Pular para o conteúdo principal

Botnaro: presidente vira escritor após morrer de coronavirus em livro



              Em livro de autor desconhecido e editora ficcional, presidente vira Messias Botnaro, ataca de escritor póstumo, após morrer por coronavírus, narrando em primeira pessoa um compilado de seus tuítes


                   Circula pela internet, Whatsapp e grupos de maneira gratuita e anônima, o "Tuítes póstumos de um herói nacional", um livro com tuítes  de "autoria" de Botnaro, pseudônimo em referência ao presidente. Com proposta literária e humorística, o livro narra a morte do presidente Bolsonaro após contrair coronavírus.

                   Após a morte, "Botnaro" tem seu corpo comido por seus filhos, em uma referência antropofágica. O próprio Botnaro confessa que em vida não tinha gosto pelas letras, mas no além encontra filósofos,  escritores e pensadores que o inspiram a se tornar escritor. Dentre eles, Machado de Assis, Deleuze, Guatarri, Schopenhauer e outros. Seu guru e mentor, Orvalho de Farfalho, também é uma das inspirações.

                    E assim, no estilo Brás Cubas, Botnaro começa a escrever seu texto, que é uma mistura de memórias, biografia e manifesto. Organizado em 3 capítulos, apresentado em platôs, que na verdade são um compilado de tuites do real Bolsonaro, só que com alguns acréscimos.

                    O prefácio é escrito pela psicografa do autor defunto, Joseíta Pítia, que escreve de Richmond, Virginia, durante a quarentena. Nele, Pítia afirma que "o defunto autor, dotado de grande capacidade de envolvimento emocional, personifica a própria ordem social alicerçada em uma cultura dinâmica, enraizada na nobreza dos  nossos  mitos fundadores:  Deus,  pátria,  família  e coragem do povo".

                  Nos agradecimentos, o inesperado "Obrigado, PT. Quanto mais  vagabundo me acusando, melhor para mim. A campanha de fake news fabricada contra nossa soberania não prosperará", em referência as eleições de 2018.

           Continuando, Botnaro declara "fui sem dúvida o temido e invejado modelo de cada um". E continua em referência a Montaigne,  que dizia "filosofar é aprender a morrer". Ao que Botnaro corrigi "Não; morrer é aprender a filosofar, isso sim".

             Para Botnaro, em referência real ao presidente, os livros de hoje tem muita coisa escrita, influência de Paulo Freire. Por isso, seu livro tem apenas 72 páginas, dando para ler em algumas horas.

            O primeiro capítulo começa obscuro, com Botnaro descrevendo a tortura na ditadura militar e seu apoio as práticas e ao regime. E justifica, para ele, como a luta era contra o comunismo, "a violência só se combate com violência". Nos tuítes, a forma se mistura com a mensagem, por isso no platô número 13, Botnaro apenas clama por "fuzilar a petralhada".  O texto ainda faz menção a Brilhante Ustra e uma referência a tortura da ex-presidente Dilma Rousseff.

              Botnaro se justifica da tortura dizendo que "o belamente horrível e o horrivelmente belo são clássicos. As cenas de castigo no Inferno de Dante são responsáveis pelo sucesso da Divina Comédia. Sou dantesco". O objetivo nesta parte do livro parece ser impactar o leitor linguisticamente,  embargar sua voz, mostrando que por trás da "piada" há um sadismo real por trás das falas e erros de Bolsonaro. Há uma forma de filosofia da linguagem, que através do grotesco descritivo, só pode querer dizer o contrário, a contradição, e não é através da negação  ou contra-argumentação que se provará que Botnaro está errado, mais sim na extravagância até o limite da lógica. Quem está por trás do livro é filósofo ou linguista.

                 Por exemplo, quando diz que os "antagonismos da história não têm como horizonte a totalidade unitária que supera contradições, como quer a tradição dialética hegeliana-marxista", a especificidade do argumento prova o oposto, como se Botnaro fosse um comunista encubado, que no afã de negar tudo, se contamina com o "vírus" do comunismo. Por isso seus jogos de valor são controversos. Exemplo, Botnaro a certa altura diz que ele não é muito adepto a tortura, que prefere matar logo seus adversários, assim apesar de radical sua descrição da tortura parecem uma denúncia, dependendo da visão do leitor, claro.  Afinal, o próprio Botnaro se vê como  "protagonista de uma revolução conservadora".

               Suas ideias parecem por vezes querer cruzar a linha e se tornam similares a um discurso comunista, pois parece querer ir além do PT e por isso os vê mal. "As doutrinas morais da esquerda dão testemunho da tentativa desesperada de colocar no lugar da religião cristã um motivo intelectual para perseverar na sociedade. Como autênticos burgueses, a esquerda caviar pactua na prática com as potências que sua teoria condena. Vai pra Cuba!". Mas ao mesmo tempo se vê como conservador moral. Contradições...

               As referencias as falas de Bolsonaro, se misturam com referencias literárias como o corvo de Edgar Allan Poe, mas com o acréscimo da hashtag, #Nevermore. 

                    Botnaro passa pelos Beatles , dizendo que "eram semianalfabetos em música, mal sabiam tocar violão. Quem compôs as canções deles foi o marxista Theodor Adorno. Agora você sabe o efeito devastador da música dos Beatles? É tudo celebração do LSD, das drogas... Você sabe como terminou John Lennon e os outros, né?!". 

               As referencias culturais são diversas, afinal como afirma Botnaro, seu objetivo é a "contra-revolução cultural". Mas qualquer revolução que seja cultural, não é revolucionária? E continua "nosso objetivo é pautar a imprensa, ok?!", mas imprensa sempre bateu no PT, apoiou a derrubada de Dilma e a prisão de Lula. Muitas contradições...

               E segue: "Não podemos seguir a estratégia clássica da propaganda, mas sim usar táticas diversionistas de comunicação, desorientando a mídia esquerdista, ok??! Temos que alimentar continuamente a oposição com matéria-prima para memes, bombas semióticas de dissuasão". 

               Já no final, no posfácio, o autor deixa clara a intenção satírica, de extrair humor da desgraça.  "O que importa aqui é a violência linguística", jogar o lixo todo de volta. Afinal, tudo que Bolsonaro quer é que sejamos cordeiros assustados. É trazido a ideia de como os tuítes, em uma era de baixa leitura e informação, ganharam valor de notícia e que  "a  ideia  de  que o  noticiário político brasileiro é um ramo da literatura fantástica ou do realismo mágico". Writing news, teling stories. 

              O autor do livro permanece oculto, desconfio de autores, mas a graça é o jogo de linguagem. No maoismo, a contradição é um motor para a revolução. É melhor tentar convencer um bolsonarista ou ironizá-lo? Cabe agora entender o quanto dá para extravasar a linguagem sem concordar com a mensagem. Mas uma coisa é fato, ser cordial e reativo não funciona mais. Como diz em João 8:32, "Conheceis a verdade e a verdade vos libertará". 

Link para download do livro:

https://www.academia.edu/42441589/Tu%C3%ADtes_p%C3%B3stumos_de_um_her%C3%B3i_nacional

Comentários

Em Alta no Momento:

O Dólar Furado (1965): Faroeste italiano retrata o pós Guerra Civil para comparar com o contexto seguinte a Segunda Guerra Mundial

Cemitério Maldito (Pet Sematary, 1989): Filme suavizou livro de Stephen King mas é a melhor adaptação da obra até hoje. Confira as diferenças do livro para o filme

Os Desajustados (The Misfits, 1961): Um faroeste com Marilyn Monroe e Clark Gable sobre imperfeição da obra do artista e o fim fantasmagórico da Era de Ouro do Cinema Americano

Um Morto Muito Louco (1989): O problema de querer sempre "se dar bem" em uma crítica feroz à meritocracia e ao individualismo no mundo do trabalho



Curta nossa página: