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Legalidade (2019): Filme retrata Brizola e a Rede da Legalidade Democrática que barrou golpe em 1961

      
       1961, o golpe militar já se anunciava após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Leonel Brizola (Leonardo Machado), que está completando seu centenário, era então governador do Rio Grande do Sul e lidera o movimento chamado Legalidade e luta pela posse do vice-presidente João Goulart. No meio desse cenário político, a jornalista Cecília (Cleo Pires) se envolve em um triângulo amoroso enquanto cobre os acontecimentos que podem mudar os rumos do Brasil. Lançado em Setembro de 2019, o filme Legalidade de Zeca Brito retrata uma campanha pouco conhecida dentro na história, e que hoje em dia poucos se lembram. Recebeu quatro prêmios do júri, liderado pelo cineasta Aly Muritiba, no 42º Festival Guarnicê de Cinema: Melhor Direção – Zeca Brito, Melhor Direção de Arte – Adriana Borba, Melhor Fotografia – Bruno Polidoro e Melhor Ator. Leonardo Machado, por seu papel como Leonel Brizola, foi homenageado por toda a equipe, que subiu ao palco para receber o prêmio, já que o ator, faleceu no final de 2018 vitima de um câncer.



            Falar de partidos políticos no Brasil quase sempre denota defesa de uma posição ideológica definida. O debate perde o sentido analítico de como certas políticas bem-sucedidas são feitas, e é então debatido posturas ideológicas historicamente estabelecidas. Os tipos ideais históricos são utilizados como performances de si mesmo na esfera política, e não sobre formas de construir políticas públicas ou a própria resistência e existência de um grupo ou ideia política. Logo, o convencimento passa a ser mais importante do que o próprio plano social, ou a própria defesa da democracia. O debate normalmente fica no nível mais raso de entendimento  do que seria a dicotomia clássica entre esquerda e direita. Mas em alguns níveis, essa diferenciação parece simples demais.

             Lançado em Setembro de 2019, o filme Legalidade de Zeca Brito retrata uma campanha pouco conhecida dentro na história, e que hoje em dia poucos se lembram. É uma parte considerável de algumas ementas de cursos de História do Brasil.

            A Campanha pela Legalidade foi um movimento de formação de comitês, divulgação em rádios e jornais, para que João Goulart assumisse a presidência da República depois de Jânio Quadros, e que então os militares não assumissem o poder. Organizada principalmente por Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, consistiu na ocupação do prédio do governo do Estado pelo próprio governo, levantando barricadas e sacos de areia, pegando em armas e distribuindo-as ao povo para que resistissem ao golpe. Brizola de dentro do "bunker" fazia transmissões de rádio denunciando o golpe. 



       Só tinha um porém: as armas conseguidas por Brizola não atiravam. Ele as distribuiu para que a imprensa registrasse o povo pegando em armas e a informação chegasse até os generais para intimida-los. A questão central girava em volta das tensões ocorridas em meio da Guerra Fria. O medo de uma nova Cuba, ou pior, de uma nova China, invadia o imaginário do americano médio padrão. Indivíduos como Lyncon Gordon, embaixador americano na época, faziam propaganda de João Goulart como um radical com aspirações comunistas a ser detido. Che Guevara inclusive aparece no filme, onde não parece um guerrilheiro, mas sim um democrata pacifista.



          A atitude de Brizola gerou frisson na mídia da época, e sua atitude radicalizada gerou medo, tanto nos generais, como na imprensa de que ocorresse um massacre civil. No dia 27 de Agosto de 1961, interceptaram uma mensagem em código morse, uma comunicação que sugeria que as comunicações do palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul,  estava sendo então vigiado pelos militares do III exército, desencadeando tensões em relação ao cumprimento da posse de João Goulart. Depois da renúncia de Jânio Quadros, no dia 21 de Agosto, a situação ficou dramática, era um estado de guerra civil, pois no dia 28, seria perpetrado um bombardeio ao Palácio Piratini:

Comunico III Exército interceptou mensagem do Governador, endereçada ao Dr. Jango, oferecendo tropas do Rio Grande para serem enviadas via aérea para Brasília, a fim de garantir sua posse. Governador está armando o povo e provocando agitações no interior do Estado. (...) Devido forte tensão é possível que menor incidente desencadeie a guerra civil, com graves conseqüências. (...) Operações-repressão em condições de serem desencadeadas momento oportuno”


            O fotógrafo do filme que cobre os eventos parece ser a representação de João Carlos Guaragna, fotojornalista que cobriu o clima de barricadas que se transformou o palácio depois de deflagadas as tensões entorno da posse ou não do presidente. Havia um clima de perseguição contra a figura de João Goulart. Ele, desde 1953, havia provocado ira dos setores militares, com o aumento de 100% no salário-mínimo.



           O filme Legalidade aborda um pouco desse clima de paranoia anticomunista, assim também como fazia a própria mídia americana. Fato abordado no filme através da figura da jornalista do Washington Post ser uma agente dupla da CIA, que trabalhava para cobrir aquele evento, evidenciando o quanto estava visada essa campanha e o quanto o clima no Brasil já era de autoritarismo. Jânio Quadros havia renunciado alegando “forças ocultas”, fato comentado no início do filme, quando em um bar, uma moça fala que não confiava nele, já de antes por conta da sua “vassourinha”, referência ao slogan de campanha de marketing utilizada por Jânio Quadros para ilustrar que seu governo seria de “combate à corrupção”.



            Existem dois panos de fundo narrativos no filme: um que envolve a história de um romance entre uma jornalista de nome Cecília, correspondente do Washington Post, interpretada por Cléo Pires e de um comunista professor universitário que ensina para os índios. Também no filme, há uma correspondência com os tempos atuais. Nesse plano, Blanca (Letícia Sabatella) investiga nos arquivos e nas edições do Última Hora, o passado de seus pais até chegar, coincidentemente, para o ano da morte do ícone Leonel Brizola, em 2004. Logo descobrimos que Blanca fica desapontada com as origens da sua mãe, mas é consolada por Brizola que lhe conta em forma de história oral o que não tinha conseguido obter nos arquivos oficiais ou com a ajuda da Comissão da Verdade: seus pais desaparecidos morreram lutando guerrilha, pois nunca conseguiram aceitar o golpe militar.




               Quem nos conta é o próprio Brizola no final do filme, já velho em sua fazenda no Uruguai, conversando com a filha desapontada. A fala soa em tom de defesa do pacifismo. E o filme então termina com uma imagem dos pais dela vestidos com fardas, de armas em punho atravessando um rio, e assim termina o filme. A mensagem do filme então fica clara: apesar de pegar em armas pela legalidade, Brizola não era a favor da luta armada e sim um pacifista, a favor de programas e reformas de cunho social. Ele chega a comentar no filme que depois de seu exílio desistiu da ideia de luta armada. 


            Sua resistência era retórica, onde as armas não funcionarem são a metáfora perfeita de convicção. Enquanto os pais de Blanca, inspirados por Che Guevara, preferiram a luta armada. A narrativa moderna da história é interessante, pois em certo momento, se desenrola através da investigação do passado feita por Blanca, que quer saber mais sobre sua origem. Como se a própria estrutura do filme fosse inspirada em novelas e no gênero romance, a metáfora perfeita da forma como foram feitos alguns estilos de campanhas que apelavam ao povo: utilizando da narrativa pessoal dos personagens para representar sensações e imagens das paixões políticas.

                A Campanha Rede pela Legalidade ocorreu em quase 1.500 cidades, no formato de comitês, com a participação de quase um milhão de pessoas. O filme, foca mais em Brizola e sua convicção em conter a ameaça autoritária, sendo realmente um dos principais pensadores do movimento que adiou por 3 anos a instituição da ditadura militar no Brasil, por isso deveria ser mais lembrado. Foi sua estratégia de formação de núcleos de base, uso de fotografias para registrar os movimentos da resistência, transmissões de rádio que se garantiu a resistência e a constitucionalidade, momento memorável da democracia no Brasil.

       
         O filme, como também na vida real, chega a abordar, que por detrás da vitória do movimento, ocorreu uma forma de acordo em que João Goulart e setores mais conservadores que temiam o acirramento e a guerra civil, pediram dele, como de Dilma, uma postura silenciosa e submissa aos interesses parlamentares. Afinal de contas, era sobre manter a ordem institucional e isso poderia ser apenas uma paz de fachada proposta pelas Forças Armadas, como demonstrou as preocupações de Leonel Brizola. Para Brizola, a conciliação entre as classes não era mais possível, e que deveriam continuar a campanha, os comitês e a movimentação política por ter o povo ao lado deles. Mas Jango, que era de origem mais abastada, acreditava que ele pouco poderia fazer, ele estaria agora capturado pelos mecanismos burocráticos da máquina pública.




                Como mostrado também no filme, Jango era contraparente de Brizola, este vindo das classes mais populares e camponesas do sul, sentia que deveria ser mais radical, era também casado com a irmã de João Goulart. Mas para João Goulart, que era de uma família tradicional e de elite, ele queria negociar. Aqui está explicado um dos rachas que vão gerar o PDT(Partido Democrático Trabalhista). 

              Quando na redemocratização Brizola buscava forças e apoios políticos para refundar o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), acabou brigando com a viúva de Getúlio Vargas, e assim o PTB foi refundado sem grande parte de seus apoiadores originais, dividindo assim a herança do trabalhismo, e o PDT é fundando como novo partido com as ideias parecidas com a própria rede pela legalidade. Mas hoje pouco lembrada na forma de fazer política atual do próprio partido e de seus membros.

           O filme tem uma forma meio Globo de mostrar a história, focando mais no ponto de vista melodramático e pessoal da trama, do que de fato tentar compreender historicamente o evento. Uma visão simplificada para, provavelmente, o filme ser entendido no estrangeiro. A importância de Brizola é reduzida no filme, em detrimento de contar a história da jornalista, perdendo o foco e sentido do filme. Mas em geral, é um filme interessante por representar um momento e evento histórico, pouco lembrado e conhecido em sua relevância e impacto para a democracia brasileira. 

Disponível no Apple Tv, Telecine e Globo Play
 


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