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Guerra de Canudos (1997): Entre as páginas de Sertões de Euclides da Cunha e as telas do cinema – Uma análise crítica

  

O filme de 1997 é do diretor Sérgio Rezende. Sobre a maior guerra civil ocorrida em território brasileiro, em 1890, entre republicanos soldados da nova ordem que invadiram e destruíram uma espécie de comuna rural que conclamavam ser a nova 'Revolta da Vendéia'. O conflito assolou o interior da Bahia, na localidade de um lugar chamado Monte Santo. A Guerra de Canudos durou de 1896-1897, houve 4 expedições para a destruição total de canudos. Filme também aborda algumas frases do livro de Euclides da Cunha, Os Sertões, que apesar de toda as polêmicas, ainda é um livro de suma importância para a História do Brasil



 "Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado  
Pedindo pra chuva cair, cair sem parar

                                                             -  O Rappa, Súplica Cearense


Todo mundo deveria, acho eu, pelo menos uma vez ler ou parar para refletir um pouco desse livro, ou pelo menos já ouviu falar dessa tão clássica e pomposa obra. 


O autor dialoga diversas tradições científicas ofuscados por uma falta de direcionamento de fala no seu método, ele erra na premissa, se comparar a Tucídides, mas seu 'report' relatório é mais do que partidário e vamos aos poucos explicar isso. Mas temos que admitir a importância dele para as formas escritas da nossa língua e academia. 


Lembro de ter lido esse livro na época da faculdade, lembro bastante de um aulas onde queriam dizer que Euclides tinha sido crítico a guerra de canudos, denunciando como um crime, palavras de começo e fim de livro, todo o livro é uma denúncia tipológica sobre o nordestino e o nordeste. Nessa crítica, vamos tentar contextualizar a escrita e o estilo do autor. 


 Agora que eu li as 575 páginas desse livro, e citando o próprio Euclides, em nota a sua segunda edição, a primeira publicação do livro inteiro foi em 1902, e em 1903 já havia uma reimpressão onde fica claro o lado de Euclides na guerra: 


"Não tive o intuito de defender o sertanejo porque este livro não é um livro de defesa; é infelizmente, de ataque". Ele diz com todas as letras o que se você leu o livro inteiro, vai entender também, o caráter preconceituoso e de falso julgamento científico, fruto de uma extensa descrição etnográfica sobre o "tipo sertanejo", sendo um dos três principais capítulos de análise. 


Bom, ás vezes ler é realmente a arte de desfazer nós ideológicos cegos, que por nenhuma maneira, são aleatórios. Eu tenho que ser sincera e dizer que não é uma leitura gostosa, mas li o livro como um relato de viagem, como um report vindo do fronte da guerra e me lembrou aquela polêmica daquele livro, "O Fardo do Homem Branco". Apesar disso, sua obra tem erros de gênero científico e vamos nos embrenhar nessas matas da escrita de Euclides. 

 Isso é notável no teor da obra, como Euclides se achava o mais branco dos brancos e chega a comentar surpreso que havia umas e outras loirinhas no meio da cidadela fantasmas do fenômeno do conservadorismo popular, mas mesmo assim, devemos pelo menos ler o livro antes de "cancelar", porque até o livro que possa ser maçante e prolixo como este, tem lições de diversas áreas científicas que podem nos ensinar sobre a estrutura da forma e fazer do saber científico. 


O racismo presente em Euclides da Cunha, também está presente no sudeste e na sua imprensa, não precisamos dizer que o Estadão de Euclides sempre esteve ligado com o conservadorismo. 

Afinal de conta, essa guerra civil é complicada, parecida em estética com a guerra civil americana, aqui a rivalidade não tem na a ver com raça, apesar das defesas apaixonadas e transloucadas do mestre da erudição aleatória, senhor Euclides da Cunha.

 Como ele é apenas ou cancelado (para quem entendeu parte de seu pensamento evolucionista social), ou louvado, para quem não entendeu nada mesmo. 



Muitos erroneamente marcam que Euclides haveria "denunciado" toda a extensão de crueldade com Canudos, mas ele esqueceu da morte de mulheres e e venda de crianças, e de que nem mesmo se rendendo, aquelas pessoas foram consideradas ser humano por ninguém. 


 Euclides falou tanto da loucura carismática abjeta e irrevogável de Antônio Conselheiro que esqueceu da sua própria loucura e de seu próprio telhado de vidro. 


Conselheiro, por sua vez, considerado um sábio ainda pelas gerações atuais lá no nordeste, ele usava uma peça azul escura de um tecido de brim americano simples. Era a a famosa vestimenta de Conselheiro. 

No fim, existe uma troposfera narrativa que compara os dois,  os dois tinham suas próprias visões de mundo, mas tinham suas similaridades. Ambos diagnosticaram os problemas locais e converteram isso em uma visão unilateral e que influenciou massas diferentes. Euclides falou para a massa da academia e Conselheiro, por sua vez se converteu nessa figura adorada pelo povo nordestino. 


Hoje em dia, na região onde era Monte Santo, nas margens do Rio São Francisco corria certa influência por todo o nordeste, dos sertões que tanto Antônio Conselheiro conhecia com a palma da mão. Atualmente, tem até um museu para relembrar parte de sua história, de notória importância para a História do Brasil. 




Apesar do flagelo e do catolicismo, vale lembrar que essas pessoas viviam com nada, e que o exército resolveu invadir não para levar comida mas para levar a "civilização", na bala se for preciso, sim, Canudos foi muito mais que um crime, foi uma vergonha que indica o quanto não são civilizado aqueles que se dizem tão civilizados. 


A ironia é que Euclides mesmo depois de todo seu sucesso na capital, veio a saber que sua senhora estava de caso com um cadete muito bom de tiro, ele foi até a casa dele para tirar satisfação em um duelo (claro, na moda antiga) e morreu pro amante da mulher. 


Afinal Euclides se achava superior aos "mestiços locais" de canudos e sujeito muito homem mesmo, mas no fim, ele morreu e sua esposa correu para casar com seu assassino, este foi o fim do "homem superior" que julgou tanto a vida e fez um levantamento genealógico de invejar qualquer fofoqueiro de plantão na família cearense de Antônio Conselheiro.  


Talvez outro motivo para canudos, o medo das elites do Rio de Janeiro das pessoas do Ceará, isso desde Bárbara de Alencar com a nossa primeira tentativa de independência real contra Portugal, muito antes de 1822, em 1817. 


Claro que podemos brincar com essa biografia, aqui não há nada de sagrado, mas talvez você aprenda uma ou duas coisas novas que não são racismo puro, que os nordestinos e seus descendentes devem dar muita risada da arrogância do sudeste, sempre presente para mostrar o "modelo de civilização avançada" .   


Claro que a explicação para isso é profunda e quem vai dar é outro mestre, este um mestre popular, com cores populares, o senhor Joaquim Maria Machado de Assis, escreveu em um dos seus últimos livros a contradição da abolição da monarquia no Brasil. 


Em Esaú e Jacó, Machado constrói uma lição sobre a contradição dos primeiros anos de governo republicano em Esaú e Jacó em 1904 (dois anos depois da primeira publicação formal de Os Sertões. Um dia, publicaremos a crítica inteira de Esaú e Jacó. 
 

Dom Pedro II ( o filho dele), já era um pouco menos ruim? Ele foi entusiasta das luzes e das invenções, tinha vários projetos que nunca saíram do papel. Quando a filha dele "libertou" os escravos com a Lei Aurea, naquela época, houve até mesmo uma guarda de homens negros recém libertos que queriam proteger a princesa até a morte... 


Uma coisa épica, e porque a monarquia aboliu a escravidão, sendo o penúltimo país a fazer isso. Mesmo assim, os fazendeiros (agro negócio) consideraram a suprema traição. Logo, surgiu no Brasil o fenômeno igual aos Estados Unidos atual, a ascensão do republicanismo de direita, acredito que o Brasil foi o primeiro país do mundo a passar por tal fenômeno por conta da contradição das raízes das nossas elites, eram profundamente escravocratas, foram através delas onde as "novidades" e outros importados da "civilização" e seus valores vieram a fazer parte da nacionalidade brasileira. 

Na verdade o que ele fazia era propaganda de guerra, tanto que voltou ao exército depois e ganhou assento "nobre" da literatura e na aca. Mesmo o mais apologista do exército, o engenheiro Euclides da Cunha escreveu por fim para além do universo descritivo e etnográfico, ele literalmente matou a cultura junto com o exército, era membro dele e foi expulso por indisciplina, logo mais, aceito de volta no período republicano. 

O problema está presente na forma e nos motivos gerais da contenda. Em História, não podemos apenas escolher um lado facilmente, mas isso em si em alguns casos significa ser injusto com a própria história. Apesar da razão que havia por parte dessa cidadela rústica, a sua pauta e agenda era uma pauta perdida, até porque, a monarquia invadiu, destruiu e reprimiu o nordeste durante todo o tempo. Essa é a contradição que surfa Canudos e sua tão mal compreendida guerra. 

Mas havia sim certo domínio na surdina de grupos religiosos fracamente, não tão ortodoxos, logo nascia o tradição dos padres/líderes políticos e religiosos. 

No caso de Antônio Conselheiro, foi acusado de messianismo e de ter perdido a esposa por levantamentos que Euclides buscou sobre pessoas que sabiam um pouco do místico líder.  Aqui em Canudos os republicanos militares estão muito distante do ideal de heróis, porém canudos queria em tese a volta da monarquia, ganhando a acusação de misticismo e messianismo.  

A via a briga de republicanos vindos da capital da época (Rio de Janeiro), invadindo uma cidadela rural onde uns ou outros "acreditavam" em certo culto. Mas o motivo de reunião era outro, era a seca, era o latifúndio, era a miséria. Euclides se preocupa tanto em explicar a loucura por conta da "raça dos locais", que esquece daquilo que Josué de Castro viria a estudar com a temática estrutural em demanda. 


O livro A Geografia da Fome é um marco das novss geraçõesque tentaram explicar sobre o real nordeste, mostra uma obra madura,  uma obra de necessária revisão na forma de identificar os o que seriam esses crônicos "problemas geradores de miséria e fome". 


durante o período republicano considerado da "República em Armas", na época de uma série de golpes de Estado marcaram os primeiros anos de república, instaurando uma administração de ordenamento militar e positivista. Um clássico filme com Selton Mello, Paulo Betti, Marieta Severo, Claudia Abreu, Tuca Andrada, Tunico Pereira, e José Wilker como Antônio Conselheiro. 



Quem seria esse Sérgio Rezende? Vi aleatoriamente esses dias na Pluto TV se não me engano um filme dele. 


Esse cara é um cineasta fantástico e um pouco desconhecido pela quantidade e qualidade de filmes que cria, ele é grandes épicos históricos como este filme. Ele já foi até processado pelo Jorge Caldeira que achou o filme uma cópia de uma biografia sobre o maior empresário que o Brasil já teve, o Barão de Mauá, um clássico de novo de História do Brasil, o filme também com Paulo Betti. 


 Ele também fez outros dois filmes clássicos com o Paulo Betti que também está no filme como um dos seguidores de Conselheiro. Outro que ele fez importante foi sobre guerrilheiro e militar Carlos Lamarca. 


Tem outro filme dele ótimo com a Vera Fisher e o José Wilker também, chamado Doida Demais (1989) não é um épico histórico, mas certamente os debates do filme ainda são super atuais e traz Vera Fisher em seu melhor papel da vida, sério, ela foi muito atriz nesse filme. 


Era um sobre arte e cinema e contrabando, e não consigo entender como e porque seu filme ficou tão bom apesar de todos os empecilhos de se fazer um filme no Brasil, mas vemos que em Doida Demais, o filme foi aperfeiçoado em pós produção por um equipe americana antes do lançamento, ele foi apurado, ainda mais naquela época onde havia pouco dinheiro para o cinema nacional


Depois da redemocratização, ele se embrenhou nas matas dos épicos históricos e se saiu muito bem, eu não sei como, mas ele faz uma estética única de filme, vale muito a pena conhecer sua filmografia.  Para retratar o interior da Bahia foi filmada na verdade no município de Junco de Salitre para retratar a região do interior profundo da Bahia, um profundo deserto. 


O personagem do jornalista representa o Euclides da Cunha, ele tinha sido no filme fotógrafo que tirou uma foto das irmãs com desconto na foto e diz depois para a moça que havia virado prostituta, essa moça pede para ele restaurar a foto da irmã, mas ele diz que não consegue salvar a foto. 


No filme, a filha é a Luiza, a personagem da Claudia Abreu  que não quer cair no messianismo de Conselheiro, já que é ela que tanto queria tirar uma foto, acaba fugindo da família e se vira prostituta, sua família passa a viver e acreditar na palavra  de Antônio Conselheiro.


 Luiza se casa com um homem que viria a ser soldado raro local da guerra, e nisso ela conhece o personagem de Selton Mello, que interpreta um engenheiro que inicialmente acreditava em toda a educação e civilidade, mas no fim estava nas trincheiras tacando dinamite nos sertanejos. 


O filme é pontual e esclarecer e acerta muito em suspender na maior parte do filme um julgamento exato sobre as pessoas, elas são como são devido a sua origem, para o mal ou para o bem. Sabe-se que o verdadeiro do "guia"  Antônio Conselheiro,  era Antônio Vicente Mendes Maciel, e ele era de origem de uma família cearense, ele nasceu em Quixeramobim. 


A interpretação de José Wilker foi incrível no filme, fazendo a gente "gostar" automaticamente pelo personagem histórico, que também é cheio de contradições.


 O movimento ganhou força quando começaram a construir uma cidade a partir de uma igreja. Conta-se que começaram a sentir medo de Canudos porque eles tomaram uma volta de uma mercadoria para construir a sua igreja, eles fizeram uma espécie de comboio e conseguiram pegar a carga. 


O filme coloca situações que puderam fazer prosperar tanto o 'culto' e cidade de Canudos, a questão dos novos impostos, da opressão da fome e da seca e o agravamento da situação pela instabilidade política.  Acontece que o filme retrata bem consegue ser fiel e mostrar bem a figura do jornalista que acompanha o cortejo de guerra, Euclides da Cunha que é citado e é personagem importante na história.


 Vemos retratado a figura caricata de Moreira Cezar (nome de rua na cidade onde eu moro), ele queria chegar até o centro da luta, mas acabou morrendo pelo caminho na sanha de querer invadir canudos, morreu bem no meio do cerco ao lugar.  


Alguns fatos principais históricos que podemos mencionar.  Os Sertões de Euclides da Cunha é sobre um conflito dado no interior da Bahia. Dividido em 3 capítulos, um A Terra, o segundo capítulo, O Homem, e o terceiro, A Luta, cada um foca em uma forma de descrição científica, o primeiro quer descrever a topografia e a geologia da região, o segundo foca na influência do meio sobre a formação da personalidade e tipo do homem sertanejo e o terceiro foca em cobrir as 4 expedições.  


Como seria Canudos, dá para ver essa igreja principal de pintura branca e cruz, foi construída com auxílio dos sertanejos.


Como foi o fim do conflito, onde até mesmo o mais "engajado" observava que fora um crime, mas também era um crime toda a "morte" da população local e da cultura feitas na obra de Euclides, o objetivo claro dos etnógrafos na maioria dos casos está claro nele, matar com a escrita também a resistência, não apenas a morte física, mas a morte da honra na escrita e no correr de sua pena.   


O livro  de Euclides foi resultado dele ter sido mandado como correspondente pelo Estadão. Ele só veio a publicar o livro em 1902. Em notas a segunda edição, Euclides retoma o argumento que muitos não entenderam de que ele "involuntariamente" contrário ao movimento de Canudos, que pode ser comparado hoje em dia, com a questão da terra (MST), ou da seca e da fome. 


O livro de Euclides se divide em 3 partes essenciais do que Euclides julgava ser o cerne de explicação daquela povoação no meio do nada que parecia surgir e ressurgir com o mesmo vigor com que fora abatida a cada vez. 


Livro escrito em primeira pessoa, com a narração variando para descrição morfológica, geológica e topográfica da região. Ele dá descrições não somente sobre o lugar e a história, mas também depois da página 150, começa um interessante levantamento sobre as origens da família de Conselheiro e da formação do seu caráter e sua jornada de peregrinação pelo sertão de cariri antes de seguir para o interior da Bahia. 


Ele conta e reconta a trajetória messiânica de Conselheiro. Com muita lenda envolvida, já que ele escuta de quem disse ter conhecido o homem.  Vale lembrar e questionar a validade do que se é transmitido e os meios. 


Escreveu Euclides sobre haver cadernos escritos com profecias, onde se dizia que o sertão ia virar mar e o mar virar sertão (como nas músicas populares, 'o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão'). Outra profecia era de que em 1900 o mundo ia acabar. 


Acho difícil não ser um pouco artificial, já que se contextualizar a guerra canudos, foi um conflito de proporções enormes, onde o povo faminto (descamisado) lutava por saber não ter chance para eles na nova e forçada sociedade republicana, que reproduzia e buscava aumentar o poderio da elite branca do sudeste do país e de forçar seus modos de vida, além de impostos, é claro. 


Canudos foi a guerra civil no Brasil que mais matou pessoas, em torno de 25 mil pessoas de ambos os lados, vale mencionar que a "cidade" foi destruída por duas vezes durante 4 expedições. Tudo era construído de volta com o pedido e trabalho (não assalariado) do povo sertanejo que tratava o Conselheiro como santo. 


Se consigo concordar com poucas análises strict sensus de Euclides da Cunha, a que mais concordo, também presente no filme é que o exército fez em Canudos foi um crime. Apesar de todo o racismo da análises, concordo que foi um massacre. O racismo de Euclides é indefensável e digno de um acompanhamento especial de análise. É um livro que deveria ser dado sempre junto ao filme, que explica pormenores subjetivos que ajudam a explicar o conflito acima de apenas taxar como bom ou mau. 


Até hoje, a persona de Antônio Conselheiro é lembrada, mas na época, depois de sua morte, sua cabeça foi mandada para a faculdade de medicina na Bahia para Nina Rodriguez fazer testes para confirmar o traço louco e doente que ele teria. Ele propunha a reconstrução de casas e cemitérios e conhecia o sertão profundamente, depois de 20 anos percorrendo o trecho desértico em forma de penitência.


Existe também uma incrível contradição e erro como acadêmico por parte de Euclides da Cunha, o seu método de descrição era o etnográfico, porém a antropologia etnográfica na época estava ao ponto de inventar o secularismo analítico e o relativismo a partir do ponto de vista do nativo. 


Apesar da etnografia de estudo de diário de campo, Euclides nada aprende com o meio, mas usa como referência central de antropologia generalizadoras, dessas típicas do fim do século XIX com foco do evolucionismo social e comparação entre raças e culturas, como feito por Morgan ao comparar os níveis de evolução. 


A diferença é que o trabalho de Morgan apesar de pontualmente ora errado ou racista, buscava uma ideia de teoria e generalização que abarcava vários povos e civilizações, seu estudo apesar de envelhecer mal, serviu como fonte aos novos estudos da antropologia ligados ao 'difusionismo cultural', se essa nova antropologia de estudo quase jornalístico do local único e singular, não pode ser a antropologia de gabinete, enciclopédica, está aqui a natureza da maior estranheza do método científico proposto por Euclides. 


Na época que Euclides escrevia também escrevia Franz Boas e já era presente a moda do relativismo cultural, ou seja, Euclides usou do mesmo método das novas antropologias que usavam de monografias e estudos de casos particulares e locais e tribos onde o objetivo era tentar ao máximo não revelar ou guiar os nativos na sua própria cultura. 


Só que a diferença é que Euclides queria fazer um estudo generalizador e claro, julgador da cultura da região de apenas um lugar. Enquanto que os estudos de evolucionismo cultural de Morgan eram comparações quase enciclopédicas de diversas sociedades diferentes ao longo da história.  O que é engraçado, pois todos querem cancelar Morgan, mas poucos correm para "cancelar" Euclides. 


Ou seja, mesmo que ele se comparasse com Tucídides, ele não teria como ser científico e escrever o livro que escreveu. Uma coisa é a forma escrita, e o texto enseja grandes ensinamentos sobre o ato de explorar em sim, Euclides era um homem muito inteligente e versado em várias tradições, mas ele próprio não via o quanto ele poderia estar tão perdido na história quanto os sertanejos que ele tanto criticava ou invejava. Vale o comentário de que pela escrita dele, acho que sua esposa pode ser o caso de mulher que mais mereceu trair da história da humanidade, logo atrás de Leopoldina. 


O erro dele é que, apesar das mil comparações com outros casos, com a revolta da Vendeia, ou com o messianismo de Conselheiro parecer com o mito do sebastianismo em Portugal, ainda é um caso local, não denota primeiro traços étnicos ou sociais gerais como normalmente é feito na antropologia. Ou seja, a antropologia generalista de gabinete não pode ir a campo, é um erro crasso do trabalho de Euclides.



Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, um marco do jornalismo, foto-reportagem e da forma de escrita nas ciências humanas.



Euclides da Cunha foi mandado em 1897 como correspondente do jornal Estadão. Ele foi profundamente ligado com a visão de mundo do exército, essa visão positivista de suposta superioridade. No final do conflito, ele aborda no livro, sobraria apenas 4 pessoas, depois do exército dinamitar a área ficou a sensação de que houve um desvairado uso da força. Porém, a "pauta" que defendia canudos era de vertente também extremamente conservadora e rígida.


Canudos sofreu com 4 expedições em seu territórios até ser completamente destruída, e no fim apenas sobreviveram 4 pessoas, o exército havia feito um massacre dando como justificativa que a cidadela fantasma era recinto de propaganda contrária ao novo regime e que precisava ser destruída a todo custo. 

 


Mapa da região em torno de canudos, interior profundo da Bahia, nas linhas limítrofes da fronteira com Sergipe e Pernambuco e Ceára. 

O livro aborda tudo, até mesmo uma parte onde ele critica a queda dos valores tradicionais da literatura latina perante a ascensão da influência de Bizâncio (até disso ele reclama, mas e a arte barroca, por exemplo, não é bonita?)... Mas o grosso das barbaridades eram pontuais em seu texto, o que já era de se esperar. O que é interessante é entender que esse estilo virou canônico e louvado por toda o eixo da academia, principalmente no sudeste. A república substituiu a falta de eleições para a época das eleições compradas e a toque de caixa, da época do chamado "voto de cabresto" .


Euclides com toda sua pompa e  toda a prolixa linguagem que deriva, mas no capítulo A Terra existe uma descrição até bonita do clima do lugar, em uma forma de justificativa do que ele achava que produzia o homem típico do sertão, as condições duras tornavam o sertanejo um tipo forte. Mas essa força foi idealizada para exatamente gerar um certo medo para gerar recursos para esse conflito. 


Em certa parte do livro onde ele não está divagando, vemos que ele encobre distorce muitas informações, tem certa parte onde ele fala de um boato de que os sertanejos iriam ter ajuda de armas vindas da Argentina, obviamente, uma mentira, um boato de que existia forças ocultas apoiando o conflito


É complicado apontar que ele mentira em algumas informações, é óbvio que o relato entre o relato jornalístico e a descrição tem uma plausibilidade de ficção na figura do jornalista autor, mas este mesmo não sustenta seu teatro até o fim, e por fim, é entendido como também como parte do tabuleiro, essa é a forma da História, recolocar e fazer cada coisa envelhecer da forma como é em essência. 


O ataque de Euclides, apesar de todo seu sucesso biográfico saiu pela culatra, hoje em dia, vemos os arroubos republicanos como na verdade, a plena continuação das injustiças que já acorriam no período monárquico. Negligenciou sua esposa que o traiu com o cabo Dilermano (exímio atirador), ao tentar lavar sua honra, ele acabou morrendo dessa forma o escritor que denunciou o messianismo e o abandono de esposa e traição que Antônio Conselheiro sofreu e que o levou a virar um andarilho e depois guia adorado local, quando ele morreu virou lenda, e sua cabeça foi usada para tentar provar teorias do racismo científico. 


Vale lembrar que o IML (o morgue) da Bahia leva o nome de Nina Rodrigues que analisou a "loucura" na cabeça de Conselheiro antes de sumirem com a cabeça de vez, considerado localmente até mesmo como figura de historiador, nato taumaturgo, uma visão completamente opostas, mostrando como as tradições locais nordestinas e do Rio de Janeiro se diferem. Santo no nordeste, Mas declarado insano pelo sudesto. Um destino duplo que instiga debates e curiosidade.


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