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A Hora e a Vez de Augusto Matraga (2011): Adaptação de Guimarães Rosa é uma peleja entre o mandonismo local e o destino de um homem



 

Augusto, conhecido como Nhô Augusto é filho do Coronel Afonsão Esteve. Augusto é um fazendeiro do sertão mineiro, que vive dominado por orgulho e crueldade. Após perder suas terras e ser traído por comparsas locais, ele é brutalmente espancado e deixado para morrer. Resgatado por um casal de bons samaritanos, ele inicia uma jornada de redenção e auto conhecimento, reconstruindo-se física e espiritualmente. Assim, conhece Joãozinho Bem Bem e logo viram amigos íntimos. Na simplicidade do cotidiano e na devoção a simplicidade, ele busca redenção pelos pecados do passado, enquanto aguarda sua chamada final, a "hora e a vez" para enfrentar o destino final onde finalmente toda a sua vida finalmente fará sentido. Filme de Vinícius Coimbra. 




 


 Uma obra-prima de Guimarães Rosa, adaptada para o cinema, que explora a essência da condição humana em meio à aspereza e à poesia do interior do sertão brasileiro. Narrado em terceira pessoa, é um conto que aborda a construção do carácter do sujeito frente a uma total mudança de vida e que busca explicar essa realidade dura do sertão na visão de Guimarães Rosa, o autor de outro clássico "Grande Sertão: Veredas".  Publicado junto a outros contos no livro "Sagarana", de 1946, que significa uma referência a essa obras ter uma ideia de saga, lenda, ou canto heroico. Esse é um conto que faz parte da história da literatura brasileira e é memorável. 



Nhô Augusto não trata bem sua esposa Dionóra, e sua filha Mimita, que se perde na vida depois. Mas tudo desmorona mesmo quando ele deixa de cuidar de sua fazenda, aí seus inimigos preparam uma armadilha pra ele. Seu funcionário assiste a tudo sem saber o que fazer, sabendo que o destino de seu patrão já estava transformado para sempre. É toda uma história muito doída e triste, mas dá potência de ver essa ideia de ascensão e queda, mas melhor dizendo, uma ideia de queda e ascensão, já que ele morre como um herói, coisa que nunca foi em vida. 





Vemos muitos super famosos artistas e atores nordestinos de origem nordestina, apesar de ser um livro sobre o século XX em Minas. José Wilker (ator, diretor, crítico de cinema) e o João Miguel (ator, roteirista), e a participação especial do comediante Chico Anysio. Filme é uma nova adaptação do clássico livro de Guimarães Rosa, a outra tinha como protagonista Leonardo Villar (de O Pagador de Promessas, a única vitória de um filme brasileiro em Cannes), esse filme era de Roberto Santos,  que tinha como roteirista Gianfrancesco Guarnieri, 1965, outro grande filme. O mais moderno foca nesse debate filosófico sobre o sentido existencial da vida e o poder das escolhas e da verdade pessoal.




Essa versão mais moderna atualiza muitas questões e mostra a grande atuação do ator João Miguel (mais conhecido pela franquia: Estômago). Chico Anysio aparece atuando muito como parte do clã rival e que acaba batendo e machucando mais ainda Nhô Augusto. O teor literário de sua redenção desafia os ideais clássicos de masculinidade, essa ideia do "cabra macho" é muito presente. O local é o norte de Minas Gerais. 




Mas por fim, sentimos pena dele e há aquela identificação humanista com o protagonista. No livro, sua esposa foge com o amante por ele ser agressivo, o filme coloca um tom de que a esposa foi raptada por seu inimigo. O que mais me impressiona desse cenário é a aceitação da igreja católica e a legitimação de todo o processo só porque o inimigo de Nhô ser mais abastado. Faz sentido pois depois da surra, ele é dado como morto e é salvo por dois bons samaritanos, Quitéria e pai Serapião, que trataram de suas feridas e sequelas. 


Ali ele vira religioso e pratica enfim uma ascese de perdão ao resolver não ir em busca da ex esposa e da filha e a ser um homem humilde, que cozinhava agora própria comida, sendo assim, inclusive a forma como ele conheceu e conquistou a confiança de Joãozinho Bem Bem, ele soube servir a mesa da maneira mais tradicional possível, ele mesmo cozinhou e recepcionou Joãozinho da melhor maneira possível, e este em troca lhe jurou amizade eterna.  Esse Joãozinho tinha jagunços com nomes estranhos e que referenciavam de onde vinham, Zeferino, Juruminho, Epifânio, Tim Tatu-ta-te-vendo e Flosino Capeta. 




A narrativa, carregada de simbolismo e dramaticidade, mergulha na dualidade entre violência e fé, questionando se a transformação de Matraga é uma conquista espiritual ou uma rendição ao fatalismo do sertão, ele aceita o seu destino triste e desolado, mas isso não é tudo sobre este filme, o ápice dele fica para o fim onde Augusto finamente entende o motivo pelo qual veio ao mundo, salvar uma família inocente da truculência de seu próprio amigo, o Joãozinho Bem Bem e aqui há uma grande lição que perpassa o debate existencial e entra para a questão política. Se Augusto aceitasse a amizade de um homem que destruía famílias, seria como perder sua família de novo. Então, o homem que não tinha coragem, constrói coragem e morre para defender uma família que ele nunca tinha conhecido. 


Em primeiro lugar, vamos separar livro e filme, o filme remake de 2011 é uma estória mais sutil que entrega uma humanização que concordo necessária do personagem principal, o Nhô Augusto é o típico "cabra macho", força mulheres e tudo no livro, mas o filme foca nisso dele ser um homem comum, humanizando a história para preparar o público para o clímax da estória. Mas a questão é como o filme reverte a premissa e coloca como qualquer homem para você sentir como ele toda a mudança em sua vida. 


A estória é o seguinte, Nhô Augusto tem sua esposa roubada por um de seus inimigos que juntou capangas seus para lhe dar uma surra que quase o mata, quem dá a informação é seu inimigo Major Consilva Quim Recadeiro interpretado pelo cearense Chico Anysio. Ele é marcado com ferro como se fosse gado. 


Ele é salvo por um casal humilde e depois vira religioso. Tudo corria bem, soube e aceitou o mal destino de sua filha, que fugiu da casa da mãe, que para piorar tudo pareceu aceitar a vida nova como se fosse nada, agora com um menino de filho, fruto do segundo casamento, de papel passado e aval completo da igreja católica, no livro, ela se casa 6 anos depois com Ovídio. Isso porque o clã a moça ser de gente mais rica de Augusto é importante na adaptação fílmica mais que no livro, onde Augusto também é apontado como senhor de terras. Augusto só "virou ser humano" autônomo depois que perdeu a família, perdeu os criado e a sua fazenda, os amigos e aprendeu a ser uma nova pessoa depois que é dado como morto. 


Mas tudo isso não é nada comparado ao grande e épico final, o tiroteio entre Joãozinho Bem Bem (José Wilker) seu amigo quase irmão, onde Augusto (João Miguel) mostra todas as suas habilidades e não aceita a crueldade que o que seu amigo e seu bando de capangas queriam fazer com a família de alguém que havia roubado deles para comer. Isto leva ao rompimento da amizade, mas não da admiração, os dois morrem jurando amar um ao outro, outro tropo narrativo, onde podemos entender que os dois antagonistas eram de alguma maneira o mesmo homem, o "miliciano" e o "reformado", amigo de todos, e aquele que todos tem medo podem ser a mesma pessoa, mostrando esse traço do mandonismo local. 


Por fim, ficamos com a lição do livro e do filme é essa da redenção e da auto descoberta mediante um grande trauma, e que Guimarães Rosa soube debater os limites da moralidade masculina e dos costumes tomados como normais na sociedade. Um livro incrível, com adaptações que não deixam nada a desejar com atores incríveis em ambos os filmes. 







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