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Dilema das Redes: filme faz gerenciamento de crise para mídia tradicional

 

Dilema das Redes the social dilema


Filme que acaba de ser lançado pela Netflix gerou grande debate por fazer uma crítica ao sistema das redes sociais como sendo processo que estaria alienando a comunicação humana. Mas será que essa crítica é realmente ampla?



Digo logo: esperava mais do filme. 

O filme é uma espécie de documentário com cenas ficcionais para "ilustrar" aquilo que está sendo falado. A parte documental, se baseia em uma entrevista com ex-funcionário de empresas de comunicação, como Facebook, Twitter, Instagram e Google. 

Primeiro: de cara considero a inserção do Google nesse grupo inadequado. O Google é mais uma ferramenta. 

Mas isso talvez seja explicado pela má tradução do nome do filme: em uma livre tradução do inglês o nome do filme seria "O Dilema Social". 

Só que mesmo assim o filme possui críticas muito pesadas ao sistema de financiamento de conteúdo independente e exclusivo, como em blogs e no Youtube. Isso me fez desconfiar um pouco, afinal ali estavam funcionários das empresas. Todos pareciam muito bem financeiramente e profissionalmente, ao ponto de poderem criticar suas próprias ex-contratantes. 

Se repararmos bem, o filme já começa de uma forma problemática, como uma montagem em série de várias matérias e comentaristas de televisão da mídia norte americana denunciando os problemas e "crimes" das mídias sociais e da internet. 

A montagem em fusão é um tanto esquizofrênica e um pouco datada, parecendo uma tentativa desesperada de convencer o espectador pelo medo. 

Além disso, o ritmo do filme não é bom. O filme começa quente, com muitas imagens, vídeos e etc sobre casos e notícias envolvendo as redes sociais. Vai esfriando na medida que fica focado nos comentários dos profissionais das redes, ficando no ar certo tom de recalque dos profissionais que talvez desagrade ao público. No final, quando Bolsonaro aparece no filme sendo associado como presidente extremista que só foi eleito graças a tal sistema, o filme já está frio, e é difícil prender a atenção. 

A grande complexidade de um filme como esse é explicar ao grande público coisas que são específicas de um campo profissional novo. Por isso, há um necessidade e dependência cognitiva de acompanhar a explicação de profissionais envolvidos em tal área, e esses profissionais podem estar maquiando muitas das relações por interesses pessoais e profissionais. Então ao invés de focar no fato de como funciona o sistema de financiamento, foca-se em recursos morais da fala, como "bem x mal". Isso torna o debate enfadonho.

O filme possui uma parte interessante, que a tentativa de mostrar de maneira bem grosseirona como funciona o algoritmo das redes sociais, onde se representa dois caras em uma sala de comando apertando botões para bombardear o usuário das redes, fazendo as pessoas desconfiarem um pouco da aleatoriedade de eventos que acontecem na rede.  

Mas a lógica é um pouco escrota, pois se um sujeito quer consumir e manifestar seus gosto, isso não é manipulação, isso é gosto. Colocar isso como um feitiço, ou como uma relação da adição por drogas é um tanto quanto moralista e conservador. Será que não é possível a não passividade do receptor, que pode escolher por exemplo agora escutar o disco A e não o disco B? Será que ele não pode escolher entre veículo A ou B para consumir notícias?

A lógica do documentário "Dilema das Redes" é total de demais. A realidade e sua interação homem-maquina são demonstradas como apocalípticas, acabadas, sem solução. Mas os profissionais da mídia, todos se vendem como muito bons, integrado e preocupados com a democracia. 

Ou seja, nem quente para criticar todo os sistema de mídia e a linguagem acovardada que aderiu aos últimos tempos perante líderes populistas conservadores; nem frio para ser um documentário técnico que explique melhor o "know how" das redes sociais, como financiamento de páginas e etc, para que os usuários tentem se educar em torno do assunto. 

No fim, o filme não convence, e fica parece aquele debate bem médio, típico de programas de auditório, e isso faz bastante sentido. O filme parece uma gerenciamento de crise para a grande imprensa, como jornais e televisão, mostrando que eles ainda podem ser necessários em um "cenário de polarização política". Só que do jeito que é apresentado, parece que na verdade a grande mídia está desesperada por ter perdido o monopólio da informação para blogs, páginas e influenciadores, e em um cenário onde o público é cada vez mais exigente. 

Como fazer? disseminar certo medo dessa "liberdade". É claro que quem não sabe e não quer saber o que quer fazer e conhecer, nunca de fato saberá. Mas devemos concordar que esse não é o pensamento normal ou em que se enquadra a maioria. 

O filme também possui problemas técnicos. A edição é mal feita, e a trilha sonora por horas parece sem sincronia. A direção é bem porca, visto pelo desfecho sem clímax. Faltou também ouvir mais gente para dar amplitude ao debate. 

No fim, parece um filme que fetichiza a desinformação, protegendo mídias como a Fox e suas fake news trumpistas que tratam o público como gado, para então atacar Google e Facebook, por um serviço que a grande mídia deveria cumprir. Apesar de seu algoritmo tendencioso, tais ferramentas acabaram por dar uma nova vida ao jornalismo, já que são mídias majoritariamente escritas, e onde o tráfego de informação e notícias é muito mais fluido do que antes, ajudando principalmente os jornais escritos mais tradicionais.

O dilema das redes maior parece ainda ser: "qual vídeo ou filme vou baixar para não ter que assistir a programação da televisão?" 

 

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