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Zé do Caixão: Horror e o niilismo no cinema de José Mojica Marins


        

     José Mojica Martins, mais conhecido popularmente como “Zé do Caixão” foi um gênio brasileiro que pensava diferença na hora de fazer filmes que tinham uma abordagem psicologista e também um entendimento de um Brasil antropológico e crente de certas tendências regionais reconhecidas no filme.



        Cristian Metz acreditava em uma forma de cinema, onde a sensação psicológica estaria intrínseca, assim o próprio cinema era uma busca pelo imaginário, um “discurso sobre o objeto” que envolve a análise do seu significado(significante simbólico) dentro da análise dos objetos como cenários, roteiro, falas e adereços. O cinema de Mojica teve uma característica do seu autor ser um grande cinéfilo, que assistia a filmes no cinema que frequentava como casa. Sua obra é infestado de referências de filosofia, valores de pessoas e também de objetos, como capas, insetos e elementos que produzem o terror compunham a cena.
        
     
      Foi censurado e preso na ditadura, foi redescoberto nos anos 1990 com VHS de lançamento de seus filmes, que fizeram depois sucesso em muitos países. Com fãs que vão desde Glauber Rocha até Tim Burton, José Mojica vivia uma realidade pacata de igreja e cidade pequena. Desde muito novo, pessoas de sua família já tinham ciência de seria um artista. Sua família era ligada a um cinema, morava ao lado. Então ele teve acesso a diversos filmes como um típico cineasta-cinéfilo. O fator político não é diretivo em suas obras, mas abrange grandes reflexos filosóficas e sobre vida cotidiana no Brasil. 
        

         Também o filósofo Nietzsche é uma lembrança dos debates dos filmes de Mojica. Era um cético em relação ao desenvolvimento do pensamento clássico sobre a moral e a religião em voga na época.  Em seu livro “Assim Falava Zaratustra” descreveria um homem parecido com o protagonista de “Meia Noite Levarei sua alma” em termos de negação da humanidade. O coveiro acredita que precisa ser odiado por todos dessa pequena cidade, desdenhava do carácter de decadência e devassidão da humanidade, esse sentimento de “ser superior” e de desdém para com outros é um exemplo. Sentindo-se então livre de amarras morais e de crença de definidores primários da realidade, e sustentando uma distância para com os outros, para assim atingir a elevação. Seu filme Á Meia Noite Levarei Sua Alma(1964), demonstra conflitos entre uma personalidade de um protagonista (Josefel Zanatas) que despreza a moral e as regras de convivência, como também demonstra o espírito de consenso e linchamento que a cidade possui. 

         A história desse coveiro interessado em gerar o filho perfeito mescla elementos de terror e novela, como sua esposa não consegue engravidar, ele acredita que a namorada de seu melhor amigo é a melhor para procriar, e possui continuação em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver(1967) onde é inocentado, continua sua procura pela “mulher perfeita” e acaba .se decepcionando pois sua mulher morre no parto. No final do filme, ele é confrontado por suas vítimas e o grande sádico psicopata da cidade acaba se sentindo perseguido de maneira mística, revertendo toda sua moral anterior de “nunca sentir medo”.



              Finalizando a trilogia de “Meia Noite Levarei sua Alma, temos "A Encarnação do Demônio(2008)" que conta com uma encarnação tardia, onde seu o Zé do Caixão estivera preso por 40 anos por seus crimes, quando é libertado acaba estranhado os ares céticos das metrópoles e grandes cidades. Diferença dos outros filmes, onde a população de cidadelas sempre sabia da vida um do outro e todos se conheciam e de deduravam, nos dias atuais, Zé do Caixão mora na favela e quando tentam caçar ele, mas diferente dos outros filmes, ninguém fala nada sobre seu paradeiro.
      
      No final ele consegue seu objeto através um culto macabro de mulheres que ele havia engravidado. Mostrando que essa ideia de seita e culto que queria produzir acabou se disseminando enquanto as mulheres rogavam por seu nome morto. Ou seja, concluiu o seu objetivo e esses bebês provavelmente são a encarnação do demônio(dele). Na opinião dele, a criança é coisa mais pura que existe no universo, mas infelizmente ela cresceria e seria estragada, perderia por costume no mundo dos adultos, estes seres vis. Já o último filme da trilogia saiu apenas em 2008, dessa vez com auxílio da ANCINE, Mojica pôde fazer um filme “moderno”. 

      A temática era muito interessante, o antigo vilão de cidades pequenas, havia superado mais de 30 anos preso, então seria libertado. Quando sai, é recepcionado por seu fiel empregado e cúmplice de crimes, Bruno, seu fiel escudeiro, leva seu antigo amigo para onde mora agora, morando em uma típica favela paulista. O tema do filme, é claro, é sobre continuar sua eterna saga pela “mulher perfeita”, só que dessa vez Zé do Caixão encontra alguns indivíduos ainda piores do que ele! Assassinos de criança, e logo vira um procurado pela polícia, e pelo padre que descobrimos depois ser filho do padre que ele matou no final do segundo filme. A narrativa gira em torno de como Zé do Caixão não entende mais sobre o mundo moderno, contendo referências sobre grupos de milícias locais que queriam que ele pagasse uma taxa para morar na favela, quando ele se rebela contra isso, o dono do bar local pede para que ele pare, o que o enfurece. Ao término da saga, ele é morto pelo padre, mas ainda assim, em uma última cena, vemos que sua memória é louvada por um culto de jovens mulheres, em uma alegoria, todas grávidas. Ou seja, significa que não importa que ele tenha morrido, seu objetivo havia sido concluído, teria ele enfim gerado um herdeiro.

      Há uma cena no filme que aborda essa relação dos objetos místicos e de crenças urbanas, o que em certo momento do filme, Josefel Zanatas ridiculariza como apenas adornos, para ele a verdadeira “mandinga” é ação maléfica direta e não apenas representacional. como a do povo cigano, ou de crenas sincréticas diversas do misticismo. Isso é visto nas duas tias cegas que buscam proteger sua sobrinha do contato com ele. 

       Quando morrem, como em rituais funerários antigos, é colocado em seus olhos moedas. Dentro dos estudos de antropologia, Marcel Mauss em “Ensaios sobre a Dádida”(les origines de la notion de monnaie 1934) também demonstra o exemplo de observação sobre a evolução do valor dos objetos como troca, em um primeiro momento os objetos teriam valor mágico, em um segundo momento passa a servir como circulação e contagem de riquezas, na primeira fase corresponde a não separação valor econômico do seu valor mágico, assim os objetos conferem para aqueles que o possuírem o prestígio e o poder de comando, e isso se transforma em poder aquisitivo. Assim o imaginário dos filmes de Zé do Caixão abordam muito da espiritualidade e da religiosidade do brasileiro e seus comportamentos. Há os elementos de magia e bruxaria no filme, como também são testadas as pessoas com base no valor de decisões e julgamentos morais, é um Brasil místico, de oferendas de galinhas pretas em encruzilhadas se orquestrando de alguma forma com a cultura da bruxaria e do cemitério.

       Podemos dizer sobre José Mojica que existem muitos factoides e criações teatrais sobre esse autor e diretor, sua personalidade excêntrica e culturalista, também apareceu na cultura de massa e televisiva em seu personagem Zé do Caixão(lá fora conhecido como Coffin Joe) e também uma intenção muito madura na direção tanto de imagem, quanto na direção dos atores, tendo em vista que é o próprio Mojica que interpreta o protagonista. O cinema dele possui uma montagem de cena clássica em estilo anos 1950, uma tendência de vanguarda, parecida com o intuito do cinema novo ou noir, com uma fotografia muito marcante, ao mesmo tempo em que sua marca foi feita sentir dentro da cultura horror e trash com estilo “boca do lixo”. Elementos de figurino de baixo orçamento como caveiras ou decorações de terror que não deve em nada para qualquer filme. Sem dúvida existe uma consistência em seus filmes, uma certa firmeza de técnica que lembra George Romero, com essa forma de mistura de estética de realismo com partes de terror e temáticas sobrenaturais. .

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