Limite (1931): Refletindo a contradição entre modernidade e passado, clássico mitológico e primordial do cinema brasileiro ficou perdido por décadas
Em um barco à deriva, duas mulheres e um homem relembram seu passado recente. Uma das mulheres escapou da prisão, a outra estava sem destino, e o homem tinha perdido sua amante. Cansados, eles param de remar e se conformam com a morte, relembrando flashbacks do passado, atingindo o limite de suas existências. Considerado perdido por anos e com exibição original limitada, muitas acreditavam que o filme era um mito. Mesmo Glauber Rocha nunca conseguiu assisti-lo na integra. A restauração total foi feita em 2010, World Cinema Foundation (Fundação do Cinema Mundial), em parceria com a Cinemateca Brasileira. A fundação surgiu nos anos 70 da preocupação de Scorsese, George Lucas, Coppola e Spielberg com o desaparecimento de obras que marcaram a história do cinema
Assista ao filme no final deste artigo
História da produção do filme
As filmagens de Limite foram feitas no município de Mangaratiba na Fazenda Santa Justina, pertencente a Victor de Souza Breves, parente de Mario Peixoto. O tema do filme é a passagem do tempo e a condição humana.
O filme provocou polêmica nas suas primeiras exibições e inclusive houve quebra-quebra durante a sua exibição. Acabou virando um mito, já que por muitos anos não foi exibido novamente e se tornou um filme perdido. Recuperado nos anos 70, o filme se tornou uma obra-prima e deixou sua marca na história cultural do Brasil.
É considerado um dos primeiros filmes experimentais já realizados na América Latina.
Limite foi criado em um momento de transição do cinema mudo para o sonoro. Apresenta inovações em fotografia e montagem, além do fato de apresentar uma narração não linear. A partir do roteiro principal, o diretor questiona “a passagem do tempo e a condição humana”.
Professor associado na UFRJ, o pesquisador Denilson Lopes pesquisou a vida de Mário Peixoto, particularmente sobre a sua homossexualidade descrita por ele como, “muitas vezes dita, mas pouco estudada”, objetivando uma “busca ansiosa de um espelho do passado em que possamos nos ver”.
Seria possível atualizar o passado a partir de um olhar para tudo que é estranho na História? O livro é composto de três ensaios, o primeiro focado na infância, o segundo, no período em que Peixoto viveu no Reino Unido (entre 1926 e 1927) e o terceiro na sua correspondência com o escritor Octávio de Faria (1908-1980). A base do trabalho são cartas e também diários do Arquivo Mário Peixoto. Analisando documentos de infância recentemente digitalizados, com atenção especial, percebe-se pelo texto do livro, às fotografias, não por acaso “espaços privilegiados de uma expressão queer, homoerótica, no modernismo”, explica o autor. As fotos com dois amigos japoneses, por exemplo, ajudam a entender a expressividade corporal que incomodava o próprio Peixoto e que foi importante para o seu rompimento com a família, incomodada, indica Lopes, com aqueles registros da aproximação física entre os amigos.
Segundo um outro artigo de Denilson Lopes, disponível no Google Acadêmico, sobre as cartas de Limite, diversas cartas inéditas, em grande parte, de Octavio de Faria para Mário Peixoto, escritas desde o fim dos anos 1920 até 1933, pelas quais Octavio realiza uma campanha publicitária em favor de Limite (1931) e trazem mais informações sobre a obra são exploradas. Pelas cartas, podemos ver uma longa amizade (que durou até a morte de Octavio de Faria), as ansiedades de jovens artistas, como foi a primeira apresentação de Limite em 17 de maio de 1931 - e, ao mesmo tempo, as cartas ajudam a desmitificar o suposto isolamento de Mário Peixoto.
Nas cartas de Octavio a Mário, sempre considerando que Mário possa as ter alterado quando estava revendo o material, no interesse de publicá-lo ou ter incorporado no grande projeto de Mário Peixoto, O inútil de cada um (1992), aparecem registros de trabalhos desconhecidos, e posicionamento de Octavio de Faria sobre o papel do artista em grande parte, a partir do que Mário lhe enviou ou fez. Como diz sobre uma peça de Mário Peixoto: “O que eu quero dizer é que ela não vai ser apreciada como devia. Você que viu ‘A Turba’ conhece os juízes que te esperam. E como me parece que eu mesmo não sou mais que um deles vou parar para não cuspir mais para o alto. Só há um juiz para sua obra: você mesmo”.
De forma explícita, na continuidade da correspondência, Octavio de Faria faz uma avaliação do amigo, das consequências de sua formação de “menino rico e prendado moral como intelectualmente”, “menino de família”, e a implícita necessidade de ruptura com esta formação para ser um artista, na anunciada longa carta que ele escreve em 26 de julho de 1929.
Ali, ele demonstra ver em Mário uma falta de persistência que talvez anuncie as dificuldades em concluir trabalhos após Limite : “Você vive mudando de orientação. Não tem a força de errar até o fim num sistema. Logo que você perde a confiança no sistema em que você se lançou com entusiasmo, você murcha, desanima, desiste”. Octavio critica também sua impressionabilidade, como se esta derivasse de uma falta de vontade para construir uma obra pessoal: “Natureza, portanto extremamente sensível que vive no contacto de muitos pensamentos diferentes (o burguês aventuroso do teatro de brinquedo honrado de seu pessoal, o artístico , etc.)”. Subjaz ao desejo de uma obra pessoal, uma afirmação de uma personalidade forte.
Limite foi por muitos anos considerado totalmente perdido. E como o filme foi originalmente exibido apenas em ciclos fechados, Limite sempre teve uma aura mitológica. Para se ter noção muitos acreditavam que o filme não existia, não passava de lenda, e Glauber Rocha escreveu sobre o filme mas nunca conseguiu de fato assisti-lo na integra.
A restauração total foi feita em 2010, World Cinema Foundation (Fundação do Cinema Mundial), criada por Martin Scorsese. Segundo reportou a Folha na época, a restauração foi uma parceria da entidade com a Cinemateca Brasileira. A fundação surgiu da preocupação de Scorsese com o desaparecimento de obras que marcaram a história do cinema. No final dos anos 1970, ele e os diretores George Lucas, Francis Ford Coppola e Steven Spielberg criaram a Film Foundation, que restaurou mais de 500 filmes norte-americanos, muitos deles da primeira metade do século 20. A fundação mudou de nome -chama-se hoje World Cinema Foundation- e estende sua salvaguarda a filmes como "Transes" (1981), do marroquino Ahmed El-Maanouni, e "Limite".
Assista ao filme aqui:
Comentários
Postar um comentário