estados Unidos, Melania Trump, é o que a jovem quer seguir e possuir sua "gaiola de ouro", pois em tese, mulheres são cachorros. O filme nos conta uma história de naturalização da opressão e do machismo, com a mulheres tendo que ler kits dirigidos ao público feminino que ensinavam as mulheres que não poderiam se masturbar, o que lembra um pouco a polêmica do kit gay no Brasil e as fake news. Tanto que o filme conta com a "ilustre" presença do presidente Bolsonaro, que se elegeu com a mesma retórica no Brasil.


A reflexão é que existe um "lado bom" do declínio da cultura americana, um lado bom fruto de toda a auto destruição dos republicanos trash no poder: ninguém mais acredita no soft power americano. Desse modo, todo aquele estranhamento que o mundo tinha com países de culturas diferentes, como na ideia do primeiro filme do Borat é substituído por uma vontade generalizada das nações, como o Cazaquistão de aos poucos substituir o que teria de opressor em sua cultura. 


Também pode-se refletir, que esse processo de locais que usam blogs e fake news para "ser republicanos" de fora dos Estados Unidos,  é apenas uma forma  de "bico" feita para aproveitar o baú de dólares provido pelo ocidente e gasto em besteiras, como a famosa história dos "garotos da macedônia" que foi considerada "o motivo da eleição de Trump", ou seja, essa sendo uma teoria conspiratória vinda dos democratas.  O que essas nações esconderam é que querem imitar na realidade, os costumes democratas da américa, e por isso querem tomar partido e usar a política como uma forma de gibi.  


Por isso em certa cena, aparece alguém escrevendo pro Trump, como se fosse um trabalho free lance, ou forma de "zuar" o ocidente coisas como "Sou negro e apoio Trump", ou seja, que os países produzem fake news como estratégia de trabalho. Esse exercício da opinião, segundo a moral do filme, fez com que países passassem a querer pegar a bandeira do "soft power" e da "civilidade", como por exemplo, a Tutar ter ido de "viver em uma gaiola", para trabalhar como jornalista, tanto nos Estados Unidos, tentando "entrevistar" um amigo do Trump, como também trabalhar na cobertura de eventos de sua terra local. 


Uma reflexão de que quando os Estados Unidos está em baixa, surge a possibilidade de outras nações "roubarem" a ideologia do progresso. Isso é evidenciado no final do filme, onde os personagens desistem de tentar a vida na américa e de ser republicanos, para cobrir um evento local de rinha, onde o boneco americano trumpista era morto pelo boneco da vacina. Uma referência de que as nações do mundo não são bobas e entenderam que com Trump no poder, os Estados Unidos é o principal inimigo a ser combatido. 


A reflexão aqui do final do filme é muito interessante e serve para a gente entender que o segundo filme do Borat é melhor que o primeiro. No primeiro rimos de um cara doido mal acostumado, vindo do oriente médio e sua falta de trato com a cultura ocidental, no segundo filme, rimos do autoritarismo americano e refletimos que toda nação tem os seus "terraplanismos", e que o povo do Cazaquistão não é burro, nem nada do tipo. 


É uma mensagem linda de que as nações não precisam nem mais rir delas mesmas. Afinal, se queremos rir de algo ou estranhar, apenas basta olhar  o lócus ideológico do partido republicano, seus apoiadores e seus hábitos e contradições. Por fim, termino com a reflexão: podemos tentar parar de apontar o oriente, ou países de fora do eixo ocidental como estranhos e observar o que há de estranho em nossa cultura. 


Afinal, o hemisfério ocidental dos Estados Unidos elegeu Donald Trump há quatro anos atrás, e não teria também uma cultura anti feminista, anti democrática  e anti progresso? Se é assim, qual é o motivo para "cancelarmos" os países que saem um pouco da nossa cultura se não cancelamos os países "desenvolvidos" que cometem erros grotesco? Se é assim, essa postura de estranhamento não parece apenas orientalismo da nossa parte? Essa é a reflexão mais profunda que podemos traçar no filme do Borat, inclusive, para nós mesmos enquanto brasileiros. 

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