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Joias Brutas (2019): as várias faces do antissemitismo



       Toda a narrativa parece estar centrada no fato de as pessoas não respeitarem Howard porque ele é judeu. As pessoas não conseguem reconhecer suas habilidades, capacidades ou a possibilidade de ele ganhar muito dinheiro. Por isso, Howard preserva certos desvios para se defender e alimentar seu ego


        O novo filme de Adam Sandler foi uma grande surpresa para todos. Ignorado pelo Oscar, Joias Brutas (2019) é um filme que foge da fórmula tradicional dos filmes de comédia de Sandler. Apresentando um personagem mais sério, em uma narrativa soturna, o esforço desempenhado pelo ator na interpretação é visível de longe. Interpretando um judeu de classe média dono de uma joalheria e que está enrolado uma série de dívidas e apostas, o bobo Adam Sandler dos filmes de comédia quase não é reconhecível.

     O enredo conta a história de Howard Ratner, joalheiro que está enfrentando problemas na sua vida pessoal e no emprego. Primeiro de tudo que seu casamento parece acabado e seu divórcio já está agendado para um momento que Howard tenha melhores condições econômicas para o processo. Na verdade, tudo na vida de Howard é assim: ele enrola o máximo e empurra com a barriga a conclusão de situações e interações sociais para que possa criar alguma estratégia na situação. Na loja, agiotas cobram uma dívida de apostas em jogos de basquete que Howard possui, onde depois descobrimos que um dos agiotas é seu cunhado que casou com a irmã de sua mulher e ambos fazem parte da mesma comunidade judaica e jantam juntos nas reuniões de família como se nada estivesse acontecendo. Além disso, Howard está negociando o leilão de uma pedra preciosa raríssima, proveniente de uma comunidade judaica negra da África, que Howard descobriu em um documentário do History Channel e levou um ano e meio para conseguir comprar uma pedra.

     A pedra é a metáfora perfeita pois é a pedra que Howard que é judeu, mostra para um colega negro e rico jogador de basquete, que ao ver a pedra, ouvir a história da pedra que Howard conta e tocá-la tem visões que poderiam ser a definição da história do capitalismo, onde cenas históricas se misturam com lembranças pessoais do jogador. Mas há um porém: a primeira cena do filme mostra um trabalhador negro que quebrou a perna de maneira grave em o que parece um campo de mineração, cena que fica sem explicação tal como um presságio do final do filme.


      O jogador de basquete se apaixona de maneira aficionada pela pedra e acredita que se ela estiver sobre seu poder ele terá um melhor resultado na noite do jogo. Mas a pedra está agendada para um leilão e Howard não pode vendê-la, então ele aluga a pedra em troca do anel do Celtics, time do jogador. Nessa cena podemos pensar “qual o problema de Howard? Ele não sabe que já está com dívidas?”. Mas parece que tudo já estava planejado por Howard, pois na cena seguinte ele pega o anel do Celtics e o penhora. Na verdade, nesse e em outros momentos, com o dinheiro Howard pretende apostar e dobrar seu dinheiro para cobrir suas dívidas, e ele tem a vantagem de saber que o jogador do Celtics acredita estar com sorte e dará o seu melhor. 


       Entretanto, por mais que o plot da pedra preciosa, dívida e apostas seja o centro de toda a narrativa, o filme constrói brechas que levam sua leitura para além de um filme sobre grana e se dar bem. Howard é talentoso, um exímio apostador. Sua segurança nas jogadas e o jeito que leva seus problemas de maneira rotineira e cotidiana por saber que vai os resolver, torna o espectador seguro dentro de toda essa trama, pois parece que essa confusão financeira é o universo de Howard, sua forma de ganhar dinheiro. Mas o filme ganha um significado diferente a partir do momento onde o filme enseja que o jogador de basquete não devolverá a pedra, e na cena onde Howard está na plateia de uma peça de teatro da escola onde se apresentará sua filha, tentando resolver o problema no celular, e ao olhar para trás vê os agiotas que estão a cobrá-lo. Ele se revolta, levanta, os atraí para fora da escola.

       Os agiotas acabam o agredindo e o colocando em um carro, onde descobrimos que o cobrador da dívida é Arno, mas a essa altura ainda não sabemos que Arno era cunhado de Howard. Arno não é judeu de nascimento, e sim um convertido por casamento. Então nessa cena, que carrega um misto de terror e humilhação já que os agiotas roubam relógio, celular e até mesmo as roupas de Howard, entendemos sobre o quê é o filme: o ódio ao judeu, conhecido como antissemitismo. Howard, ainda semi nu, liga para sua esposa e ela em vez de ficar preocupada, na verdade se chateia com Howard. Toda a narrativa parece estar centrada no fato de as pessoas não respeitarem Howard porque ele é judeu. As pessoas não conseguem reconhecer suas habilidades, capacidades ou a possibilidade de ele ganhar muito dinheiro. Por isso, Howard preserva certos desvios para se defender e alimentar seu ego, como se vitimizar e ter uma amante, que também é sua funcionária na loja.

       Isso faz com que Howard nunca quera pagar sua dívida com Arno, e também o fato dele achar que por ser seu cunhado, Arno nunca fara nada de grave contra ele. Mas apesar dos erros de caráter e seu vício por aposta, Howard prova seu talento ao ganhar a aposta final que o torna milionário, mesmo que por um curto período de tempo. A diferença entre o talento e a irresponsabilidade é o sucesso. As pessoas só não levavam fé em Howard porque ele era judeu, e sua imagem supostamente não apresentava a autoridade necessária para o levar a sério, fazendo com que seu sofrimento seja considerado algum tipo de piada ou armação e isso aumentava sua ganância por dinheiro e provar seu valor as pessoas, pois a ganância é sua fraqueza mas também sua forma de sobrevivência.

         O filme tem ótima montagem, um bom roteiro, uma boa direção e atuação, mas talvez o seu final soe pessimista demais, pois todos esperavam pela vitória final do protagonista, e isso pode ter feito ele ficar de fora da mensagem positiva do Oscar. Mas a mensagem mais incisiva e salgada não torna o filme pior, apenas diferente da imagem que a Academia queria passar. O filme é uma pedrada, e deve ser visto como o nome propõe, como uma mensagem “bruta” sobre o que geralmente se ignora e as pessoas não querem falar.





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