Fins da década de 1920. Patrícia “Pagu” Galvão (Carla Camurati), ainda jovem, já brilha nos círculos intelectuais avançados de São Paulo e choca a sociedade conservadora. Sonhando em ser atriz e em uma vida moderna, conhece o grupo de libertários de São Paulo. Apresentada aos modernistas, destaca-se entre figuras como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Pagu e Oswald se envolvem num romance proibido, têm um filho e militam no Partido Comunista — juntos fundam um jornal e ela faz uma incursão à Argentina onde entrevista Luís Carlos Prestes.
"Sou rainha do meu tanque, sou Pagu indignada num balanque" (Rita Lee)
Os anos 1920 foram a primeira verdadeira época moderna mesmo. O surgimento da vida noturna, dos hábitos de beber e fumar para mulheres também mostravam ums época pulgente e cheia de escolhas mas que ainda vivia em conservadorismo profundo.
A autonomia dos círculos intelectuais é um tema já debatido ao século XIX. Até em textos da Angela Alonso há muito desse debate e da negação de originalidade e pensamento fininado nas artes e também na política.
Mesmo em 1930, quando a juventude paulista se rebeleu (e ainda celebram o evento) era em cima do perfil, homem, branco e rico e militar. Mas o que os defensores da paulicéia não explicam é o autoritarismo da República Velha e a velha divisão de poder entre São Paulo e Minas Gerais. Por isso houve tantas mudanças, ninguém aguentsva mais as eleições fraudadas.
Mesmo assim, a juventude ligada a Semana de Arte Moderna e suas bifurcações futuras também se rebelava nas artes por ser impossível na política, e assim faziam política através da arte, para obter autonomia e primazia no tema da identidade nacional obtida através de um movimento cultural.
Vale comparar a época que o filme foi feita, fim dos anos 1980 e o clima constituinte de tudo novo combinava com o clima da Semana de Arte Moderna que marcou tanto a estética e as artes, assim como Pagu foi uma musa muito ativa também no mundo da política e no Partido Comunista.
É do livro de Marco Antonio Villa que pego a referência de que antes "São Paulo não haveria intelectualidade". Teria se desenvolvido na geração dos modernistas, com todos seus arroubos e novos hábitos modernos. Tarsila do Amaral foi e é o maior expoente do movimento, criando a forma moderna e brasileira de pintar e sendo reconhecida no mundo inteiro.
Apesar da falta de povo ou popular, o movimento repensava formas e estéticas e inovava mais do que importava e com a participação feminina, o que radicalizava as tendências locais desses partidos comunistas. Pagu é mostrada bem no início como uma menina normal da elite que ficava entediada e fugia da escola.
Mas depois chega ao ponto de ter uma trajetória própria. Uma vida agitada e muito cosmopolita. Pagu nunca ficou em cada e teve problemas de saúde por isso e por conta das inúmeras vezes presas. Se casou de novo e teve mais um filho com outro homem.
É a década do surgimento do Partido Comunista no Brasil, fundado em Niterói, Rio de Janeiro em 1922. Apesar dos originários daqui não possuírem ligações diretas com o movimento feminista, o de primeira geração. O Partido aqui havia primado por tentar organizar a insatisfação com a unidade sindical que era uma tendência irreversível.
Pagu é um ícone incomum. Da moda mais banal, passando pelo escândalo familiar moderno (se envolveu com homem casado), e chegando ao ponto militante e resistente. Ela foi presa diversas vezes e uma vez recusou apertar a mão de Adhemar de Barros, que chamou de fascista. Há muito debate sobre a importância desse tipo de "feminismo porra louca".
Tem até mesmo uma mea culpa que ela teria feito por ficar na greve ao lado de um estivador que toma um tiro, interpretado por Antônio Pitanga. Aí ela sai no jornal e é presa. Quando recebe a crítica de que PC lhe te dado a acusação de promoção, ela se desculpa por 'sensacionalismo'.
Ao retornar ao Brasil, enfrenta nova prisão e desilusão com o comunismo, que a leva a se aproximar do trotskismo. Mais tarde, se casa com Geraldo Ferraz, retoma sua produção literária e teatral, enquanto luta para manter sua voz ativa até o fim.
Dirigido por Norma Bengell, Eternamente Pagu (1988) é um biopic que retrata a vida intensa e controversa de Patrícia Galvão, a Pagu — escritora, poetisa, jornalista, militante e símbolo da vanguarda modernista. Trata-se do primeiro longa-metragem dirigido por Norma, cujos roteiros foram assinados por ela, Márcia de Almeida e Geraldo Carneiro.
O filme equilibra os universos pessoal, político e artístico da protagonista, sua visão de mundo, ideologia e revelando seu ativismo, prisões, amores e sua posição de transgressão frente à sociedade conservadora da época. Produção por Embrafilme, Flai Cinematográfica, Sky Light Cinema e Maksoud Plaza, com distribuição por Embrafilme e Riofilme.
A direção de fotografia ficou com Antônio Luiz Mendes Soares, com trilha sonora assinada por Turíbio Santos e Roberto Gnatalli. O som foi editado por Walter Goulart, direção de arte por Alexandre Meyer, figurinos de Carlos Prieto e edição de imagem de Dominique Paris.
Podemos refletir sobre o feminismo de primeiro geração, marcante em obras como Little Woman, Eternamente Pagu celebra não apenas a vida de uma mulher revolucionária mas também destaca uma cineasta pioneira como Norma Bengell. O filme se firma como um marco do cinema brasileiro dos anos 1980 e um retrato vívido da turbulência política e cultural da primeira metade do século XX.
Filme mostra essa pulsante São Paulo dos anos 1920 e 1930 deixava de ser apenas a capital do café para se tornar uma metrópole moderna. O crescimento das fábricas, a chegada de imigrantes e o florescimento de novos hábitos urbanos – como os cafés, os clubes literários e as reuniões artísticas – moldaram um cenário em que a intelectualidade ganhava espaço e força.
É nesse caldo de modernização e tensões sociais que surge Pagu, figura que encarna a fusão entre o moderno e o marginal: uma mulher que circula entre saraus de vanguarda, manifestações operárias, colunas de jornal e palcos de teatro experimental. Eternamente Pagu, ao revisitar sua história, evidencia como a efervescência cultural paulistana foi marcada pela contradição entre a busca por modernidade e o peso de uma sociedade conservadora que resistia às transformações.
Assim, o longa de Norma Bengell não se restringe a um retrato biográfico: ele também dialoga com a construção da própria identidade urbana de São Paulo, onde nasceram tanto o modernismo literário de 1922 quanto as primeiras experiências de engajamento no país. Mostra essa modernidade, essa busca pela identidade nacional e claro, a falta de rivalidade entre Pagu e Tarsila, apesar de ter pego o marido da outra. Por isso acho interessante essa relação.
O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte — primeiro filme brasileiro a vencer Cannes, ela participou do filme como Marli. Na mesma época, tornou-se um símbolo de ousadia em Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra, ao protagonizar a primeira cena de nu frontal do cinema nacional. A atriz vira diretora de sucesso também e fez O Guarani de 1996.
Mesmo sendo uma das musas do cinema, Norma nunca se limitou ao papel. A partir dos anos 1970, aproximou-se de projetos mais críticos e políticos: participou de produções do Cinema Novo e atuou em filmes como Noite Vazia (1964), Os Deuses e os Mortos (1970) e O Anjo Nasceu (1969), que exploravam as contradições sociais e a violência urbana do país. Sua postura de enfrentamento à ditadura militar a levou ao exílio, período em que trabalhou na Itália e em outros países europeus.
Ao retratar Patrícia Galvão, ela também parecia revisitar sua própria imagem de mulher transgressora, perseguida, mas profundamente atuante na cultura brasileira. Entre o fardo das cobranças, o brilho dos olhos moles que viraram verso com o "Coco de Pagu", Pagu, olhos moles de doer, doi porque é bom de doer.
Eternamente Pagu, seu primeiro longa como cineasta, é resultado dessa vivência: um projeto que une estética sofisticada, consciência histórica e que denota o amadurecimento da forma de abordar os temas nacionais. Vale lembrar a curiosidade de que Carla Camurati vai dirigir o filme Carlota Joaquina. Camurati antes disso interpretou Pagu muito bem nesse filme. Quase que não dá pra reconhecer a futura diretora ainda muito jovem.
Pagu se casa com um amigo de Oswaldo para disfarçar e foge com ele na lua de mel e os dois se casam simbolicamente em frente a um cemitério.
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Pagu, Oswald de Andrade e o filho deles, Rudá. |
Essa trajetória moldou o olhar de Norma quando assumiu a direção. O filme tem um amadurecimento absurdo e profundo. Um olh8ar político que conversa intimamente com a câmera e o desenvolvimento do filme. A parte de reproduz as peças da são muito bem feitas. Norma Bengell destacou-se como atriz antes de dirigir este longa; posteriormente, dirigiu outras produções como O Guarani (1996) e documentários sobre pianistas.
Carla Camurati assume o papel de Pagu, protagonizando com intensidade e sensibilidade. Em papéis marcantes, Antônio Fagundes interpreta Oswald de Andrade, Esther Góes encarna Tarsila do Amaral, e Nina de Pádua vive Sideria, irmã de Pagu. Outros nomes incluídos no elenco: Otávio Augusto (Geraldo Ferraz), Paulo Villaça, Antonio Pitanga, Breno Moroni, Kito Junqueira, Beth Goulart, entre outros.
As premiações são o Festival de Gramado 1988: Carla Camurati venceu como Melhor Atriz; o filme também ganhou o prêmio de Melhor Trilha Sonora, e foi indicado como Melhor Filme. IV Rio-Cine Festival: levou o Prêmio Sol de Ouro de Júri Popular em “Melhor Fotografia” II Festival de Cinema de Natal: novamente premiou Carla Camurati como Melhor Atriz.
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