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Nosferatu (1922): Completando 100 anos, censura marcou lançamento do primeiro filme de vampiro da História e que se tornou clássico do Expressionismo Alemão




É a primeira adaptação para o cinema de Drácula, conto escrito no século XIX por Bram Stoker, escrito junto com uma leva de histórias de terror clássicas, como Frankestein. Marcante por sua estética e enquadrado no gênero do expressionismo alemão, o filme de Murnau se tornou um clássico, mas na época foi considerado pesado demais para o grande público, fazendo falir os envolvidos no projeto e o estúdio. Florence Stoker, mulher de Bram Stoker processou o filme e ganhou, garantindo a destruição dos negativos do filme que quase foi completamente perdido. Nosferatu foi produzido pela Prana Film e é uma adaptação não autorizada e não oficial do romance Drácula de Bram Stoker de 1897. Vários nomes e outros detalhes foram alterados do romance, incluindo o Conde Drácula sendo renomeado Conde Orlok.

 

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O agente imobiliário Hütter é enviado por seu misterioso chefe Knock a um lugar remoto nas montanhas dos Cárpatos para fechar um acordo com um nobre local, o conde Orlok, que deseja comprar uma propriedade em Wisborg. 




Knock sugere que seu funcionário ofereça ao Conde Orlok um prédio vazio que fica bem em frente à casa de Hütter, e ele passa a stalkear a mulher de Hütter que começa a ficar assustada e passa também a ler sobre o tal Nosferatu



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Depois de deixar sua jovem esposa, que parece estar particularmente angustiada com a missão de seu marido, aos cuidados de seu amigo Harding e sua irmã (que é identificada como Anny no roteiro original), Hütter parte para sua jornada com grande expectativa. Ellen, que é a "melhor mulher" e a única que lê, no caso o "Book of the Vampyr", ou seja "O Livro dos Vampiros". Muitos culpavam os sentimentos de repressão vitorianas com o sucesso das novelas populares. Bram Stoker, por exemplo, escreveu inspirado na figura de Jack, o Estripador, que começava sua fama como o serial killer mais "famoso" de todos os tempos. 


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Assim que chegou aos Cárpatos, ele passa uma noite com alguns camponeses locais que estremecem e se benzem com a menção do próprio nome do conde Orlok, e o convidam a desistir de sua jornada. 


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No entanto, nem os camponeses, nem os avisos contidos em um livro sobre "Vampiros, fantasmas monstruosos, feitiçaria e os Sete Pecados Capitais" encontrados em sua mesa de cabeceira, podem dissuadir Hütter de chegar ao castelo de Orlok.  


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Deixado no meio da floresta pelos homens das carruagens que se recusam a acompanhá-lo, Hütter é abandonado a própria sorte. 



Ele é pego por uma carruagem conduzida por um homem misterioso completamente envolto em uma capa preta e eventualmente depositado na entrada do castelo do conde. 


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Depois de cruzar a estrada, o cocheiro (que já parece o Nosferatu disfarçado) não fala nada, apenas aponta para o castelo. 


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Lá o conde, que parece ser uma figura aleatória e pálida vestida com um terno escuro, encontra Hütter e o convida para uma casa deserta. Durante seu primeiro jantar com Orlok, Hütter corta seu dedo com uma faca de pão e o conde acaba lambendo os lábios aparentemente em antecipação ao ver seu sangue. 




Durante a segunda noite de Hütter no castelo, Orlok ataca seu hóspede em seu quarto com intenção de beber seu sangue. No mesmo momento, ela acorda e começa a andar sonâmbula. Embora o médico rejeite seu estado como uma forma de distúrbio hepático, uma legenda e um uso criativo de edição cruzada vinculam sua doença às ações dos Nosferatu contra Hütter e à chegada do conde em Wisborg. 


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De volta ao castelo, Hütter fica horrorizado ao descobrir que o conde dorme em um sarcófago e então o observa carregando uma carroça com caixões e deixando o castelo. Orlok vai para Wisborg e, assim, ligando a chegada do conde à cidade com um sentimento sinistro alarme, Hütter escapa do castelo e é encontrado febril e confuso por alguns camponeses locais. 


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Enquanto isso, a tripulação da escuna Empusa zarpou para Wisborg, alheia ao perigo que espreitava na carga do barco. Um corte leva o espectador de volta a Wisborg, onde o professor Bulwer  dá palestras sobre plantas carnívoras e outros mistérios da natureza, enquanto o empregador de Hütter Knock está dando sinais claros de loucura e a esposa é vista à beira-mar com saudades de seu amado. 


Uma legenda apresenta um recorte de jornal falando sobre a explosão de uma epidemia de peste na Transilvânia e em outros portos do Mar Negro, associando o personagem com a chegada do Conde, enquanto no Empusa os marinheiros caem um a um, vítima do Conde Orlok. A chegada a Wisborg do navio agora vazio e espectral durante uma das sequências mais espetaculares e icônicas do filme também marca o início da praga para os habitantes da cidade.  


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Ao ser mordido por seu patrão Nosferatu, Hütter manda uma carta para sua amada mentindo que foi mordido por mosquitos de noite. Depois disso, Nosferatu passa ficar obcecado com a esposa de Hütter. Na lenda do livro, ele lê que precisa do sangue de uma jovem.


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A esposa, embora violando a proibição explícita de Hütter, lê do Livro dos Vampiros e descobre que apenas o sacrifício de uma mulher sem pecado pode pôr fim à praga trazida à cidade pelos Nosferatu. Com a cidade em pânico desmoronando ao seu redor. 


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A esposa atrai Nosferatu em seu quarto e o deixa beber seu sangue até a manhã, quando o primeiro raio de sol mata o vampiro, libertando Wisborg da maldição. A última cena do filme nos mostra um angustiado Hütter abraçando sua esposa morta enquanto no primeiro plano da imagem o professor Bulwer parece derrotado e indefeso.




A História do filme


O estúdio por trás do Nosferatu, o Prana Film, foi um estúdio cinematográfico alemão silencioso de curta duração, fundado em 1921 por Enrico Dieckmann e o artista ocultista Albin Grau, batizado em homenagem ao conceito hindu de prana. Embora a intenção do estúdio fosse produzir filmes com temas ocultistas e sobrenaturais, Nosferatu foi sua única produção, já que declarou falência logo após o lançamento do filme.


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Grau afirmou que foi inspirado a fazer um filme de vampiro por uma experiência na guerra. O conto apócrifo de Grau, escrito durante o inverno de 1916, conta como um fazendeiro sérvio disse a ele que seu pai era um vampiro e um dos mortos e vivos. 


Os roteiristas deram a Henrik Galeen, um discípulo de Hanns Heinz Ewers, a tarefa de escrever um roteiro inspirado no romance Drácula, embora a Prana Film não tivesse obtido os direitos do filme. Galeen era um especialista experiente em romantismo sombrio. Ele já havia trabalhado em O Estudante de Praga (1913) e no roteiro de O Golem: Como Ele Veio ao Mundo (1920). Galeen ambientou a história na fictícia cidade portuária de Wisborg, no norte da Alemanha e mudou os nomes dos personagens e acrescentou a ideia do vampiro trazendo a praga para Wisborg por meio de ratos, e deixou de fora o personagem caçador de vampiros Van Helsing. O roteiro de estilo expressionista de Galeen foi poeticamente rítmico, sem ser tão desmembrado como outros livros influenciados pelo expressionismo literário, como os de Carl Mayer.


As filmagens começaram em julho de 1921, com tomadas externas em Wismar. Uma tomada da torre de Marienkirche sobre o mercado de Wismar com o Wasserkunst Wismar serviu como plano de estabelecimento para a cena de Wisborg. Outros locais foram o Wassertor, o pátio Heiligen-Geist-Kirche e o porto. Em Lübeck , o Salzspeicher abandonado serviu como a nova casa de Nosferatu em Wisborg, a do cemitério da Aegidienkirche serviu como a de Hütter, e no Depenau uma procissão de portadores de caixão carregou caixões de supostas vítimas da peste. Muitas cenas de Lübeck aparecem na caça a Knock, que ordenou que Hutter encontrar o Conde Orlok. Seguiram-se outras tomadas externas em Lauenburg, Rostock e Sylt. O exterior do filme ambientado na Transilvânia, foi filmado em locações no norte da Eslováquia, incluindo Altos Tatras, Vale Vrátna, castelo Orava, o rio Váh e o castelo Starý hrad.


Por razões de custo, o cinegrafista Fritz Arno Wagner tinha apenas uma câmera disponível e portanto havia apenas um negativo original. O diretor seguiu o roteiro de Galeen cuidadosamente, seguindo instruções escritas à mão sobre o posicionamento da câmera, iluminação e assuntos relacionados. No entanto, Murnau reescreveu completamente 12 páginas do roteiro, já que o texto de Galeen em partes que diziam respeito à última cena do filme, em que Ellen se sacrifica e o vampiro morre nos primeiros raios do sol.


A partitura original foi composta por Hans Erdmann para ser executada por uma orquestra durante as exibições. No entanto, a maior parte da partitura foi perdida, sendo reconstruída de diversas formas em remasterizações posteriores.



Leitura do filme 


Segundo Laura Cánepa, no livro História do Cinema Mundial, delimitar a cinematografia “expressionista” se torna uma tarefa complexa, pois não se trata de uma definição baseada em padrões estéticos rigorosos, e sim de título apropriado pelos produtores alemães usando a credibilidade de sua vanguarda artística mais popular. Mesmo que seja possível delinear algumas estratégias visuais e narrativas recorrentes em um grande número de filmes, tem-se a impressão de incompletude e generalização quanto à classificação de “Expressionismo”. Entretanto, os fatores que mais se repetem nesses filmes são a composição, a temática e a narrativa.


Filmes feitos depois de Caligari apresentavam uma junção única de diferentes aspectos ligados à mise-en-scène (luz, decoração, arquitetura, distribuição das figuras e sua organização em cena), que resultava numa ênfase na composição, reforçada por maquiagem e figurino estilizados. Nesses filmes, personagens e objetos se transformavam em símbolos de um drama eminentemente plástico.


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Há em Nosferatu a origem daquilo que, principalmente de maneira metatextual e metafórica, está em quase todos os filmes de vampiro: uma trama de desejo sexual mal resolvida ou prestes a se resolver. Diferentemente dos filmes em silêncio feitos anteriormente, a temática sexual chamou a atenção dos censores da época. 


Já nos anos de 1930, esse tipo de filme ganhou as rodas e começaram a ser debatidos em termos de regulação e censura. Essa mudança ocorreu junto com a adição de elementos como a atmosfera de música ambiente que começou a ser utilizada nos teatros de cinema locais com orquestras e música ao vivo para acompanhar os filmes. Isso aconteceu pelo aumento dos espectadores e formação de diálogo macabros com boa dose de gritos para embalar combinados. Van Helsing explica que Drácula possui o cérebro de uma criança e traços de nativo americano. Quando ele mata alguém, não sente remorso por isso.


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Nosferatu é destruído pelo sacrifício da jovem e a vida volta ao normal. Mas foi essa situação indesejada por ela? Primeiro, Ellen já possui certo interesse e excitação em estórias e livros de vampiros. Obviamente seu esposo gosta dela e ela dele, mas obviamente ele não se importa com ela. Sua prioridade é se realizar profissionalmente, e a forma como ele se coloca em perigo para realizar isso, demonstra certa obsessão de sua parte. Além disso, ele tenta desmotivar Ellen da leitura, como se mulher ler fosse algo errado. Não é difícil imaginar que Ellen tenha deixado a porta aberta para Nosferatu entrar, algo bem representado pela sobra da mão do vampiro sobre ela e sua exagerada reação.


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A sutileza e genialidade dessa cena marcam o filme. Uma cena do vampiro tocando o seio da moça nos anos 20 chocaria a sociedade, mas se for só a sombra ensejando seu desejo, não há problema algum. O Drácula e seu caráter sedutor serviu de inspiração para diversas histórias de vampiro com teor sexual, que por vezes são puramente sobre sentimentos, como em Crepúsculo, ou com teor mais profundo, como O Beijo do Vampiro (1988). Por outro lado, por exemplo, influenciou a formação de um cult chamado Temple of the Vampire, grupo satânico que tem sua própria bíblia, anel e medalhão.  O culto tinha Benjamim H. Leblanc como vampiro líder. A literatura feita no século XIX como Drácula e Frankenstein eram essencialmente novelas que se preocupavam com a noção de ciência, diário de campo, anotações de viagens. Esse tipo de detalhe na transposição das adaptações fílmicas foi solapado em torno do enfoque nas estórias de horror. 


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No livro do Drácula, o início é sobre a descrição do diário de Jonathan Ranke, e faz um apanhado dos povos da Transylvania, como uma das regiões mais desconhecidas e misteriosas da Europa. Constituída de descendentes de Valáquios, Cárpatos e Saxões.


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Hoje em dia é considerado um clássico, mas alguns autores comentam que na época de seu lançamento, a própria viúva de Bram Stoker queria queimar cada cópia do filme e entrou na justiça contra ele. Por isso o nome Nosferatu foi a forma de adaptar para o cinema a famosa história do Conde Drácula, inspirada no Conde Vlad Tepes III, que era da Romênia, na verdade, que era conhecido por sua crueldade e por seu hábito de empalar pessoas. O apelido Dracula vem do latim é é por significar "dragão" e "filho do diabo". 


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Na época em que foi realizado em 1922 a Alemanha vivia a República de Weimar e vivenciava a experiência traumática da Primeira Guerra. Temas como homossexualidade e sexualidade feminina eram tabu. Devido a isso, a novela clássica de Bram Stoker pode ser explicada por uma experiência traumática que Stoker teve em um hospital em Dublin onde foi deixado sangrando uma vez na infância. Já leituras nos anos 1990 estimularam o pensamento de que a novela tratava de ansiedade de um homem que escondia sua sexualidade por conta do período de julgamento de Oscar Wilde.


Sendo a primeira adaptação de Drácula, o enfoque era na metáfora da praga dos ratos, como na peste negra. Os ratos acompanham Orlok para a Inglaterra. O filme brinca com o processo de irracionalidade do povo de Bremen que procuram por Renfield, de quem eles não gostam e culpam, e não Nosferatu, que fica livre, leve e solto o filme inteiro. O filme brinca que um é descrito como o assassino por mitologia, e o outro é o verdadeiro bandido. O  clima de linchamento popular era estimulado por uma cultura no século XIX altamente antissemita e misógina em locais como a Europa.  


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Muitos reconhecem elementos que caracterizavam os judeus de maneira arquetípica em Nosferatu. O nariz longo e as roupas antigas, são elementos que para muitos marcam o filme por um clima anti-judeu. Considero esse ponto de vista equivocado pela própria narrativa em si. Apesar de Murnau nunca admitir a intenção em representar os judeus em tais traços, acho possível ser uma referência, na verdade, ao medo dos judeus irracional sentido pela sociedade da época. A maior prova disso: o final do filme. Ellen parece ter se cansado da falta de atitude de Hütter. Ele não se interessa em nada além de seu emprego e sua profissão, e depois, pela ameaça do vampiro. Por último, ele passa a noite com Ellen para protegê-la do vampiro e simplesmente dorme. Já o Nosferatu, demonstra extremo interesse por Ellen. Assim, se Nosferatu é um judeu, sua capacidade de seduzir completamente Ellen, superando seu noivo, deve ser questionada como um traço de superioridade cultural inserido por Murnau e equipe do filme como provocação.


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De todas as coisas que chamam atenção no filme, nada supera sua fotografia. O diretor de arte Albin Grau e o fotógrafo Fritz Arno Wagner produziram atmosferas visuais fantásticas, dialogando com a pintura romântica, com a fotografia dos filmes escandinavos, com a expressividade das sombras expressionistas e com interessantes experiências de viragens e negativo.




Os tons que variam conforme as horas do dia, o forte contorno das sombras que as marcam quase como um personagem extra para contar a história do filme, e os ângulos simples e bem pensados narrativamente de maneira a fixar na memória as cenas do filme. O clima sombrio de estar onde não deveria em uma situação de perigo, as cenas de paisagens ao mesmo tempo fantásticas e incompreensíveis e os olhares e reações de medo marcam o inicio de um estilo mais formal de representar o terror. A câmera se comporta entre os planos de uma maneira construtiva, respeitando a proporcionalidade entre as cenas. Com certeza um dos filmes mais aterrorizantes e excitantes de todos os tempos. 


Disponível no Telecine, no Looke, na Pluto Tv, no A La Carte, no Cult Pix e no Youtube:







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