![]() |
Foto da constituinte de 1988, a última e mais extensa de todas |
O livro da editora Leya, de 2011, conta a história das constituições do Brasil. O livro não é um livro de direito constitucional, mas um livreto de guia geral do começo e criação dos dispositivos legais do Estado democrático. Praticamente, toda a história do Supremo Tribunal Federal é contada. Mas o mais interessante do livro é o estudo constitucional no século XIX
Marco Antonio Villa não é um autor que consideramos de esquerda. Eu mesma até um tempo atrás, acho que não pararia para ler um livro de sua autoria. Mas o governo anterior foi tão ruim que resultou em trazer para a oposição ao Bolsonaro pessoas, que como Villa chegaram a apoiar esse campo de visão do mundo.
O livro começa já com uma citação a Machado de Assis:
"Há uma série de fatores, que a lei não substitui, e esses são o estado mental da nação, os seus costumes e sua infância constitucional..."
Essa é uma boa crítica de Machado de Assis, mesmo autor que defendia com todas as letras o voto feminino, indo contra quase todos os intelectuais na época. Dizia que estávamos no século XIX, e enquanto país, era um rolo compressor de práticas novistas e não compreensíveis. Era infância constitucional da nação.
O livro aborda ainda essa questão da formação da tradição secular, a separação do Estado com igreja, e claro, o começo da aplicação da lei do divórcio. O livro foca naquela análise clássica sobre o carácter conservador e autoritário dos nossos textos constitucionais, mas obviamente houve uma melhora que Villa não consegue vislumbrar ao final de seu livro.
Ele chega a escrever sobre ser pouco a sabatina do senado para ratificar a escolha de ministro, quando isto já se configura como mecanismo democrático, houve que ficou em voga durante a ditadura militar, que completamente colocou amarras do supremo através de medidas do executivo arbitrário. Ou mesmo foco acelerado e ríspido demais para focar no de ele considera "passagens absurdas". Mas o livro vale muito a leitura, tem curiosidades interessantes.
Discordância ideológica, eu tenho que ser sincera e dizer que não concordo com a visão de mundo do autor em muitos sentidos. Mas separando o seu material e admitindo seu bom leque de fontes primárias, vemos que ele possui uma boa interpretação histórica de fenômeno do século XIX, percebendo as vicissitudes racistas de textos e autores clássicos, como a pertinente crítica ao crítico de Machado de Assis, Sílvio Romero, um racista contumaz.
Mas ao chegar ao século XX, o livro perde o fôlego e sai sai da boa curva de análise ao criticar tanto a figura de Getúlio Vargas. Ele perde a linha e o argumento e acaba soando infantil.
As informações básicas. Tivemos ao todo sete constituições. Uma nó período do Império, em 1824, considerada liberal por muitos, mas muito autoritária, e outras em 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1988. A mais inclusiva e política de todas sendo a de 1988.
Envolvendo a demarcação de terra, e uma extensão extra de direitos nas áreas de saúde, educação e lazer. Por isso fora criticada como "impossível de ser concebida e realizada". Com o direito a terra sendo mais reconhecido se for de tribos sedentárias e não nômade.
O direito ao trabalho encontrava barreiras na fiscalização no campo e novos sujeitos, jurisprudências e tribunais realizadores de mediação entre trabalhadores e empresas.
Outro mecanismo observado pelo autor é a ideia de ratificação 5 anos posterior das chamadas emendas da constituição, que poderiam ser votadas junto ao congresso poderiam ratificar um novo texto constitucional.
Seria essa sua crítica. Ou seja, ele que foi tão anti petista, apoiou a virada bolsonarista, viu tudo que acreditava sobre social democracia e Estado de direito ser desrespeitado pelo ex presidente, e aí, ele mesmo largou o barco e foi um dos maiores críticos de Bolsonaro.
O período da ditadura marcou o período dos decretos chamado de atos institucionais, que tiveram vários. A constituição de 1934 era de fato bem autoritária em alguns conceitos, mas tinha novidades, como a proibição do trabalho para menores de 14 anos. Outras curiosidades não mencionadas é que é a primeira com voto secreto e feminino, junto com a criação da própria Justiça Eleitoral. Foi uma constituição realmente muito moderna e que veio abaixo com o advento do Estado Novo.
Na visão do autor, parecida com a de muitos e muitos, não analisa o próprio setor golpista de direita vindo do Estado maior. O maior arquiteto do Estado Novo foi o General Góis Monteiro, outro tinha sido o General Dutra. Viria a se tornar o candidato da direita a ser eleita após a morte de Getúlio Vargas.
Outro causo muito engraçado foi a lei de decoro, que o deputado Barreto Pinto teria burlado ao posar de cueca para a revista O Cruzeiro, ele era do PTB. Mas curioso que hoje em dia, algumas prefeitas possam usar até menos nos seus vídeos públicos. Mas mudamos muito mesmo de postura constitucional ao longo do tempo.
As constituições falavam sobre a necessidade da construção se Brasília. Ou artigos que tornavam obrigatórios contribuições nacionais contra a seca no nordeste ou para novos projetos na região da Amazônia. Nossa carta sempre buscou essa intentona desbravadora. Teve até já debate sobre demarcação de terra indígena, excluindo os índios nômades do processo de demarcação. Também uma nota constitucional sobre o direito de isenção de imposto imobiliário ao jornalista.
A parte do ato institucional número 5, em 1968 mostrou o fim de diversas liberdades, como a garantia de habeas corpus, o fechamento do congresso nacional e recesso parlamentar, é relacionado por ele o fechamento simbolicamente, a um discurso de um deputado chamado Márcio Moreira Alves que denunciou as invasões em campus universitários e tortura de presos políticos.
Em 1968, houve uma verdadeira radicalização, fechamento de assembleias legislativas locais por exemplo. Tudo isso, guerrilhas, greves foram usadas como desculpa para um fechamento ainda maior institucional. O problema é o debate em torno dos direitos. Quem promovesse greves podia pegar penas que chegavam a 10 anos de prisão. A transição para Médici ocorreu com o congresso "aberto", em uma candidatura única
No que se refere o debate trabalhista, ele fica bem raso, não sendo mesmo o foco do livro, o códice moderno institui uma ideia de que esses direitos foram conquistados e não outorgados, mas esse é um nível de debate que o livro não abrange exatamente.
Se estávamos na infância constitucional, acredito que estamos no caminho certo agora. No fim do livro ele discute o ato de criação do STF, sendo consultado junto aos EUA um modelo inspirado nas cortes deles. Mas não deu tempo e a monarquia caiu antes dessas inovações, por assim dizer.
No início da república, o chamado Marechal de ferro, Deodoro da Fonseca nomeou até militares e a maioria homens muito velhos para o início da atividade do Supremo. Demorou até que eles se completassem como classe, eram em suas primeiras turmas homens muito velhos que pediam aposentadoria sem nunca ter atuado. Nessa época, não havia tanto ideia moderna de "notório saber jurídico" que temos hoje.
Ele dá exemplo que não sei se concordo, de Alberto Torres, como o primeiro que teria admitido sua falta de conhecimento e que tirou um tempo de sua vida para estudar os vocábulos jurídicos.
Uma mulher só veio com a gaúcha Elen Gracie, indicado por FHC. Collor indicou um primo, e FHC também havia indicado Gilmar Mendes.
A parte do século XIX contava de vários casos interessantes, como quando feito o primeiro casamento civil e Taunay e José do Patrocínio teriam brigado, Taunay, autor de Inocência queria deixar os discursos pomposos de esquerda e teria dito "isto aqui não é um pagode" de maneira meio preconceituosa. Ou quando Machado trabalhou no jornal cobrindo o senado e teria visto como a senioridade vitalícia teria um peso na instituição como um todo. Ou seja, o cargo era para sempre e sempre os escolhidos eram das mesmas famílias.
Por fim, vale lembrar de que a ditadura violou os direitos até das mais supremas cortes e nomes. Até mesmo de conservadores. Por fim, vale refletir o quanto melhorou a maioria dos critérios e formas de execução disto que chamamos de Estado Democrático de Direito.
Vale pensar também que o país melhorou seus sistemas de prática institucionais e jurídicas, e que hoje em dia, tem uma das melhores e mais protetivas legislações mundo afora, com direitos que poucos países do mundo tem. Isso perpassa um supremo mais forte, é verdade que essa é uma tradição recente, mas talvez por isso mesmo que se preocupe agora em querer parecer ser mais democrático enquanto estamento político.
Comentários
Postar um comentário