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Fritas acompanha? Saiba a origem da batata, um dos mais importantes alimentos à mesa



"Comedores de Batatas", quadro de Van Gogh de 1885
                   A batata foi julgada pela história no tribunal dos alimentos. Dando sustância minima aos pobres, era algo que era incalculável segundo os parâmetros da economia política malthusiana ou fisiocrata. Adam Smith, descreveu a batata como principal alimento dos irlandeses e que, mesmo assim, se mantinham mais saudáveis que os ingleses.  


             A forma como nos alimentamos pode parecer trivial e universal. Longe disso, ela varia com base na região e na época histórica, sendo marcada por laços e hábitos que simbolizaram parte das culturas locais com suas variações específicas. 

                    Os estudos sobre sociologia e história com diálogo com a antropologia começaram a ter muito valor nos debates a partir dos anos de 1960, eram estórias sobre o corpo, sobre a adaptabilidade e a obediência. Estudos como “história da sexualidade” de Michel Foucault e Norbert Elias “ O processo civilizador” trouxeram para as ciências humanas o debate sobre o costume e os hábitos, sendo uma verdadeira revolução dentro das teorias tradicionalmente engessadas.                   

                  Dizem que a fome que se come com a mão é diferente daquela que se come com talheres. O ditado além de evidenciar as diferenças sociais,  sob a mesma ótica é possível se pensarmos como  por exemplo, Norbert Elias, sociólogo e historiador, vemos a formação do ethos civilizatório como um procedimento de obrigatoriedade do costume por parte da elite europeia, que introduziu traços de personalidade envolvendo a vergonha e a repulsa. A diferença entre o homem das cavernas, o homem burguês e, por fim, o homem civilizado e europeu.   

              A batata foi julgada pela história no tribunal dos alimentos. Era o que dava sustância aos pobres, era ao que era incalculável segundo os parâmetros da economia política malthusiana ou fisiocrata. Dentro de "A Riqueza das Nações" (1776), Adam Smith descreve a batata como principal alimento dos irlandeses e, que mesmo assim, eles se mantinham saudáveis em comparação com os ingleses. Enfim, a batata era o alimento do povo pobre por excelência, mas também agradava os paladares mais nobres. 

                  Ao exemplo do rei Felipe II da Espanha, o unificador da península Ibérica, que chegou a mandar uma batata de presente pro Papa, acreditando em seu potencial curativo. Até mesmo o pintor Vincent van Gogh e seu famoso quadro “Os Comedores de Batata” descreve o que o imaginário popular inglês associava ao povo irlandês e escocês, aqueles que não tinham tanto acesso com a cultura do pão. 


                Alguns costumes à mesa e de hábitos, foram  em parte introduzidos de maneira a separar os hábitos das cortes monárquicas, da burguesia que ascendia com dinheiro, mas sem hábitos. Esse processo “civilizacional” também separava drasticamente a alimentação do rico para com a alimentação do pobre. Nos períodos de estabilidade o ser humano se preocupa com o tipo de talher para comer peixe, no período de crise, pode vir a não se preocupar tanto com isso. Ou seja, os costumes a mesa também eram indicativos de estabilidade e hegemonia das sociedades ocidentais.
   
           A questão da alimentação envolve para além do que se comia por acidente nos primeiros períodos históricos. Envolve também o começo do planejamento e do ser humano se tornar sedentário, ou seja, permanecer no mesmo lugar em vez de ser nômade. O antropólogo Levi Strauss, por exemplo, escolheu o exemplo do cru e do cozido para explicar outro fator de evolução nutricional. Na busca por novas receitas, novas fórmulas de caça e variações de cardápio introduziram alimentações mais balanceadas. Se antes o homem apenas caçava carne e comia frutas que encontrava pelo caminho, nossos ancestrais acharam mais fácil ficar em um local só e plantar ali, variando a alimentação para cereais e  raízes. 

            Além disso, a descoberta do fogo, dentro das metáforas de mitologia grega, a ferramenta do trabalho, que teria sido um presente dos Deuses que trouxe a escolha e a autonomia aos homens, foi esse “prometeu acorrentado” que fez prometeu ser punido pelos  Deuses do Olimpo, porque nós seres humanos, aparentemente, não saberíamos como lidar com a “magia”, ou tecnologia em termos atuais, e usaríamos o controle do fogo e da caça não para melhor comer,  ou caçar outros animais, para matar os indivíduos da própria espécie. Seria essa a metáfora. Dentro da história, cozinhar a carne possibilitou uma melhor absorvição das proteínas e evitou as doenças que poderiam existir advindas comer carne crua.  O que fez o homem aumentar consideravelmente sua expectativa de vida e aos poucos se desvencilhar dos outros animais. 

          A noção de evolução do homem, por sua vez, por exemplo, explicada por Morgan em "A Sociedade Antiga"(1877), no prefácio e primeiro capítulo, o autor desenvolve a ideia de estágios separados de evolução das sociedades humanas, os quais ele chama de “períodos étnicos”, nos quais estariam três estágios de evolução: “selvageria”, “barbárie” e “civilização”.  Em cada período de selvageria e barbárie estão divididos, por sua vez, em três status (estado, condição) em si. A “selvageria” seria o período de hábitos de coleta e de nomadismo, onde se desconheceria a forja de metais, por exemplo. Conhecido em seu período inicial) como a “infância da humanidade”, no status (estado) inferior da selvageria. O começo da fala articulada começa nesse período, marcado como “pré história”.

            Dentro da história do Brasil, a batata inglesa, mesmo que tivesse vindo da América do Sul virou hábito como moda apenas depois da vinda da família real em 1808. O circuito de comércio, as estruturas parlamentares, escolas superiores e outras inovações trouxeram uma atmosfera anacrônica de progresso forçado satelizado por grupos de elites. Cafés franceses e ideias “estrangeiras” tomavam conta do imaginário carioca e das esferas políticas. Também é no século XIX, após um período de fome e escassez no século XVIII que se firma o comércio dos produtos alimentícios do Novo Mundo.   

                A crítica feita por Machado de Assis consistia em uma forma de analisar a estilística da retórica no senado da época, nos debates épicos de José de Alencar contra Joaquim Nabuco. Em cima desse tipo de clima, que o professor Joaquim Borba em “Quincas Borbas” é retratado como parte dessa elite com hábitos estranhos ao povo. A frase de Machado de Assis: “ao vencedor, as batatas”. É uma referência a uma ilustração metafórica do embate de duas tribos, e  prêmio seria apenas o “campo de batata”, sendo necessária a guerra porque apenas uma tribo se saciaria com o prêmio da batalha. Assim também era a disputa política no Brasil, em um país de economia dependente e colonial, o que estava sendo disputado era a escravidão e modelo agroexportador, no caso, de “batatas”, mas também de toda sorte de produtos primários, como o café. 

                Assim, Machado de Assis é lido no livro de “Ao vencedor, as batatas” de Roberto Schwarz é uma leitura desse imaginário das cortes, que divida o debate de história das ideias entre aqueles que acreditam nas ideias e na formação dos locais, como “As ideias e seu lugar" de Maria Sylvia Franco, que acreditam na pertinência da ideia de liberalismo como parte da realidade opressora e colonial. Pode não parecer, mas o que todos estão debatendo aqui é a capacidade do Brasil produzir ou reproduzir pérolas relativas ao clássico pensamento liberal europeu. É esse o conteúdo principal desse debate, cujo símbolo são as batatas, aparentemente simples, dentro da história e da literatura simbolizam tanto o subdesenvolvimento, quanto a resistência. 

               Dentro do livro Quincas Borbas, excerto abaixo, existe uma metáfora malthusiana sobre os benefícios econômicos da guerra.  

“Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos que assim adquire forças para transpor a montanha e e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.”

               Alguns  processos de costumes à mesa e de hábitos foram  em parte introduzidos de maneira a separar os hábitos das cortes monárquicas, da burguesia que ascendia com dinheiro, mas sem hábitos. Esse processo “civilizacional” também separava drasticamente a alimentação do rico para com a alimentação do pobre. Nos períodos de estabilidade o ser humano se preocupa com o tipo de talher para comer peixe, no período de crise, pode vir a não se preocupar tanto com isso. Ou seja, os costumes a mesa também eram indicativos de estabilidade e hegemonia das sociedades ocidentais.

                 A batata por ser uma planta formada por raiz(cresce embaixo da terra), tem a possibilidade de ser plantada sem um cuidado específico com condições climáticas, ou mesmo técnicas de lavoura. As primeiras plantações de batata eram da América do Sul, de locais como a Venezuela, Chile e, principalmente na região dos Andes e tem sido introduzida há mais de 8000 mil anos, sendo a base da alimentação das populações pré-colombianas. 

            Chegou no século XV, XVI como uma novidade do comércio das regiões recém descobertas da América, fortalecendo sua procura, e por suas variações para vender no mercado Europeu.  A batata que chamamos de “inglesa” por exemplo,  não tem nada de inglesa, e sua história se confunde com o começo da economia moderna das exportações e importações. A batata caiu no gosto popular do mundo ocidental e virou uma incógnita nos cálculos políticos e econômicos. Enquanto países como do eixo ocidental a doutrina católica, junto com os hábitos e ritos eram aos poucos inseridos para além dos salões de corte.
          
                   A História da América moderna, como nos informa David S. Landes em seu livro, "Riqueza e Pobreza das Nações: por que algumas são tão ricas e outras são tão pobres", demonstra essa evolução dos hábitos alimentares inspirados na flora americana, acontece assim uma verdadeira  revolução alimentar ocorrida na Europa, com a cura de doenças provocadas pela escassez de comida e vitaminas como o escorbuto. Alimentos dos mais diversos como o cacau, o milho, a batata e a batata doce alteraram os hábitos, produzindo uma substituição do uso do pão em regiões como Flandres e Irlanda, a batata chegou a influenciar até mesmo a cozinha italiana com a "Polenta". 

                 O dogma da transubstanciação se refere ao hábito da quaresma e da Santa Ceia, parte dos cânones da igreja católica, e  baseia-se nas passagens bíblicas em que Jesus fez o discurso do pão da vida. Foi o Concílio de Latrão que introduziu as cerimônias do “corpo de Cristo”(1215),  defendendo então a veracidade da doutrina da transubstanciação e o Concílio de Trento (1545-1563) afirmaram que pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue; a esta mudança, a Igreja católica denomina de transubstanciação.

                         Dentro do mundo moderno, como apontado pelo trabalho de Catherine Gallagner: “A batata na imaginação materialista”, no capítulo 4, explica a importância simbológica, literária de um alimento que todos pensamos ser comum: a batata. Cultivada pelos povos Americanos, trazida pelo comércio e colonização com a Europa. Assim as batatas passaram para a história como um símbolo alimentação e cultura, mais do que isso, demonstram  uma incógnita científica, uma verdadeira "batata", uma forma de alimentação que foi dos nativos americanos para os irlandeses e holandeses. 

                          A batata dos índios e americanos, em batalha com as sociedades ocidentais do pão(trigo). Junto com a ascensão dos costumes católicos, era nítida uma diferença entre aqueles que se alimentavam majoritariamente com batatas, para com aqueles que se alimentavam com pão. Outra novidade das sociedades ocidentais, é que a cultura cristã introduziu o hábito de se “comer o corpo de cristo”, algo que foi passado como ritual e regra pelos concílios cristãos e foi incorporado como costume pela maioria da civilização ocidental. 

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