Pular para o conteúdo principal

Cachaça: Saiba a origem e a história de uma das bebidas mais populares do Brasil

 


A cachaça foi criada no Brasil entre os anos de 1516 e 1532 e foi o primeiro destilado nascido na América Latina, antes mesmo da tequila mexicana e do rum caribenho



A origem da cachaça é difusa, e parece ter sido desenvolvida por mais de uma pessoa em mais de um lugar em épocas diferentes, mostrando várias experiências e uma longa cultura de destilação do produto em território nacional. 

Algumas versões apontam que em 1504, o fidalgo judeu português Fernão de Noronha, recebeu a ilha, que hoje leva o seu nome, para a exploração do pau brasil. Lá iniciou a primeira plantação de cana-de-açúcar no Brasil e junto a cachaça.

Entretanto, documentos encontrados em Lisboa de 1526, afirmam que o primeiro engenho de açúcar foi construído por Pero Capico em 1516, na Feitoria de Itamaracá, Pernambuco.

Pesquisadores da Universidade Federal da Bahia já encontraram ruínas de um engenho de açúcar, datadas de 1520, em Porto Seguro (BA). 

Outra versão diz que Martim Afonso de Souza, líder da primeira expedição colonizadora do Brasil, fundou a Vila de São Vicente em 1532 e com isso o cultivo da cana. 

Jairo Martins, autor do livro Cachaça, O Mais Brasileiro dos Prazeres, afirma que a bebida foi o primeiro destilado da América Latina, antes mesmo do aparecimento dos famosos pisco peruano, da tequila mexicana e do rum caribenho.

Há também a carta escrita pelo português Sá de Miranda, em meados do século XVI, endereçada ao seu amigo Antônio Pereira:

Ali não mordia a graça

Eram iguais os juízes

Não vinha nada da praça

Ali, da vossa cachaça!

Ali, das vossas perdizes!


Entre todas as fontes, a primeira cachaça teria sido destilada entre 1516 e 1532, em algum engenho do litoral, com três experiências de destaque: em Pernambuco, nas feitorias de Itamaracá, Igarassu e Santa Cruz, entre 1516 e 1526.

No litoral de São Paulo, entre 1532 e 1534, existiu a experiência do Engenho São Jorge dos Erasmos, também conhecido como Engenho do Governador, pertencendo a quatro portugueses, entre eles Martim Afonso de Souza, e do holandês Johan van Hielst.

A versão de Câmara Cascudo, no seu livro Prelúdio da Cachaça, afirma que a primeira cachaça foi destilada por volta de 1532, em São Vicente, onde teriam os primeiros engenhos de açúcar no Brasil.

Mário Souto Maior registra que no livro de contas do Engenho de Nossa Senhora da Purificação de Sergipe do Conde, entre os dias 21 de junho de 1622 e 21 de maio de 1623, foi registrado despesas com: “Hua canada de augoa ardente para os negros da levada por v. 480”. A aguardente, um sinônimo de destilado, era fabricada no engenho baiano para o consumo dos escravos africanos.

Segundo o economista Celso Furtado, proprietários de canaviais estavam em posição favorável no inicio do século XVII, grande parte produzindo cachaça através da mão-de-obra-escrava.  O motivo para o sucesso dessa indústria estava baseada na perspectiva colonialista e na economia atrelada ao trabalho escravo. No fim dos séculos XVI e XVII, num período de escassez de moedas, o trafico de escravos na costa africana era realizado pelo escambo de açúcar, tabaco, tecido, vinho e sobretudo destilados, como rum e cachaça. Eles foram trazidos para o Brasil e introduzidos em um modelo conhecido como plantations. 

Mesmo diante da imprecisão de data da origem exata e da primeira destilação no Brasil, é possível afirmar que com certeza a cachaça foi o primeiro destilado da América a ser feito em larga escala e ter relevância econômica.

A cachaça, diferentemente da cerveja e do vinho que estragavam durante as longas viagens marítimas, o alto teor alcoólico preserva a bebida e possibilitava o transporte de mais álcool, ocupando, dessa forma, menos espaço nas embarcações.

Em Pernambuco, o crescimento do número de engenhos foi substantivo, demandando também o aumento da exploração mão de obra escrava nas lavouras, com 23 engenhos em 1570, aumentaram para 77 em 1608. Historiadores, como Alberto Costa e Silva, estimam que nas últimas décadas do século XVI desembarcaram no Brasil entre 10 mil a 15 mil escravos por ano, vindos principalmente de Guiné, Congo e Angola.

No fim do século XVII, a hegemonia do açúcar brasileiro foi abalada pela produção na América Central de açúcar mais barato e de melhor qualidade, controlado por holandeses expulsos do litoral pernambucano. Os holandeses levaram as técnicas de destilação e contribuíram para o surgimento da indústria da aguardente de cana caribenha, que evoluiu na cultura local para o que chamamos hoje de rum.

Em 1635, Portugal chegou a proibir a produção da cachaça, mas isso não diminuiu sua comercialização no território brasileiro.

Haviam apreensões do produto, destruição de alambiques e ameaças de deportação

A crise do açúcar brasileiro reorientou a produção de cachaça que era utilizada principalmente para consumo interno e para o tráfico de escravos em Angola. Entre 1710 e 1830, estima-se que cerca de 310 mil litros de cachaça foram enviados anualmente para Luanda e que 25% desse volume era trocado por escravos, dado seu alto valor mesmo perante a crise.

Depois do século XVII, a cachaça se espalhou pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais. E aí que durante o século XVIII e o ciclo pombalino, a economia do açúcar entra em decadência ainda maior e passa então a ser substituída pela extração de ouro em Minas Gerais. 

Entretanto, nas missões de migração para Minas, as cachaças brancas (puras) eram colocadas em barris de madeira para serem transportadas até Minas Gerais. No tempo da viagem, a cachaça, pelo contato com a madeira, acabava amarelando e tomando aromas e sabores próprios. Há quem diga que daí surgiu o refinamento da cachaça e o hábito de envelhecer e armazenar cachaças em barris de madeira. 

Hoje, podemos observar que em cidades litorâneas, como Paraty, há um predomínio de produção de cachaças brancas, enquanto que em Minas Gerais, os produtores optam sempre por armazenar suas cachaças em barris para que elas adquiram características sensoriais, como cor e sabor, provenientes da madeira. 

Com a popularidade da cachaça e com o declínio do comércio da bagaceira, novas medidas de taxação e proibição da produção de cachaça foram implantadas pela Coroa. Essas medidas contribuíram para o descontentamento da colônia e motivaram os primeiros ideais independentes, dando origem a Conjuração Mineira e a morte de Tiradentes, que chegou a vender cachaça. 

A cachaça era servida nas reuniões conspiratórias dos Inconfidentes como símbolo dessa luta pela independência do país

A partir de 1850 com o declínio do trabalho escravo e a intensificação econômica do café, um novo produto surge a ser explorado no Brasil: o café. 

Com ideais elitistas, fugindo dos hábitos rurais e com uma identificação maior com os produtos e hábitos europeus, a nova elite brasileira do café rejeitava os produtos nacionais, como a cachaça, tida em uma visão racista como coisa sem valor, destinada a pessoas pobres, incultas e, geralmente, negras e nordestinas. 

Intelectuais, artistas e estudiosos criticam a postura e buscam resgatar a brasilidade criticando o maneirismo na incorporação da cultura e do costume estrangeiro. 

Em 1922, em São Paulo, é realizada a Semana de Arte Moderna, onde Mário de Andrade, um dos seus maiores expoentes, dedica um estudo chamado Os Eufemismos da Cachaça

No século XX, outros importantes intelectuais como Luís da Câmera Cascudo, Gilberto Freyre e Mário Souto Maior, estudaram a importância cultural, econômica da cachaça para a História para o Brasil.

A valorização da cachaça e seu reconhecimento como patrimônio nacional aumentaram nos últimos anos. Em 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso definiu que a cachaça era um produto tipicamente brasileiro e criado aqui, sendo produto nacional, estabelecendo critérios de fabricação e comercialização. 

Em 2012, uma lei transformou a cachaça em Patrimônio Histórico Cultural do estado do Rio de Janeiro.

Hoje, há mais de 4 mil alambiques espalhados por praticamente todos os estados brasileiros. Embora a cultura da cana-de-açúcar tivesse se desenvolvido originalmente em grandes latifúndios, a cachaça sempre se caracterizou pela produção artesanal em pequenos alambiques familiares, o que ocasionou a enorme quantidade de marcas de cachaça espalhadas por todo o território brasileiro.

A bebida já foi até mesmo motivo de uma revolta, iniciada em 8 de novembro de 1660, no Rio de Janeiro.

A Revolta da Cachaça foi organizada pelos produtores de cana-de-açúcar devido às restrições econômicas impostas pela Corte. Em 13 de setembro de 1661, a Rainha de Portugal liberou a fabricação e venda da bebida no Brasil e, por essa razão, decretou-se em 2010 que esta seria a data do Dia Nacional da Cachaça

Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Cachaça (Ibrac). A bebida representa 72% do mercado de destilados no país.

Comentários

Em Alta no Momento:

Os Desajustados (The Misfits, 1961): Um faroeste com Marilyn Monroe e Clark Gable sobre imperfeição da obra do artista e o fim fantasmagórico da Era de Ouro do Cinema Americano

Rastros de Ódio (The Searchers, 1956): Clássico de John Ford é o maior faroeste de todos os tempos e eu posso provar

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount

Um Morto Muito Louco (1989): O problema de querer sempre "se dar bem" em uma crítica feroz à meritocracia e ao individualismo no mundo do trabalho



Curta nossa página: