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O Caminho de Kandahar (2001): A jornada de uma jornalista afegã em território Talibã em busca de sua irmã



Filme dirigido por Mohsen Makhmalbaf, um cineasta iraniano. É um filme com o título original Safar-e Gandegar سفر قندهار, é um filme ambientado no Afeganistão durante o governo do Talibã, com roteiro e direção de Moshen Makhmalbaf (cineasta iraniano), música de  Mohamad Darvishi, e fotografia de Ebraham Ghafouri. Vemos a história parcialmente verdadeira de uma jovem afegã-canadense chamada Nafas (Nelofer Pazira). No filme, Nafas parte para buscar sua irmã em uma jornada no deserto, em direção a cidade afegã de Kandahar, no Afeganistão. Ela mandou uma carta avisando que se suicidaria no próximo eclipse solar. O filme inicialmente ignorado, acabou sendo redescoberto depois de 11 de Setembro. Ganhou o prêmio Federico Fellini da UNESCO


A jornada de Nafas começa na fronteira, onde crianças são ensinadas a evitar as armadilhas de granadas escondidas na sua terra. É dado 20 dólares e uma banderinha da ONU para proteção antes deles passarem pela fronteira. 






Enquanto Nafas tenta passar usando sua burca e é fotografada, demonstrando uma fina ironia de tentar fotografar quem não pode ser visto. 




Durante sua jornada, ela tem que fingir ser uma das esposas de um dos homens que decidiu ajudá-la a passar, queria garantir que ela saberia representar bem o papel tradicional de uma "esposa afegã" com todas as regras que isso possa ter. 


Quando eles atravessam a fronteira, a van que eles estavam é roubada, com dinheiro e comida dentro, apenas deixaram a bandeira da ONU no caminho. O que significa que Nafas está sozinha para continuar a viagem. No caminho ela encontra um garoto da escola madrasa (onde os estudantes do talibãs são treinados). 



Ali ela conhece também um médico americano que foi expatriado e  que trabalha tratando problemas que normalmente são de falta de comida e remédios simples. Ele também é um dentista, e quando tem que analisar uma mulher, faz por um buraco por conta das leis. O médico ajuda Nafas até certa parte do caminho, por ele não poder sair muito de sua região, por ser ele mesmo procurado. Eles também conversaram muito sobre filosofia da vida ao longo do filme. 




Esse médico chamado Tahib Sahid (Dawud Salahuddin), que trabalhava ajudando aos que tinham problema de deficiência de parte de seus membros do corpo faltando. Durante sua jornada, Nafas vai narrando sua história em inglês no gravador escondido debaixo de sua burca. 


É notável a diferente no eu lírico do sentimento de quem conta a história. Para Nafas, é mais importante gravar as histórias do que ela mesma admitir que também pode ser parte reativa da história, talvez por ser jornalista. O que poderia impulsionar uma moça como Nafas que já havia fugido dali quando era criança a voltar? Heyot, o vendedor de próteses (membros) arrisca a sua via por algumas centenas de dólares para conseguir levar Nafas. 


Uma história emocionante e ao mesmo tempo divertida que procura refletir sobre o Afeganistão e o Talibã. Digo divertido, pois ele te tira do lugar comum através de alegorias simples, como a cena onde vários homens com sequelas correm atrás das pernas é uma metáfora que demonstra que marca se marca no corpo os efeitos de morar na faixa de gaza.

Por fim, eles são revistados por um grupo de mulheres do Talibã e o filme acaba. E não vemos Nafas chegando ao seu destino. Mas o documentário de 2003 faz o assunto voltar mais uma vez depois. 




Minha leitura do filme 


 A história que foi inspirada que abandonou o país em 1989, e depois tentou atravessar o país em 1996 (quando o talibã estava no controle, bem no meio do período de guerra civil interna) para encontrar sua amiga perdida de infância Dyana, e que havia fugido de seu país e era agora uma jornalista no Canadá, em meio a guerra civil. Quando o filme é rodado em 2001, reflete sobre a tomada do território pelo Talibã nos anos anteriores. 


O que faz parecer que essa história do filme é uma forma de metáfora para compreender a extensão da problemática dos direitos humanos femininos. Em 2003 houve uma tentativa novamente de revisitar a história, dessa vez com a produção da atriz Nelofer Pazira e Paul Jay, houve uma continuação com o documentário Return to Kandahar (2003) mostra ela voltando para Kabul, 13 anos depois de ter fugido com sua família, quando tinha apenas 16 anos de idade. Dessa vez, o contexto era outro. Era sobre a retirada do Talibã do governo, quando o primeiro filme era sobre tentar atravessar o deserto no meio do governo Talibã.


Os críticos discutem sobre os detalhes do filme, mas é certo que ele se enquadra como uma espécie de por conta dessa questão, que aconteceu em países tão isolados como o Afeganistão e o Irã. Tanto pela faixa de gaza e o conflito com Israel, seja por conta dos conflitos internos em torno de células e grupos considerados radicais e extremos pelos Estados Unidos, que são o principal interessado na dissolução e como o retrato da realidade dos deficientes por conta das cicatrizes da guerra na faixa de Gaza da vida de Nafas até Kandahar para salvar a irmã de cometer suicídio. O retrato do que seria o "terceiro mundo" em uma visão um pouco  metáfora, um pouco sobre a realidade. 




O filme O Caminho de Kandahar (2001) é um filme da chamada new wave iraniana, diferente da maioria dos países que viveram esse tipo de "modernidade" nos anos de 1960, países como o Irã, lugar do diretor do filme figuram como uma indústria em ascensão. Filmes dos anos de 1970-80 eram desconsiderados por conta de acharem esses países obscuros e isolados em seus hábitos. 


Depois desse período, o Irã passou a figurar como um dos países que estamos vivendo um movimento cultural, uma versão do país de uma nova onda. Isso aconteceu com um outro filme de Mohsen Makhbalbaf Tapete Persa (Persian Rug, Gabbeh ,1996). Outros filmes do diretor são Um Instante de Inocência (A Moment of Innocence, 1997). 


Segundo o diretor do filme, o Afeganistão é um país sem iconografia, onde metade da população é coberta, onde não tem sistema de transmissão de televisão, jornal, nenhuma produção de cinema ou teatros. Em uma das cenas do filme, uma garota afegã se recusa a tirar a burca, o que serve para entendermos que no filme não havia atores profissionais, sendo a vida das próprias pessoas na tela como era na vida real, uma noção de cinema documento. 


A moça passou por uma série de de eventos, mudança de guias de viagem, ficou doente, e depois chegou a ser revistada por mulheres do Talibã. Ao inserir uma certa temática até mesmo queer, quando por exemplo, o colega de Nafas se disfarça de mulher usando uma burca.




O que ela fez já é uma aventura suicida se pensarmos a forma de interpretação rígida em termos de costumes femininos, mas ela fez mesmo assim pela irmã. Com toda a ressalva ao relativismo cultural, que ás vezes até mesmo quer dizer que em casos de mutilação genital (como na Somália, onde a prática é bem tradicional), e dizer que pelo nosso linda necessidade de não concordar com o "imperialismo americano" apenas para quando nos convém (leia-se direitos das mulheres). 




Enfim, existem limites para o relativismo antropológico. Do outro lado também, a moral Carrie Mathison de Homeland, ou mesmo na vida real com nomes como Hilary Clinton e a questão dos drones nas operações no oriente médio inviabilizam o argumento de uma intervenção para "salvar" essas pessoas. O caso do Afeganistão então talvez seja o mais complicado que há.


Não que países ocidentais, ou mesmo os Estados Unidos estão livres de sua própria forma de machismo, uma forma de torna mulheres descartáveis em relação aos homens, através de uma cultura do "date" e do esquecimento, como retratado na série Sex and the City, de certa forma, essa sociologia dos encontros aleatórios também parece uma forma de coleira, só que de outra forma. O machismo americano estaria em dar "falsas opções" eternas para as mulheres, para depois as reprimir pelo comportamento durante o namoro daquilo que era visto como normal na fase dos encontros e bares. 





Contexto Histórico recente do oriente médio


Durante o século XX os mulçumanos exerceram forte influência no processo de expansão , Por exemplo, existe um forte apoio local ao Talibã pela perspectiva econômica quase de esquerda, talvez herdeira da época que parte do oriente médio e da Ásia, por exemplo, países como o Cazaquistão, Azerbaijão, Tajiquistão Quirguistão, Uzbequistão Turcomenistão eram parte das repúblicas da União Soviética (URSS).


Em 1990, havia cerca de 50 milhões de mulçumanos vivendo ali. Uma tragédia do incêndio ocorrido na exibição do filme clássico do país, Gavaznha (O Alce) contribuiu em parte para esse processo. Nesse dia, centenas de pessoas morreram queimadas na entrada no Cinema Rex em Abadã, sul do Irã. 


Em 1979 houve a Revolução Iraniana, um país mulçumano acabava de se tornar uma república.  Esse mesmo país do diretor do filme. Se tornando o país mais temido e ao mesmo tempo mais "ocidental" dos países do oriente médio. Hoje em dia, poucos lembram da diferença do antes ou depois, mas a revolução trouxe a formação de uma organização republicana e institucional, admirada por nomes como Michel Foucault, por exemplo.  Quando houve a revolução, as mulheres de todas as classes e clãs puderam votar e ter liberdade, antes apenas algumas, dependendo de seu clã possuíam direitos. 


O que não significa dizer que machismo é um problema exclusivo derivado na interpretação da Sharia (lei islâmica tradicional). Nos escritos originais do profeta Muhammad (Maomé) não havia exatamente a ideia de submissão feminina, mas a origem da palavra Islã está em si ligada com o significado de "submissão", o que se transformou em uma livre interpretação. No caso a submissão não é da mulher em relação ao homem, mas sim uma submissão ao Deus Alá. 


Por exemplo, na Sharia original se dizia sobre a necessidade de ambos homens e mulheres se vestirem com "modéstia" para talvez evitar a vaidade, diferente das leis da sharia do Talibã, que são específicas no uso do véu cobrindo toda a mulher, deixando apenas o rosto. Uma noção histórica. 


Apesar disso, Aisha (a mãe dos crentes) era a esposa favorita de Muhammad e serviu como grande difusora das ideias da nova religião. Mostrando que na origem islâmico havia figuras de poder como Aisha. O véu poderia ser explicado sem o argumento do machismo, se pensarmos que no deserto, esse tipo de roupa ajuda a manter-se limpo por dentro, principalmente se você tem cabelo grande, isso se pensarmos a origem do uso dos véus, eram como proteção e não eram muito questionados. Mas a modernidade trouxe a mudança no hábito ocidental, o que não foi acompanhado por todos as culturas e países no mundo. 


Quando o filme foi lançado em 2001, ele foi histórico por ocorrer exatamente no ano do fim do controle do Talibã na região, por quase não existir filmes vindos desses países por conta dos constantes conflitos. No ano seguinte, já haveria a invasão americana proposta por George Bush. Alguns dizem que o próprio ex presidente pediu para ver o filme. A perspectiva da garota no filme que transita o deserto atrás da irmã, e é uma jornada que em uma primeira visão parece um filme triste, mas apenas se você não entender os sub tons de ironia presentes na forma de como a menina atravessa a fronteira. 


A cena das pernas dadas pelas associações humanitárias, onde o homem queria a prótese da perna bonita parecida com a da esposa, não aceitando uma meia boca por parte das ONGs foi muito legal por mostrar a preocupação do marido com o bem-estar da sua esposa. Essa cena foi metafórica de como a faixa de gaza deixa sequelas e que o modos de vida são alterados para conviver com deficiências diversas, causados por esses conflitos constantes. 




A ligação entre o Afeganistão e o Irã vai além das fronteiras. Há quase 300 anos atrás, o Afeganistão era ligado no mesmo território que o Irã; Também falavam a mesma língua, Farsi.  Os afegãos que discordam das atitudes e dos conversadores radicais.

A população afegã tem uma relação especial com o Irã. Há 250 anos o Afeganistão foi parte do Irã, quando dividiu a língua (farsi), a religião e uma história comum. Os afegãos são muito próximos culturalmente, além de dividir uma larga fronteira com o país. Hoje há milhões de imigrantes afegãos no Irã. 


A situação no Afeganistão não é simples, já que é o resultado de muitos anos de discriminação e exploração por poderes de todo o mundo. Por muito tempo, o Afeganistão contribuiu para o tráfico de drogas, sendo o maior ‘exportador’ mundial de ópio, enquanto conservava uma imensa porcentagem da população faminta e privada de dignidade básica. 


Mohsen Makhmalbaf foi o cineasta mais militante contra o Talibã e discutiu isso profundamente em seus filmes. Seu documentário Alfabeto Afegão (2002) foi um projeto para discutir a educação como o único caminho de mudança da percepção frente aos problemas do subdesenvolvimento. 


O filme usa de uma câmera digital simples, o que ajuda a perceber um formato de documentário. A ideia do deslocamento provocado pelo exílio é bem potente, pois ela exige do expectador uma mentalidade longe do maniqueísmo tradicional. A maioria das críticas desse filme enfocam no carácter do drama, do subdesenvolvimento e de uma certa análise de uma "tristeza" e de um descaso. Não sei se foi essa a intenção do diretor, mas certamente há uma visão clara que estabelece divisões entre estabelecidos e os de fora. 


A jornalista afegã de volta ao seu país de origem, se sente perdida entre já ter sido do lugar, e ao mesmo tempo, não ser mais. O que faz com que ela possa observar a pobreza e o subdesenvolvimento como uma espécie de abandono e refúgio do mundo, uma situação de uma experiência que pôde apenas existir  consegue olhar a situação dos refugiados afegãos no Irã com o distanciamento do exílio. 

Por fim, termino dando minha opinião de que não há resposta certa, apenas o povo local que sofre com essas drásticas alterações de poder. O mais interessante é observar como isso está acontecendo de novo em 2021 com a volta do Talibã.  O fim das escolas para as meninas, fim do emprego para as mulheres, o que para mim não faz nenhum sentido. Se você quer uma "boa esposa", no caso, quanto mais estudo ela tiver, mais consciência, portanto, mais fiel a você ela vai ser. Esse é um bom recado para o Talibã manter suas mulheres para além do uso da força. A noção do estudo ser visto como uma noção "suja" também faz parte desse preconceito. 


Se o problema fosse a convivência com outros homens, porque não escolas onde as mulheres dão aulas para as mulheres, mesma coisa nas universidades? Seria uma saída para todos, mas não é isso que eles querem. E o outro lado, ocidental e golpista, espera na moita para invadir de novo o Afeganistão, como já fez a União Soviética de Brejnev, e os Estados Unidos de Bush por conta do petróleo. Para essa questão, não tem solução, pois é uma escravidão cultural que preserva os homens e queima as conquistas das mulheres, dizendo que são fruto do "internacionalismo". 


Disponível no Mubi



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