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Os Mutantes (1968): Como Rita Lee e Os Mutantes desafiaram a ditadura e mudaram a cultura brasileira para sempre ao misturar o rock psicodélico com o tropicalismo


Os Mutantes é o álbum de estreia da banda brasileira de rock psicodélico Os Mutantes, lançado em junho de 1968 pela Polydor Records. O álbum faz parte do movimento tropicalista e mistura música brasileira com psicodelia e experimentação. O álbum é considerado um dos mais importantes da história da música brasileira e foi classificado em 9° lugar na lista da revista Rolling Stone dos 100 maiores discos da música brasileira. A banda era formada por Rita Lee (vocal e flauta), Arnaldo Baptista (vocal, baixo e teclados) e Sérgio Dias (vocal e guitarra), além da participação do maestro Rogério Duprat nos arranjos. Alguns dos sucessos do álbum são "Baby", de Caetano Veloso, "A Minha Menina", de Jorge Ben, e "Bat Macumba", de Caetano e Gilberto Gil


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Crítica do disco


Mutatis mutandis é uma expressão advinda do latim que significa "mudando o que tem de ser mudado". Pode ser entendido, grosso modo, como: “com as devidas modificações”, “com os devidos descontos”. Tal expressão é geralmente empregada a respeito de uma sentença ou ideia anteriormente citada e compreendida pelo leitor. Ela indica, assim, que posteriormente algo fora alterado ou que se pode fazer uma analogia de tal fato, porém tomando as devidas proporções e alterações necessárias. Como a origem da palavra, o nome da banda sempre fez sentido pois era o que eles estavam fazendo e falando em suas músicas: a necessidade de mudança geral de um país preso pelo conservadorismo e censura de uma ditadura militar. 


Talvez por isso, o álbum Os Mutantes repetiu o nome para reforçar a ideia. Ele foi lançado em um momento de efervescência cultural e política no Brasil, marcado pela ditadura militar que reprimia as manifestações artísticas e sociais, pela resistência dos movimentos estudantis e populares, pela influência da cultura de massa e da indústria cultural, e pela busca de uma identidade nacional que dialogasse com as tendências internacionais.


O som deles é claramente influenciado por The Beatles, Jimi Hendrix, Sly & the Family Stone, Françoise Hardy, entre outros, criando um som original e inovador, que desafiava os padrões estéticos e ideológicos da época. Mutantes foi um marco na história da música brasileira, por inaugurar uma nova forma de fazer música no país, que combinava experimentação, diversidade, humor e contestação, influenciando gerações de artistas que vieram depois.


Principalmente no primeiro disco, sua influencia de Beatles, especialmente pela fase mais experimental e psicodélica da banda britânica, que lançou álbuns como Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band e Magical Mystery Tour em 1967, é incontestável. Beatles estava revolucionando a música pop com o uso de instrumentos eletrônicos, efeitos sonoros, colagens e referências à cultura oriental, algo que Os Mutantes também fizeram, mas tendo Brasil como centro dessa imaginação psicodélica. 


Outros artistas da cena psicodélica internacional, como Jimi Hendrix, Sly & the Family Stone estavam explorando novas sonoridades, ritmos e temas em suas músicas, buscando expandir a consciência e a percepção do público.


Ao mesmo tempo, Os Mutantes mantiveram identidade brasileira, misturando elementos do rock, da psicodelia, da música regional e da música erudita, criando um som original e inovador, que desafiava os padrões estéticos e ideológicos da época. Muitos dos dizeres das músicas pareciam influenciados pelo pensamento social brasileiro da época, como dos sociólogos Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes. Também dos modernistas, com jogos de palavras que lembrava Mario de Andrade e a estética (da capa e do figurino nas apresentações) que lembram Tarsila do Amaral.


Os Mutantes fez a sua antropofagia dos Beatles e pela psicodelia internacional, assimilando essa influencia e transformando-a em uma música brasileira de vanguarda


Os arranjos de Rogério Duprat foram fundamentais para o álbum, dando todo um clima de "cinema", de filme de suspense, ao disco. Sua sofisticação associada a ironia às canções, além de dialogar com as vanguardas musicais da época, como a música concreta, a música eletrônica e a música erudita. Rogério Duprat foi responsável por criar contrastes e harmonias entre os elementos do rock, da psicodelia, da música brasileira e da música francesa presentes no álbum, criando uma sonoridade rica e diversa, que surpreende e provoca o ouvinte. Para mim, o maior destaque desse arranjo é da canção "Adeus, Maria Fulô", onde há um tilintar de garrafas de vidro para dar a sensação de sequidão e aridez da seca no Sertão. Fora, mais uma vez, a questão da sociologia do Brasil e do brasileiro estar aqui de novo, agora sobre a seca, como nos relatos de Euclides da Cunha, mas com tom crítico ao etnocentrismo acadêmico.


Existem algumas referências ao cinema e a cultura pop que geralmente são esquecidos nas análises do disco. Por exemplo, a música "O Relógio" usa o som de um relógio como base rítmica e tem uma letra que faz alusão ao filme "O Tempo Redescoberto", baseado na obra de Marcel Proust. A música "Le Premier Bonheur du Jour" é uma versão em francês de uma canção de Françoise Hardy, que foi uma das musas da Nouvelle Vague francesa. Já música "Baby" é uma composição de Caetano Veloso, que faz referência ao filme Bonnie e Clyde (1967) e à atriz Faye Dunaway. Já "Bat Macumba", faz referência ao herói dos quadrinhos Batman, que na época era popular pelo seriado de TV, de 1966-1968. E em "Trem Fantasma" há uma citação ao Zé do Caixão.


Todo o som, apesar de muito experimental, possui um arrojo formal misturado uma virtuosidade de rock que nenhuma brasileira tinha a época. O baixo de Arnaldo era sensacional em sua simplicidade, marcando sempre os pontos das músicas com certa tensão irônica. A guitarra de Sérgio Dias sempre me pareceu o ferrão da abelha dos Mutantes, pois sua pericia técnica sempre conferiu a banda o padrão de qualidade internacional que o mercado necessita para dar confiança a uma banda de rock. Sua mistura de gêneros vão do mais simples hard rock, passando pela salsa, bolero e bossa nova. Tudo como se caminhasse uma coisa ao lado da outra, formando não só uma forte identidade de brasileiro, mas um som que melodicamente quer falar do ponto de vista da América, de ser americano, para o mundo. 


Já os vocais da Rita Lee eram a cereja do bolo. Seu jeito doce, direto e irônico de cantar, sempre combinaram com uma extrema perícia de como cantar as palavras para ter o tom que a banda queria atingir. Tudo isso acompanhado com uma personalidade fortíssima, ácida, que nunca deixou barato nas suas declarações e sempre provocou o sistema e polemizou com o senso comum. Além de sua encantadora beleza, sendo uma ruiva sardenta, ou seja, totalmente fora do arquétipo brasileiro do que é considerado ser "bonita", algo que somava ainda mais para sua imagem controversa de "bruxinha do bem". Esses elementos sempre fizeram dela, na minha opinião, a maior roqueira do Brasil. Sempre fui seu fã e acredito que ela vai fazer muita falta para o nosso país e, principalmente para o Rock. 


Um clássico, que se você nunca ouviu deve ouvir hoje mesmo. Ouça aqui:



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