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Acabou Chorare: como Morais Moreira e os Novos Baianos revolucionaram a música brasileira

           

        Em 1969, em plena época de ditadura militar e dos movimentos de resistência tradicionais. Um grupo de jovens estavam mais interessados em paz do que em guerra, mais em filosofia do que em política, esse foi o Novos Baianos. 

        Quem nunca se pegou cantando "preta, preta, pretinha", ou "Eu ia lhe chamar enquanto corria a barca". São clássicos e conhecidos de quase todo mundo. Além de sua influência abrangente na música nacional, novos baianos também eram inovadores em várias linhas, queriam ter um "modus de vida" diferenciado. Além disso, sua influência na formação do gênero do axé é inegável, até mesmo em termos de infraestrutura e cozinha musicais. Foram eles os que pela primeira vez tiveram a ideia do "trio elétrico", hoje indispensável para qualquer cantor no carnaval do nordeste. 


        O grupo que contavam com músicos baianos, como também integrantes de outros estados, começou um projeto musical ousado, que segundo eles próprios, eram mais como um "time de futebol",  e uma família do que realmente um grupo de música, com seus ideais da pós Tropicália e seus longos cabelos e sua atitude de resiliência cultural moldaram uma cultura própria, que já virou motivo de arquétipos como no CD de Chico Anísio "Baiano e os Novos Caetanos". Composto por Morais Moreira, Paulinho "boca de cantor", Baby Consuelo (uma moça de Niterói) e seu marido, o grande guitarrista Pepeu Gomes. 
          
        Como também influenciados pelo começo da atmosfera do rock progressivo da década de 1970, Novos Baianos eram um fruto da época do "milagre econômico" e das políticas nacionalistas. O que  gerou o começo de uma resistência cultural e não armada. Sendo sua atitude uma contestação notória da postura dos partidos como PCdoB e PCB.   

          Sob a influência e dicas de João Gilberto, o grupo passou a seguir o conselho de enfocar no regionalismo nacional e moderar o gosto pelo rock. O nome do álbum "Acabou Chorare" (1972), a faixa que dá nome ao disco, é a quinta, vinha de uma música composta por Luiz Galvão e Morais Moreira. 
        
        Suas músicas marcadas de filosofia de vida e de mensagens ocultas, evidenciavam como certa parte da cultura tentou lidar com o "milagre econômico", imitando o povo mais simples e seus hábitos. Mas não se engane, a cultura que eles tentavam esconder ia de antigas músicas da linha de "Brasil Pandeiro", primeira faixa, que foi escrita para Carmen Miranda, porém, na época, ela não quis cantar por achar  a música de Assis Valente simples demais. 

       Um claro engano, em uma música que abordava a história das relações de política de boa vizinhança entre Brasil e EUA. Também tinham como influência Dorival Caymmi e a Bahia, até mesmo reflexões mais complexas como: "Mistério do Planeta" onde a presença de música ao estilo mais puro do violão da MPB clássica, faixa 6 do álbum de 1972, uma música complexa, rica em metáforas filosóficas.  

          Representavam um carácter de revisão na postura dos jovens não mais tão interessados em debater a "coincidência de classe" do povo, mas sim, interessados no carácter de estratégia de manada, coletivista. Assim, aquele que se "mistura" poderia fugir das opressões estruturais do sistema. Uma forma de tentar "passar batido" através de uma forma de diálogo entre nacionalismo e existencialismo, que se traduziu em forma de pura identificação regional, como também étnica. 
"O tríplice mistério do stop, que eu passo por e sendo ele, no que fica em cada um, No que sigo o meu caminho, e no ar que fez e assistiu. Abra um parênteses, não esqueça, que independente disso, eu não passo de um malandro, de um moleque do Brasil. Que peço e dou esmolas. Mas ando e penso sempre com mais de um. Por isso ninguém vê minha sacola. "          
        Como também visto na faixa  4, Swing de Campo Grande, onde existe uma sequência de carácter existencialista que exemplifica o pensamento:   "Eu não marco toca, Eu viro toca, Eu viro moita, Eu não marco toca".


        Na faixa 3 e 7 do álbum, Baby Consuelo cantava músicas de sonoridade rasgada como "Tinindo Trincando", como uma "spanish guitar" ao estilo Satana. Como "A menina dança" faixa 7, uma faixa com uma guitarra distorcida de não convencional em músicas brasileiras, quase uma Janis Joplin. 

       Diz a lenda, que em um apartamento em Botafogo estavam todos eles reunidos e apareceu um sujeito de terno e gravata. Um dos membros teria não reconhecido o senhor e falado: "galera, sujou, pintou polícia", mas quem estava por detrás do olho mágico era nada mais, nada menos que o pai da bossa nova, João Gilberto.


             A desistência da democracia levou a alguns jovens a apenas querer viver, ter um "modo de vida" não convencionou. No começo, eles se reuniram em um sítio em Jacarepaguá, onde todos seus amigos, filhos dividiam tudo tal como os cristãos primitivos, ou da maneira como imaginavam fazer um "proto comunismo", era ousado e simples.

       O documentário abaixo demonstra o dia a dia, a interação  e os costumes do diferente grupo e mostra também como era bonito e diferente seu som. Diz em certo momento a narração do documentário.    
"Eu vivo disso, sou garrincha por convicção. Sou Tostão pra não me machucar. Não há filosofia além disso, só o novo." 






       Morais Moreira teve como primeiro instrumento a sanfona, o que demonstra como era versado em música popular raiz,  faleceu no dia de hoje (13/04/2020).  Abaixo têm uma apresentação do programa "Ensaios" da Tv Cultura: 


           Era um dos membros mais importantes do super grupo, também um dos primeiros a desistir dos ideais do grupo, que incluíam a não acumulação financeira, repartição de todo o dinheiro que ganhavam, assim também como a ideia de fazer tudo juntos e não aderir a costumes burgueses, como babás e empregadas. Saiu do grupo para carreira solo em 1975. Aprendeu a tocar violão com Tom Zé. O grupo que criou, os novos baianos apareceu como uma joia da música alternativa, mas absolutamente brasileira e orgulhosa. Eram os novos baianos porque eram uma geração para frente da Tropicália.     
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