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"Maior Abandonado"(1984): álbum do Barão Vermelho expôs os preconceitos da elite carioca

 

Álbum inovador da banda Barão Vermelho demonstrou com genialidade as contradições de ser jovem no Rio de Janeiro, e colocou em pauta a sociologia urbana. 


O grupo formado por Cazuza, Frejat,  Guto Goffi, Sérgio Serra e Maurício Barros, poderia não ter ideologia política certa naquela época. Mas hoje em dia, Frejat, por exemplo, é filiado ao PDT e filho de quadro político antigo do partido. 

O ano de 1984 foi marcado pelo lançamento do álbum álbum "Maior Abandonado", da banda Barão Vermelho. Tentando soar como música de fossa. Barão Vermelho (the red baron) foi um conhecido piloto alemão, engenheiro que teve fama mundial na Primeira Guerra Mundial. Por coincidência,  alguns dizem que esse é o pseudônimo de Manfred Von Richthofen, tio avô do pai de Suzane Von Richthofen (a moça que matou os pais). 

O nome da banda parece não ter um significado x, mas podemos relacionar com a cultura do herói, do gibi e do encantamento juvenil com heroísmos de guerra.  Mas o jovem no Rio, não teria nenhuma guerra para lutar, o que resta é fazer música mesmo e ao estilo "eu era garoto, que amava os Beatles e os Rolling Stones". Cazuza foi um artista com opinião ímpar, esse foi o álbum que primeiro estourou a banda, e credenciou o Barão Vermelho como banda de grande público, um ano antes do Rock in Rio de 1985. Maior abandonado é  terceiro disco da banda. Também foi em 1984 que o filme com Débora Bloc, inspirada na música "Bete Balanço", o filme aborda a realidade da classe média carioca, com vontade de libertação, mas pressa na vida comum, pois passou no "vestibular" e tem um namorado fixo. 

O clima político de reabertura frustrada, redescoberta de valores ligados com o desejo de redemocratização, e hibridização entre a cultura local regional carioca, e som com intenção de ser rock "mundo" e carioca da gema ao mesmo tempo. Por isso que esse álbum credenciou a banda para tal evento. A ideia geral do álbum denota também uma postura de escárnio com o tipo de opinião pública média. Reflexões como em "Milagre":  "nossas armas estão na rua, é um milagre, elas não matam ninguém", refletindo exatamente essa mentalidade reformismo que marca o discurso da Segurança Pública no Rio de Janeiro. 

O mais importante em música é entender o gênero e o contexto. Um álbum nunca é apenas um compilado de músicas, um álbum denota um "conceito", uma "pauta", uma "ideia". A segunda música "baby Suporte"  tem versos como este: "Cada carinho é o fio de uma navalha. Oh! Baby, não chore. Foi apenas um corte. A vida é bem mais perigosa que a morte". 

Não tem como falar sobre esse álbum sem tocar nas questões políticas e ideológicas que estavam em voga na época. A faixa de abertura "Maior Abandonado" pode ser uma brincadeira em forma de metáfora romântica que representa o Rio de Janeiro como um local policialesco, confuso e glamoroso. O extenso controle parental, uma verdadeira "polícia das famílias". Também faz parte da cultura do enquadro e da vigilância. 

Essa questão do "estou perdido, sem pai nem mãe, bem na porta da sua casa", uma brincadeira com a forte preocupação, ou pelo menos, uma sensação de reação da sociedade carioca com chacinas, violência policial, , e a forte cultura da figura do "pivete", palavra que foi abolida da academia por ser desrespeitosa, assim também com a palavra "menor", por isso a brincadeira do "maior abandonado", uma brincadeira com o debate da maioria penal e da responsabilidade cívica. A tradição do PSB envolve a análise das "crianças abandonadas", ou análise de pobreza. São estudos como de Irma Rizzini

Com uma sonoridade influenciado por The Doors, Rolling Stones, mas que mesclava com o vocal de Cazuza com a sonoridade local da Bossa Nova e do samba. Ou seja, é como se Cazuza guiasse através das músicas de seu álbum vários cenários eleitorais do Rio de Janeiro. Maior Abandonado foi um grande hit homônimo ao nome do álbum.

 As preocupações no Rio de Janeiro, por sua tradição ferrenha da coisa pública e dos servidores, convive com forte conservadorismo, e que não é a favor das corporações privadas. Rio é um lugar onde o socialismo, não estranha a ideia de valores cristãos, mas gosta de brincar de progressismo com pautas internacionais e movimentos de massa. A abordagem pode ser vista como uma descrição de paisagem, de cenário, que lembra a lapa e locais mais urbanos e populares do Rio. 

 A saída com os amigos, a baixa cultura da maioria das pessoas, o uso de drogas, os assuntos fúteis, as ideias políticas que são puro marketing. A regra normativa aqui é transgredir o máximo possível, pois o próprio Brasil era uma impossibilidade política. Com a derrota das Diretas Já em 1985 e o Rock In Rio, foi dito ao jovem, principalmente ao jovem carioca, pode se transgredir, mas tem que ser artista para isso! Essa é moral que Cazuza bem conhecia como um aval dos conservadores para ser condescendeste com a importância de sua obra. 

Para alguns, ele era um playboy, mas a genialidade desse álbum é brincar com a "imagem na cabeça das pessoas". Cazuza não escondeu que tinha ligações com a elite da elite, que por ser ligada com as artes, é de esquerda, mas ao mesmo tempo, preserva várias fachadas por medo do "disse me disse". Questões como sua doença, seus relacionamentos, sua orientação sexual também atravessam Cazuza como fatores que explicam e aumentam sua genialidade enquanto representante de um estilo crítico, mas que vai para as massas. 


Sempre há um trecho que evidencia esse processo de naturalização da violência e um enaltecimento da cultura noturna e boêmia. Nesse trecho, por sua vez, é uma lição filosófica de que viver perigosamente é a única possibilidade de vida, pois a morte é inevitável. "Sem Vergonha",  parece questionar a aleatoriedade dos encontros e a organicidade das amizades. Também a faixa, "Você se parece com todo mundo" discute essa desilusão com as personalidades e a cultura cosmopolita dos encontros. 


O que busco dizer é que a elite carioca não estranha o esquerdismo, pelo viés do progressismo, dos  "valores universais", valores que vem da ideia de vanguarda carioca, o Rio de Janeiro pode ser robusto em seu Estado, por este ser a vitrine da nação.  Cazuza era um cara genial por se entender como "dentro" de alguma ideologia específica. O cuidado com o outro, a questão do "respeito", o cortejo das ONGS e das mães que perderam seus filhos com a violência, a indústria da fiança e do flagrante.

Sua mãe, altamente envolvida com atividades sociais representa um pouco desses pais que amaram seu filho, mas não conseguiam entendê-lo completamente, muito conhecida nos meios da cidade, fechou sua ONG recentemente.

 Afinal, as novas gerações lidam com novas opiniões e modos de vida e Cazuza do seu jeito, era mais revolucionário do que o meio que vivia. A ideia de controle de território, de moralismo barato, de "um cinema sem tela" onde as crianças brincariam com a violência. Esse tipo de denúncia se enquadra na perspectiva de uso dos pobres para melhorar a podridão da elite estilo Rede Globo, de pessoas que "parecem com todo mundo", por viverem em uma cidade de renome internacional, as pessoas parecem então, estar sempre atuando na vida real. 

O problema da contradição é que o próprio Cazuza era de uma dessas famílias progressistas, mas elitistas. Havia sido criado com artistas, conheceu Elis, João Gilberto desde pequeno, tendo como pai um famoso produtor João Araújo. Vale lembrar que a banda participou do primeiro e marcante Rock In Rio de 1985, criado por Roberto Medina, que já foi candidato pelo PSB. 

O álbum cria uma sensação. Os artistas ou intelectuais como interpretadores dos pobres no Rio de Janeiro estariam dentro das ideias de Roberto da Matta, ou Luiz Antônio Machado, ou Luiz Eduardo Soares, parece fácil para os ricos definir a genialidade dos pobres e a interação simbólica entre pobres e ricos através das etnografias, da música, do carnaval, do bar, acabam gerando estruturas onde o rico, o "doutor" conhece o pobre, o dono do botequim e rola a tal antropologia do botequim. 

O mundo de Cazuza, de Circo Voador era parecido com esse mundo das interações elite/povo. Seria um mundo como o de Jorge de Lima. Seria pensando as letras das músicas desse álbum um Rio de Janeiro dos esgotos, das confusões, do blasé, dos falsos amigos, e da esquerda punitiva. 



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