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O que é História Global: método, autores e por quê está inspirando pesquisadores por todo mundo



           Como dar conta de conflitos religiosos, construções semelhantes em locais diferentes, a interferência e poder dos Estados Unidos no mundo, a derrubada de presidentes em territórios nacionais, que acontecem todos ao mesmo tempo que a China cresce exponencialmente na economia? 



     Os estudos da História e da Historiografia percorrem caminhos diversos. Dentro das universidades, o conteúdo sobre história difere daqueles presentes nos livros didáticos e da educação básica por motivos de aprendizagem e também poder. O debate seria menos sobre verdade científica e mais sobre perspectiva de campo e tendência. Nos últimos anos, estimulados por países como China, Índia, Turquia e o movimento BRICS, as histórias regionais desses locais, quase nunca estudadas anteriormente, ganharam fôlego e patrocínio, enquanto o estudo sobre a História Ocidental, travestido pelo nome de “História Geral”, definha a luz das críticas de 'eurocentrismo'.

     Muito disso foi estimulado por movimentos políticos anti-establishment, conservadores que propagam uma ideia de negação da glória europeia e questionam as formas e conteúdos educacionais fornecidos pelas escolas europeias. É claro, muitos desses movimentos são anticiência, sendo chamados de 'eurocéticos'. Mas isso ocorre também pelos movimentos migratórios dos últimos anos. Por exemplo, famílias de países árabes ao migrarem e matricularem seus filhos nas escolas europeias ou universidades, se choca com os conteúdos e métodos do ensino de história europeus. A história árabe, riquíssima em cultura, é relegada em detrimento de métodos narrativos da historiografia europeia. Como dar conta de conflitos religiosos, construções semelhantes em locais diferentes, a interferência e poder dos Estados Unidos no mundo, a derrubada de presidentes em territórios nacionais, que acontecem todos ao mesmo tempo que a China cresce exponencialmente na economia? Daí surge a História Global.

    A História Global enquanto campo traz a possibilidade de especialistas, como sinólogos, jornalistas. sociólogos e tradutores de literatura, interessados em cortar com o ciclo tradicional da História, sempre visto nas tradicionais análises de Histórias nacionais, passando a existir como fonte e como novas perspectivas de pesquisas e análises. Todo país quer inventar para si um passado glorioso. É o que nos informa Benedict Anderson em seu livro, que questiona isso enquanto conceito total de “Comunidades Imaginadas”. Ele aborda uma Europa do século XIX, que vinha de um longo período de paz entre as nações depois dos impulsos das primeiras Revoluções Liberais. Porém, segundo Anderson, o nacionalismo Brasileiro é um caso raro de explicação por ter se desenvolvido apenas mais tarde. O que envolveria em sua visão uma análise dos ímpetos de nacionalismos e a sua ligação com a União Europeia. Notaria que após a Segunda Guerra, as revoluções duradouras foram aquelas de cunho socialista e nacionalista como na República Popular da China, ou na duração até 1990 da União Soviética. O contraponto nacional seria o Reino Unido, que contando com Irlanda do Norte, Escócia, e Inglaterra são exemplos de nações com nacionalidades próprias que preenchem um mesmo país em termos de nação e memória.

    A definição global envolve entender que a crise das ideologias, como também dos paradigmas, orgulhos nacionais e a mudança no mundo, gerou uma unificação de perspectiva. Dentro da historiografia clássica, no século XIX a história predominante era a nacional, cada país tinha seu estilo e métodos de pesquisa. A Alemanha recém-unificada, saída do antigo Império Austro-húngaro buscava no seu povo a sua nova identidade nacional, com lendas, mitos e feitos sobre grandes homens e grandes marcos históricos. Uma visão romântica e heroica de história, esta é a tradição mais parecida com a História escrita na academia Brasileira, há exemplos de Leopold Von Ranke ou o próprio Hegel.

    A historiografia da Inglaterra sempre buscou na arqueologia e na geografia, a justificativa científico para o completo domínio do mundo (representado na máxima do império onde o sol nunca se põe). No século XIX, na Era Vitoriana, esse estilo de ciência pode ser visto no projeto científica empreendido pelos modelos de Museu Nacional(próximo a História Natural). Já a Historiografia Francesa (também muito influente no Brasil enquanto metodologia) trouxe o advento da primeira sociologia, com os métodos da sociologia para desenvolver estudos focados na História Contemporânea. Seguindo esse caminho também com a escola francesa dos Annales e o direcionamento e o foco nas questões subjetivas como 'formas de sentir e de pensar', ' formas de pensamento', ' mentalidade', traduzidas no método historiográfico como a inversão da certeza da verdade história. Por exemplo, Sanjay Subrahmanyam, historiador indiano, depois de ler as fontes Ingleses de História do mundo.

    O recente interesse de historiadores brasileiros em análises sobre o Atlântico Sul e sua ligação com o oceano índico. Esse autor resolveu abordar uma forma de história mais conectada, parecida com a feita por Charles Parker. O contraponto daqui seria o estilo de escrita Inglesa de História, como visto no livro de John Darwin: Ascensão e Queda dos Impérios Globais(1400-2000). O impacto desses e outros historiadores está em superar noções clássicas dos métodos historiográficos como “ascensão e queda”, propostos pelo revisionismo, e focar nas formas de conexões quase subterrâneas. Uma espécie de história souvenir. Serge Gruziski define noções como globalização, 'história mestiça' e a interligação dos mercados inter-regionais com a questão dos portos e rotas comerciais, é também desse autor o livro: “Os quatro cantos do mundo”, ou uma forma de 'história planetária' que buscava uma interpretação sobre esse tipo de segmento. O que esses autores buscam relativizar é o impacto da necessidade de 'produção de sentido' descritos nas viradas narrativas. Universidades Americanas e Europeias aos poucos adicionam em suas fileiras de estudo ramos da dita 'história subalterna' ou mesmo a história pós-colonial.

     A História escrita no século XX buscava se distanciar dos julgamentos de certo e errado e de legitimidade de nações(o político), para se indagar o que de indivíduo e de ímpar haveria em comportamentos tão normativos e tradicionalmente estáticos da História com H maiúsculo. Trabalhos como a questão do ceticismo protestante, presentes, por exemplo, na figura de Lutero, ou sobre o poder de cura mágica dos reis, pesquisada por Marc Bloch. Essa era uma primeira geração de Annales muito preocupada em fugir do totalitarismo dos “nacionalismos apaixonados”.

     A história seria uma curiosidade de um homem, presente possivelmente em forma de pensamento(mind) em qualquer homem. Isso também abriu para uma série de compartimentações de áreas e campos. Eles fragmentaram o que Fernand Braudel chamava de “Longa Duração”, ideia que ficou marcada na mente dos estudantes como uma teoria impecável, mas também como um estudo estimulado em países subdesenvolvidos por empresas como a Fundação Ford. Com a modernização da história, perdeu-se espaço para a chamada História “em migalhas” (como abordado no livro de François Dosse). Também a História Serial(econômica) de Pierre Chaunu, que escreve sobre História da América Latina e economia do tráfico atlântico, outro campo muito estudado na História Global.

    O resumo da ópera é que a História Global, enfrentando os paradigmas de enfraquecimento dos Estados-Nação enquanto modelo historiográfico. Uma forma de história de bolso, onde temas específicos se tornarem aos poucos mais relevantes que grandes paradigmas. Uma coisa puxa a outra e livros completamente novos surgiram desse processo. “Adam Smith em Pequim”, ou o ensaio de 1968, “Marx em Detroit”; ensejavam um novo debate sobre ideias em circulação, onde os Estados Unidos seria o epicentro da práxis de esquerda sindicalista dentro das fábricas, justamente por ter capitalismo.

      A questão que o filósofo queria abordar era a contradição de se fazer greves e obter o direito advindo da greve. Adam Smith em Beijing de Giovanni Arrighi, trazia esse debate do economicismo para os campos das ciências sociais suscitando o que seria a ascensão do fenômeno China e toda a sua história, abordando como seria sempre maior para o lado da permanência do que pela lógica da ruptura. Por isso que a transição de república centralista para uma república comunista ocorreu. Adam Smith em Pequim seria ler “A Riqueza das Nações” sob uma ótica do liberalismo clássico dos mercados que no século XIX coexistia com o imperialismo, assim partimos para encontrar Adam Smith na cidade chinesa.

Debate Historiográfico da História Global:

     A Pergunta é simples, e nos é feita pelo historiador Sebastian Conrad: que seria então essa História Global? Se você digitar “Global History” no Google, aproximadamente 1,6 bilhões de resultados na tela. Mas apesar disso, é relativamente recente a inserção desse campo de estudos no Brasil. Para o historiador Charles H. Parker, essa visão de história oficial, dada em todo mundo Ocidental, corresponde a uma visão de uma narrativa própria, que pode vir a desconhecer toda uma gama de formações políticas e sociais já latentes antes da formação dessa hegemonia do Ocidente. A história ensinada na escola tinha uma ideia de nação específica: a do nacionalismo, nascido como invenção do século XIX. O hino nacional é parte até mesmo do recreio e envolve também entrar em uma fila e ter de cor esse hino como demonstração de educação e patriotismo.

    A História Global é o entendimento que o mundo da época de 1400 – 1800 sofreu uma drástica alteração na sua hegemonia e política. Foi sentida principalmente no Oriente, com a formação de grandes Impérios como o Mogul na Índia, a Dinastia Ming na China e o Império Turco Otomano. Essas expansões foram desenhadas na forma de um grande império unificado, gigantesco, através da conquista de Gengis Khan, que chegou a dominar quase 20 milhões de km. Essa ideia de economia global, deve ser pensada como um “sistema mundo”. Envolve uma atual corrida para tecnologia e produção que envolve uma atualização, uma comunicação. Novas dinâmicas de interação pessoal, de circulação, de tráfico, de diáspora, tanto quanto biológicas, quanto étnicas (entre imigrantes e habitantes do local). Se insere dentro de um contexto de “virada global”, como também foi importante a chamada “virada narrativa”, e busca trazer novidades metodológicas, quanto temáticas para os mais variados assuntos.

    A cronologia ocidental data da invasão Turca em relação a Constantinopla, marcando o início do expansionismo através dos mares. A estrutura nos possibilitava conhecer narrativas chaves, grandes feitos, grandes marcos de grandes agentes. O mundo no século XX e especialmente, de maneira mais radical, sofreu alterações, acelerações em sua percepção de tempo e espaço. Na utilidade e expansionismo de novas tecnologias. O século que inventou a educação pública, é o mesmo século do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália. Houve inclusive um tempo que o gosto fazia parte do que se entendia como História: gosto por símbolos (como bandeiras, faixas, livros didáticos).

    O mundo após 1970, trouxe a novidade da privatização desse Estado de Bem Estar social anteriormente construído. Essas privatizações conviveram com o fortalecimento da União Europeia(UE), a criação da ONU, dos tribunais de jurisprudência internacional. A União Europeia formada, com parlamento independente e altamente influente na política e economia dos países por recuperar um sistema de moeda unificado em todo seu território. O valor da estabilidade sitiada passou a ser cada vez mais cultivada na Europa. De monstro liberal, ou neoliberal, a Europa começava a se planejar dentro de uma economia social-democrata e até mesmo socialista. O período pós 1950 ascendeu uma nova ordem mundial. O chamado Estado de Bem Estar social trouxe os trabalhistas ao governo inglês. Ocorreram democratizações dos modelos de saúde e de educação.

    A Europa contou com o apoio americano e de seu “Plano Marshal”, como também para barrar e rivalizar com a “ameaça comunista”.Também, com o objetivo de reconstruir a Europa, destruída com o final da Segunda Guerra Mundial. A consequência disso na Europa e Estados Unidos, foi um ceticismo por suas propostas reformistas englobarem inclusive os extremismos, como pode ser visto mais recentemente na política externa e nacional, pois afinal tais ideias e políticas corriam em uma sociedade polarizada entre Ocidente liberal e capitalista, e a União Soviética socialista. Após a queda do muro de Berlim e a progressiva integração da Alemanha Oriental, as perspectivas de longa duração das historiografias pareceram se dissolver, por haver a sensação de “Fim da História”, descrita por Francis Fukuyama. Isso toma conta das ciências sociais e humanas. Estudos estatísticos, dados, ecológicos, sendo retomados com nova roupagem apesar de já terem sido refutados na análise da Sociologia e da História pelos mesmos problemas já comentados sobre “histórias em migalhas” ou “histórias seriais”: elas são imediatistas e relativizam a importância da visão de longa duração. Mas o cenário atual enferveceste de acontecimentos mundiais, demonstram que o “fim” dessa história parece estar só no começo, tal como nosso século.

    O consumo de jornais no cotidiano prova uma estabilidade nos acontecimentos e um poder ascendente da informação, do consentimento e do consenso, cada vez mais intrínsecos às democracias modernas. Entender as nações no período posterior a 1950 se torna uma tarefa de um cidadão que se pensa ora como parte de um local (nacional, Estado, bairro, cidade), ora de um contexto global, com ideias de política, de cultura cada vez mais fragmentadas e transnacionais. O eurocentrismo e a crise do nacionalismo, correspondem com essa revisão feita para integrar alguns gêneros acadêmicos autônomos em torno de fazer trabalhos, onde se analisa o papel e a preponderância do Oriente na composição do período que seria a Idade Moderna. Como também envolve o entendimento de certas interações entre o global e o local nos permite estudar a história a la carte, ignorando os ídolos tradicionais da história, que é a generalidade e a cronologia. Turcos, chineses, portugueses e indianos já faziam parte de um primeiro ciclo de globalização, que envolve descobrimentos, viagens e formação das grandes rotas e cidades importantes para a economia global.

     A História Global vem com tudo na medida que a política e relações internacionais parecem ser uma constante, substituindo o heroísmo que tem como epicentro a nação e debates nacionais. A multipolaridade das perspectivas históricas dos diversos países, pois afinal cada país possui sua própria História, e isso quer dizer culturas, objetos, guerras e modos de ser e governar, que podem tanto agregar, como competir entre si. Isso é História: uma ciência da descoberta. Que vai atrás dos fatos, acontecimentos, percebendo que eles se dão temporalmente em ciclos similares de tempo, mas relativamente em espaços e culturas. Para englobar tantas coisas, fatos, acontecimentos e conflitos, como populismo, fake news, golpes e guerras do século XXI é necessário pensar de maneira global para talvez tentar resolver problemas regionais.





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